'Talvez tudo isso tenha vindo para nos alertar sobre algo maior'

Eu preciso deesperan�a. Estou ficando triste e n�o gosto disso. Preciso de gente%u201D

Faf� Renn� atriz

S�o Paulo. Agora s�o 9h09 da manh�. Tem muito pouco barulho na rua. N�o ouvi ainda o barulho de helic�pteros no c�u. Moro numa regi�o muito movimentada, e a esta hora era pra ter muita vida gritando l� fora. T� estranho. T� estranho, sim. Acordei faz pouco tempo... Ontem, fui dormir �s 2h30. Tenho dormido tarde. N�o gosto. Mas o sono est� demorando a vir. Hoje � quarta-feira, quarto dia, e estou aqui no apartamento de 40 metros quadrados, em S�o Paulo. Daqui, ou�o constantemente o barulho da porta abrindo e fechando na entrada do pr�dio. � um pr�dio com muitos, muitos apartamentos. S�o muitas, muitas pessoas. A porta da portaria n�o tem aberto e fechado com a mesma frequ�ncia. Estamos em nossos apartamentos de 40 ou 42 metros quadrados em S�o Paulo. Estamos de quarentena.

Esta semana, fiquei sabendo pela produ��o da pe�a Neblina que o CCBB-SP suspendeu ou cancelou – ainda n�o entendi direito – a nossa temporada, que iria de abril a maio. N�o teremos trabalho. Desde o fim da temporada em BH, em fevereiro, estou de “f�rias”. Sempre falo que ator n�o tira f�rias... est� sem projeto, est� sem trabalho. Ele fala que � f�rias pra ficar mais calmo, ter a sensa��o de que vai passar logo. Acho que me colocaram de “f�rias” for�adas. Longas f�rias for�adas.

N�o gosto de “f�rias” longas desse jeito. Vai fazer tudo sair do lugar, muito em breve. Tenho contado os dias. Pelas redes sociais, acompanho amigos, colegas, companheiros de profiss�o entrando em “f�rias” for�adas. Trabalhamos com o contato direto com o outro, com o p�blico, para o p�blico. N�o podemos arriscar. T� certo. Respiro. � preciso agora. Temos que pensar no coletivo. E n�s precisamos do coletivo. Precisamos uns dos outros. Sempre soube disso. Teatro sem plateia n�o existe. Simplesmente n�o existe!

Tento fazer alguma rotina aqui nestes meus 40 metros quadrados. Acordo, arrumo a cama, troco de roupa, escovo os dentes. Ontem, peguei umas coisas que tenho pra fazer gin�stica. Preciso come�ar a fazer. Meu corpo n�o pode ficar parado tanto tempo. Logo a pe�a Neblina volta e devo estar em condi��es de fazer as quedas.

Fa�o minhas refei��es todas aqui – h� um tempo, ali�s. � mais em conta e estou em tempos de economia. Vejo TV, preciso ler mais. J� escolhi os livros. Minha lista de s�ries na Netflix cresceu muito depois que fiz uma enquete no stories pedindo sugest�es a meus “amigos” virtuais. Eles est�o l�. Os amigos... Converso com todos que posso pelo celular. Ainda n�o fiz v�deo, mas hoje vou fazer. Preciso ver gente da minha gente. Talvez, hoje d� uma faxina novamente. J� fa�o isso normalmente, mas acho que vou fazer mais vezes nesse tempo. Preciso me mexer.

Preciso voltar a meditar logo. Respiro. Olh o as plantas, converso com elas, rego mais � noite pra elas ficarem fresquinhas. Parece que o ver�o resolveu chegar ao final. Neste apartamento bate muito sol, � quente. Ando com o ventilador me seguindo. Abro o computador, mando uns e-mails, estou dispon�vel. N�o gosto de “f�rias” longas assim.

Daqui a pouco, vou entrar na reserva. Mas tenho esperan�a de que logo tudo volte ao normal. Preciso dessa esperan�a. Estou ficando triste. N�o vou negar. Penso nas outras pessoas. Nas que est�o em situa��o de rua. Penso nas pessoas que vi na foto da Esta��o da S�. Penso nos trabalhadores que n�o podem parar nem por um dia. Penso nas necessidades. Penso nas gan�ncias do homem. Penso na sua fragilidade. Penso nas pessoas que t�m muito medo, nas que entram em p�nico. Penso no que est� acontecendo e no que est� por vir.

Somos um sopro. E precisamos come�ar a entender o que estamos fazendo aqui. Talvez tudo isso tenha vindo para nos alertar sobre algo maior. Todos n�s, do planeta Terra, estamos com medo de algo invis�vel que pode nos matar em quest�o de dias. Para deter esse invis�vel, precisamos nos afastar e respeitar o outro a dist�ncia. Dizem que se consegue entender melhor um problema quando se toma dist�ncia. � preciso que algo nos modifique. Eu preciso pensar assim. Eu preciso de esperan�a. Estou ficando triste e n�o gosto disso. Preciso de gente. Gente viva e bem de sa�de. Preciso do outro pra rir, chorar e conversar. Preciso de voc� vivo! Se cuida.

10h10. Hora de cuidar de mim, pra voc�.

Bom dia!