entrevista de segunda
Jair Raso/diretor, dramaturgo e m�dico
“O amor de Wilma Henriques pelo teatro � contagiante”

Em outros tempos, esta segunda-feira de carnaval teria mais um motivo para alegria: a comemora��o dos 90 anos da atriz Wilma Henriques. Por causa da pandemia, n�o haver� confetes e serpentinas, mas emo��o n�o vai faltar na live dedicada � dama do teatro mineiro.
Magdalena Rodrigues, presidente do Sindicato dos Artistas e T�cnicos em Espet�culos e Divers�es de Minas Gerais (Sated), o ator Carluty Ferreira e o diretor e dramaturgo Jair Raso v�o comandar a homenagem � aniversariante, diretamente do palco do Teatro Feluma, em BH.
Est� confirmada a participa��o das atrizes Joselma Luchini, que interpretar� um mon�logo que Wilma gostava muito de apresentar, e Nilmara Gomes, que far� um trecho de Espelho, a pe�a mais recente da aniversariante.
“Wilma participar� da homenagem de casa, por meio da plataforma Zoom. No roteiro, vamos contar parte de sua trajet�ria mesclada com depoimentos dos colegas de profiss�o. Tamb�m haver� depoimentos dela, al�m de sua participa��o no programa Ribalta, produzido e dirigido por Papoula Bicalho para a Rede Minas”, antecipa Jair Raso.
Jair, Magdalena e Carluty est�o sempre por perto da atriz, que h� alguns anos mora no Lar Viver Melhor, no bairro Planalto, na Regi�o Norte da capital.
“Devido � pandemia, agora vou pouco l�, mas nos falamos por telefone. Magdalena e Carluty cuidam de Wilma como se fossem filhos. A afilhada Gabriela � respons�vel por ela”, diz Raso.
“Wilma est� muito feliz com o anivers�rio. Fala mais de sua festa do que da vacina contra a COVID-19, que tomou na semana passada”, revela o dramaturgo, que tamb�m � m�dico.
Para garantir a seguran�a da atriz e dos idosos que moram no Lar Viver Melhor, a festa ser� on-line. Wilma assistir� � live pelo computador, ao lado de Shirley, propriet�ria da cl�nica. “� uma pena n�o podermos abra��-la de verdade”, lamenta Raso.
De acordo com ele, a atriz, diretora e produtora consegue a fa�anha de ser unanimidade nas artes c�nicas mineiras. “O amor de Wilma Henriques pelo pelo teatro � contagiante, seu talento impressiona, seu valor n�o se restringe aos palcos”, diz o dramaturgo, referindo-se �s lutas dela em defesa da categoria e sua participa��o nos movimentos que culminaram na cria��o do Sated, sindicato dos artistas mineiros, e do Sinparc, entidade que re�ne produtores de artes c�nicas do estado.
Como surgiu sua amizade com Wilma Henriques?
Minha hist�ria com Wilma come�ou com um n�o. Ricardo Bah, Alberto Faria e eu, que �ramos do grupo Cara de Palco, fomos convid�-la para ser a estrela do espet�culo que est�vamos produzindo, Vem buscar-me que ainda sou teu, de Carlos Alberto Soffredini. Ela n�o p�de fazer. Isso foi em 1987. Alguns anos depois, em 1991, iniciamos grande amizade ao trabalhar em Navalha na carne, de Pl�nio Marcos. Fui assistente de dire��o da Mam�lia Dornelles, Wilma fazia o papel de Neuza Sueli, contracenando com Jos� Maria Amorim e Ronaldor. Nossa amizade ficou mais s�lida durante os ensaios e viagens com o espet�culo Boa noite, m�e, de Marsha Norman, dirigido por Marcos Vogel. Fiz a ilumina��o e a sonoplastia dessa pe�a. Wilma contracenava com Maria L�cia Schettino.
Qual foi a sua maior emo��o ao ver Wilma em cena?
A segunda montagem de Fala baixo sen�o eu grito, de Leilah Assump��o, com dire��o de Eid Ribeiro. Ela dava um show. Em Navalha na carne e Boa noite, m�e, Wilma estava maravilhosa. E, claro, embora seja suspeito para falar, sua interpreta��o magn�fica na minha pe�a Tr�s m�es.
Voc� trabalhou com Wilma Henriques na pe�a mais recente dela, Espelho, dirigida por Magdalena Rodrigues. Como foi a temporada?
Fui autor do texto e iluminador. Sempre que podia, ia aos ensaios. Escrevi o texto em homenagem a Wilma, tendo como pano de fundo sua passagem pela TV Itacolomi. Ela abria e fechava o espet�culo, ficava o tempo todo em cena, numa cadeira berger vermelha. Foi uma hero�na, enfrentando suas limita��es f�sicas para estar no palco. A �ltima sess�o, no Teatro Jo�o Ceschiatti, foi de muita tristeza. Sab�amos que aquele seria seu �ltimo espet�culo.
Voc� comanda o Teatro Feluma, em BH. Como a casa tem se mantido durante a pandemia?
N�o paramos. Exploramos ao m�ximo a possibilidade de promover atividades on-line. Fizemos o primeiro festival de teatro on-line, com apresenta��o de oito mon�logos. O Sinparc gravou l� o Pr�mio Sinparc/Copasa, transmitido depois pela Rede Minas, e fez l� o seu festival de teatro, com v�rias pe�as gravadas e depois transmitidas. Fernando Bustamante inovou com a vers�o on-line de seus espet�culos infantis, mesclando t�cnicas de cinema e teatro, transmitindo tudo pelo canal dele no YouTube. O curso livre de teatro, que mal havia come�ado, continuou com ensino a dist�ncia. Tamb�m fizemos lives sobre a COVID, uma delas com participa��o de um m�dico da Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS), diretamente de Genebra, al�m de eventos cient�ficos, todos no formato on-line. No final do ano passado, com a abertura parcial dos teatros, estreamos a pe�a Maio, antes que voc� me esque�a, com Maur�cio Cangu�u e Ilvio Amaral.
Em um cen�rio ideal, todo mundo ser� vacinado. Depois disso, as pessoas v�o encarar a plateia do teatro com tranquilidade?
O medo aos poucos vai desaparecer. T�o logo seja poss�vel e seguro, creio que o que mais queremos � aglomerar novamente. Os artistas foram muito importantes para as pessoas durante a pandemia e ser�o ainda mais importantes na retomada. Como diretor, penso que a melhor forma de atrair o p�blico � produzir espet�culos de qualidade que aliem divers�o e pensamento. Penso tamb�m que a experi�ncia com o formato on-line ser� incorporada, de alguma forma, � maneira de fazer e divulgar teatro.
Antes da pandemia, o teatro j� sofria com as bilheterias escassas. Ele conseguir� se recuperar?
Creio que podemos ter boa surpresa, uma vez que as pessoas est�o cansadas de ficar em casa. A experi�ncia com as apresenta��es da pe�a Maio nos mostrou isso. O p�blico nos surpreendeu. Mas � claro que a realidade n�o muda. Um dos desafios do Teatro Feluma � justamente a forma��o de p�blico. Estamos programando diversas a��es nesse sentido. Mas sei que os efeitos tardios da pandemia, tanto na economia quanto no comportamento das pessoas, podem ser um grande entrave.
Quais s�o seus projetos para o futuro?
No Feluma, vamos fazer o segundo festival de teatro on-line, al�m de prosseguir com nossa ideia de fomentar as artes c�nicas mineiras. Durante o isolamento, eu e minha mulher, Andrea, organizamos um livro com 20 coautores, Trilogia de uma pandemia. S�o textos de artistas, psicanalistas e escritores sobre tr�s momentos da pandemia escritos no calor da hora: o in�cio, seu cl�max e os estertores. Infelizmente, os estertores insistem em se prolongar. Mas o livro est� pronto e deve ser lan�ado em mar�o, no Teatro Feluma.
Que li��o a pandemia nos deixa?
S�o muitas as li��es. A maior delas � a constata��o de que somos fr�geis. Um v�rus, forma simples de vida, desvelou nossa fragilidade f�sica e social, fazendo a Terra girar diferente. Por outro lado, refor�ou a minha f� na ci�ncia. S� o fato de termos vacinas para uma doen�a nova em t�o curto espa�o de tempo � um feito extraordin�rio. Com a pandemia, a humanidade deu muitos passos para tr�s, mas, gra�as � ci�ncia, esbo�a um passo gigantesco para a frente.