Nesta pandemia, o cantor Lu�s Couto rev� a sua rela��o com o tempo

Coincidiu de come�ar a pandemia e eu me mudar para um novo apartamento. Uma profunda mudan�a pessoal no meio desta transforma��o (espero que sim) mundial. Pro novo endere�o eu trouxe os discos favoritos e os que ainda n�o ouvi. Os velhos livros e os que sempre me cobrava ler. As plantas, essas de que ainda n�o sei cuidar muito bem. O meu trabalho, as minhas divers�es. Toda uma vida nova dentro de casa, ao lado da minha companheira, a Rita. 

Houve tamb�m outro fato que me marcou muito: devido ao momento t�o conturbado, a Devise, banda da qual fa�o parte, adiou as grava��es do terceiro disco. O que gerou uma frustra��o enorme, porque a nossa expectativa sobre esse trabalho era, e ainda �, muito grande.

Com a mudan�a de casa, organizando cada coisa em seu lugar, percebi que tinha discos cuja embalagem nem sequer abri. Logo pensei nas plataformas digitais e seu infinito cat�logo de m�sicas, naquele disco ou artista que ainda n�o escutei direito. Tamb�m naqueles livros que estavam ali e ainda nem tinha folheado. Fiquei bastante incomodado. Sempre me incomodou muito esse tipo de coisa, mas em casa, com um pouco mais de tempo dispon�vel, decidi “preencher essas lacunas”.

Na Devise, decidimos gravar algumas m�sicas e vers�es que n�o estariam no disco adiado, direto das nossas casas. Coisa que at� ent�o nunca t�nhamos feito. Muito aprendizado. Foram muitos trabalhos lan�ados e fomos entendendo seus impactos. Em n�s e no p�blico. Foi o que encontramos pra ir em frente.

Segui preenchendo as lacunas. Todo dia, enquanto regava diferentes esp�cies de plantas de maneira igual ou discutia e me decepcionava com amigos em algum grupo nas redes sociais, passei a ouvir algum disco que ainda n�o tinha merecido a minha dedica��o. Ou, talvez, fosse eu quem ainda n�o merecesse essas obras.

Em alguns momentos, foi mesmo interessante. Muita novidade, alguns achados perdidos saindo da mesmice musical que volta e meia me atormenta. Mas tudo foi complicando quando percebi que, muitas vezes, estava ouvindo, mas n�o estava escutando. Refleti muito e entendi que talvez estivesse for�ando o despertar de algumas coisas. Entendi que por mais que quisesse saber tudo sobre todas as bandas da gravadora inglesa Creation Records, talvez dentro de mim apenas n�o fosse a hora de ouvir aquele segundo disco do Adorable (que hoje j� se tornou ador�vel, com perd�o do trocadilho), porque naqueles dias eu estava mais pra ouvir Luedji Luna.

Aquela samambaia, assim como a horta, que eu regava todo dia, deu claros sinais de que n�o adianta querer que ela cres�a no tempo que eu quero. Dei �gua demais. Agora entendi que ela precisa absorver e descansar um tempo bom pras coisas acontecerem dentro dela. Do mesmo jeito, a Devise tentou remarcar as grava��es do disco, mas o isolamento se fez mais necess�rio ainda e tivemos que aceitar o novo adiamento. J� estou entendendo que esse trabalho vai ter um tempo pr�prio. Confirmei isso quando surgiram m�sicas nesse per�odo, que agora v�o tamb�m fazer parte dele.

Aqueles amigos que andam negando a verdade e o caos instalado no Brasil, eu tentei rebater com as minhas convic��es, argumentei apoiado pela ci�ncia por horas e dias ininterruptos, mas eles insistem em pensar que n�o estamos no meio de uma trag�dia. � dif�cil, mas j� entendi: do tempo atrasado deles a gente cuida um pouco mais devagarinho, com vida e com luz. O que tiver de ser h� de florescer.

Cada um tem seu pr�prio tempo pra cada coisa que vai acontecer dentro de si.