Murilo Antunes*
Compositor e poeta

A censura ceifou a vida de muitos artistas, calou vates e humilhou a n�s todos, j� que t�nhamos de submeter nossas cria��es a julgamentos de quem desprezava a cultura e as artes.
Meu primeiro parceiro, Sirlan, foi v�tima dessa atrocidade. O ano era 1972, a nossa parceria, “Viva Zap�tria”, concorreu ao 7º Festival Internacional da Can��o (FIC), tendo sido aclamada e uma das finalistas daquele evento transmitido ao vivo para todo o pa�s. Mas, para concorrer, fomos obrigados a ir ao Rio e a nos submeter a um longo interrogat�rio, na sede da Pol�cia Federal. Perguntas esdr�xulas, prim�rias, de censores importados de outras reparti��es federais, que n�o sabiam nada de arte, os pr�prios capachos dos generais.
A partir dali, come�ou nossa batalha para liberar nossas m�sicas. A gravadora Som Livre ofereceu um contrato de grava��o ao meu parceiro, mas t�nhamos de conseguir previamente o carimbo de APROVADA em nossas letras.
Os parceiros do Sirlan �ramos eu e Fernando Brant. Envi�vamos nossas letras para a Censura e, a cada remessa de 8 a 10 letras, uma ou duas voltavam liberadas. O que fizemos? Trocamos as parcerias: eu letrava as melodias que o Fernando j� havia feito e vice-versa.
O tempo passava. O calor do festival arrefecia. A oportunidade de Sirlan se lan�ar no mundo da m�sica foi se esvaindo. Tanto que, s� quatro anos depois, ter�amos 10 m�sicas liberadas para que ele lan�asse seu primeiro elep�.
Frustra��o, decep��o, inj�ria e des�nimo tomaram conta daquele promissor compositor brasileiro que teve sua vida art�stica ceifada na raiz. Assim como inumer�veis artistas, jornalistas, escritores, cientistas, soci�logos, historiadores, antrop�logos, juristas, religiosos, ativistas e pol�ticos progressistas tiveram carreiras interrompidas pelas m�os pesadas da ditadura.
O ex�lio, a pris�o, a tortura ou a morte foi a recompensa que deram a tantos s�bios brasileiros, construtores e defensores da democracia.
"Quando vejo manifesta��es recentes pedindo o retorno da ditadura, me pergunto: o que querem esses pusil�nimes e seus seguidores?"
� isso que queremos que aconte�a novamente? Quando vejo manifesta��es recentes pedindo o retorno da ditadura, me pergunto: o que querem esses pusil�nimes e seus seguidores? Como parar a sanha desses retr�grados apologistas da viol�ncia e do emburrecimento do pa�s?
S� a indigna��o n�o basta, sabemos disso. H� de haver alguma forma de barrarmos a insanidade dos atuais d�spotas que zombam da nossa intelig�ncia e cultivam interesses de grupos de poder ao massacrar o sonho de um pa�s que andava a passos largos para certa igualdade social.
Deixo aqui a lembran�a dos versos de Paulo C�sar Pinheiro, cultivados naqueles tempos turvos para levar esperan�a e for�a a todos n�s. “Voc� corta um verso/ Eu escrevo outro/ Voc� me prende vivo, eu escapo morto/ De repente, olha eu de novo/ Perturbando a paz, exigindo troco.”
E outros versos extra�dos da sabedoria popular, os quais inserimos, eu e Tavinho Moura, em uma das nossas can��es bem-sucedidas: “Meu fac�o guarani quebrou na ponta, quebrou no meio/ eu falei pra morena que o trem t� feio.”
*A Coluna Hit publica aos domingos a se��o 'Qual � a M�sica?'. A cada semana, um convidado escreve sobre can��es marcantes lan�adas durante a ditadura militar e a rela��o delas com o Brasil contempor�neo.