
Foi no long�nquo ano de 1980 que ca� de amores por Rita Lee, de cara, aos primeiros acordes de “Lan�a perfume”. N�o me lembro se foi pela m�sica ouvida no r�dio ou pelo clipe, aquele do ringue de patina��o, exibido na TV. S� sei que foi amor � primeira vista. Claro que, antes de mim, havia a gera��o que a acompanhara n'Os Mutantes ou na Tutti Frutti.
Muito novo, eu morava no interior, onde not�cias chegavam pela TV, r�dio ou jornal. N�o havia a profus�o e facilidade de informa��o de hoje. Gostava do som, da simpatia dela. Nem de longe sabia da import�ncia fundamental da Rita Lee defensora das mulheres, na contram�o da caretice nos anos 1960 e 1970. �poca de um Brasil sufocado pela repress�o. Imagine cantar “me deixa de quatro no ato”, em “Lan�a perfume”, ou “vou fazer voc� ficar louco, muito louco, dentro de mim”, em “Perigosa”, sucesso das Fren�ticas.
Comentando sobre a morte de Rita, uma amiga, bem mais nova do que eu, disse que quando era jovem, os pais n�o a deixavam ouvir Rita Lee. Fui procurar o meu primeiro disco dela, cl�ssico dos cl�ssicos lan�ado em 1980, que tinha como faixa de trabalho “Lan�a perfume”, can��o que a gravadora escolhera para divulgar o LP.

Arm�rios e guarda-roupas revirados, e nada. Foi presente de anivers�rio dos meus pais. N�o trabalhava naquela �poca, n�o tinha como compr�-lo. Ouvir vinil era mais divertido com os amigos reunidos. Sozinho, n�o. Era quase um evento. Decidi levar o LP para casa de um vizinho, que de santo e bons modos n�o tinha nada. Sabe Deus por que ele rabiscou a contracapa com a hidrocor. Imaginem a minha ira. Logo o meu primeiro disco da Rita?
O tempo passou, vieram alguns bicos e trabalhos que garantiram minha cole��o de discos, que por um tempo foi dedicada s� � Rita. A cada lan�amento, corria at� a �nica loja de discos de Sete Lagoas em busca do vinil. N�o era barato. Pedia ao vendedor para ouvi-lo. N�o queria pagar caro e correr o risco de levar alguma faixa arranhada para casa. Na maioria das vezes, era s� desculpa. Queria, mesmo, me acostumar �s can��es que n�o eram executadas no r�dio.

Foi no in�cio dos anos 1990 que vi Rita ao vivo, frente a frente, no show de lan�amento de “Bossa n'roll”. Sentadinho na primeira fila do setor 1, � esquerda do palco. Quando a cortina se abre, Rita surge de viol�o em punho cantando “Doce vampiro”. Registro que guardo at� hoje na mem�ria.
Ela tamb�m curtia cinema, fez alguns filmes. “Dias melhores vir�o”, de Cac� Diegues, � o meu preferido. No elenco, outra grande paix�o, Mar�lia P�ra. Quando passou na TV aberta, gravei usando o aparelho de DVD – tecnologia de ponta na �poca, era nossa salva��o para guardar coisas preciosas. A fita deve estar perdida entre meus guardados.
Alegria, mesmo, veio quando, j� rep�rter deste caderno, tive a felicidade de entrevist�-la. Nossos bate-papos por e-mail foram se repetindo ao longo dos anos e de v�rios lan�amentos. Por incr�vel que pare�a, a mat�ria de que mais gosto n�o tem uma linha de depoimento da Rita. Abordava o lan�amento da caixa com 20 CDs de carreira remasterizados e outro de raridades. A gravadora disse que n�o haveria entrevistas. Eu bem que insisti.
Rita, decidi colher hist�rias com uma pessoa com quem voc� trabalhou a cada CD. Vou te contar: deu um trabalho do c�o, mas foi legal demais ouvir mais sobre voc� dos amigos e colegas. A �nica frustra��o foi n�o conseguir entrevista com o taxista �lcio D�rio, que comp�s para voc� m�sicas do disco “Build up”. Por decis�o dele, que preferiu o sil�ncio.
O e-mail virou o seu aliado nas entrevistas. Muitos diziam que voc� fazia “tipo”; outros, apontavam sua timidez nas entrevistas por telefone. Pouco importava. Sempre havia humor e carinho naquelas respostas, por mais simples que fosse a pergunta. A �nica coletiva de que participei ocorreu na turn� “Bossa n'roll”, no palco do teatro. Coisa rar�ssima hoje em dia. Euzinho estava l�. Ainda n�o trabalhava no Estado de Minas, mas, espertinho, me misturei aos rep�rteres das r�dios, jornais e TVs.

Que saudade, Rita, das coletivas. N�o s� pelo prazer de ter o �dolo ali, cara a cara, mas tamb�m do encontro com os colegas de profiss�o. Mudan�as existem desde a Idade da Pedra, mas est� tudo muito r�pido e estranho hoje. Coletiva de imprensa parece coisa de museu.
Nos encontramos em todas as suas temporadas aqui em BH, seu �ltimo show na cidade foi em 2010, no atual Arena Hall. A foto desta p�gina mostra como �ramos novinhos, cheios de esperan�a. Eu acreditava que as coisas seriam melhores e os �dolos jamais morreriam.

Quando poder�amos imaginar tanto descaso com a informa��o, com a ci�ncia, a arte? Imaginar que aquelas dancinhas de TikTok virariam algo top. Desta palavra, ali�s, s� gosto na m�sica d'Os Mutantes, a “Top top”. Muito antes de ela virar sin�nimo de nada.
Minha tristeza � n�o ter mais esperan�a de conseguir aquela entrevista. Restam os discos, os livros e a saudade. E, claro, a obriga��o de mostrar aos filhos de meus amigos que o mundo com Rita Lee sempre foi mais feliz.