(none) || (none)
Publicidade

Estado de Minas COLUNA HIT

O mundo com Rita Lee sempre foi mais feliz

Cantora e compositora deixa o legado do bom humor, da ousadia e da intelig�ncia para os brasileiros


10/05/2023 04:00 - atualizado 10/05/2023 00:53
739

Mulher sorridente, Rita Lee, de cabelo vermelho, e Helvecio Carlos sorriem para a câmera
A foto carinhosa de Rita, com aut�grafo, ao posar com Helv�cio Carlos (foto: Acervo pessoal)

Foi no long�nquo ano de 1980 que ca� de amores por Rita Lee, de cara, aos primeiros acordes de “Lan�a perfume”. N�o me lembro se foi pela m�sica ouvida no r�dio ou pelo clipe, aquele do ringue de patina��o, exibido na TV. S� sei que foi amor � primeira vista. Claro que, antes de mim, havia a gera��o que a acompanhara n'Os Mutantes ou na Tutti Frutti.

Muito novo, eu morava no interior, onde not�cias chegavam pela TV, r�dio ou jornal. N�o havia a profus�o e facilidade de informa��o de hoje. Gostava do som, da simpatia dela. Nem de longe sabia da import�ncia fundamental da Rita Lee defensora das mulheres, na contram�o da caretice nos anos 1960 e 1970. �poca de um Brasil sufocado pela repress�o. Imagine cantar “me deixa de quatro no ato”, em “Lan�a perfume”, ou “vou fazer voc� ficar louco, muito louco, dentro de mim”, em “Perigosa”, sucesso das Fren�ticas.

Comentando sobre a morte de Rita, uma amiga, bem mais nova do que eu, disse que quando era jovem, os pais n�o a deixavam ouvir Rita Lee. Fui procurar o meu primeiro disco dela, cl�ssico dos cl�ssicos lan�ado em 1980, que tinha como faixa de trabalho “Lan�a perfume”, can��o que a gravadora escolhera para divulgar o LP.
 
Rita Lee canta no palco do Arena Hall, tendo imensa lua atrás de si
Rita Lee canta na estreia da turn� 'Etc...', no Chevrolet Hall, em BH, em outubro de 2010 (foto: Gualter Naves/17/4/2010)
Arm�rios e guarda-roupas revirados, e nada. Foi presente de anivers�rio dos meus pais. N�o trabalhava naquela �poca, n�o tinha como compr�-lo. Ouvir vinil era mais divertido com os amigos reunidos. Sozinho, n�o. Era quase um evento. Decidi levar o LP para casa de um vizinho, que de santo e bons modos n�o tinha nada. Sabe Deus por que ele rabiscou a contracapa com a hidrocor. Imaginem a minha ira. Logo o meu primeiro disco da Rita?

O tempo passou, vieram alguns bicos e trabalhos que garantiram minha cole��o de discos, que por um tempo foi dedicada s� � Rita. A cada lan�amento, corria at� a �nica loja de discos de Sete Lagoas em busca do vinil. N�o era barato. Pedia ao vendedor para ouvi-lo. N�o queria pagar caro e correr o risco de levar alguma faixa arranhada para casa. Na maioria das vezes, era s� desculpa. Queria, mesmo, me acostumar �s can��es que n�o eram executadas no r�dio.
 
Rita Lee toca flauta no Parque Municipal, no Centro de Belo Horizonte, em setembro de 1975
Rita Lee toca flauta no Parque Municipal, no Centro de Belo Horizonte, em setembro de 1975 (foto: Evandro Santiago/EM/D.A Press/9/9/75)
 

Foi no in�cio dos anos 1990 que vi Rita ao vivo, frente a frente, no show de lan�amento de “Bossa n'roll”. Sentadinho na primeira fila do setor 1, � esquerda do palco. Quando a cortina se abre, Rita surge de viol�o em punho cantando “Doce vampiro”. Registro que guardo at� hoje na mem�ria.

Ela tamb�m curtia cinema, fez alguns filmes. “Dias melhores vir�o”, de Cac� Diegues, � o meu preferido. No elenco, outra grande paix�o, Mar�lia P�ra. Quando passou na TV aberta, gravei usando o aparelho de DVD – tecnologia de ponta na �poca, era nossa salva��o para guardar coisas preciosas. A fita deve estar perdida entre meus guardados.

Alegria, mesmo, veio quando, j� rep�rter deste caderno, tive a felicidade de entrevist�-la. Nossos bate-papos por e-mail foram se repetindo ao longo dos anos e de v�rios lan�amentos. Por incr�vel que pare�a, a mat�ria de que mais gosto n�o tem uma linha de depoimento da Rita. Abordava o lan�amento da caixa com 20 CDs de carreira remasterizados e outro de raridades. A gravadora disse que n�o haveria entrevistas. Eu bem que insisti.

Rita, decidi colher hist�rias com uma pessoa com quem voc� trabalhou a cada CD. Vou te contar: deu um trabalho do c�o, mas foi legal demais ouvir mais sobre voc� dos amigos e colegas. A �nica frustra��o foi n�o conseguir entrevista com o taxista �lcio D�rio, que comp�s para voc� m�sicas do disco “Build up”. Por decis�o dele, que preferiu o sil�ncio.

O e-mail virou o seu aliado nas entrevistas. Muitos diziam que voc� fazia “tipo”; outros, apontavam sua timidez nas entrevistas por telefone. Pouco importava. Sempre havia humor e carinho naquelas respostas, por mais simples que fosse a pergunta. A �nica coletiva de que participei ocorreu na turn� “Bossa n'roll”, no palco do teatro. Coisa rar�ssima hoje em dia. Euzinho estava l�. Ainda n�o trabalhava no Estado de Minas, mas, espertinho, me misturei aos rep�rteres das r�dios, jornais e TVs.
 
Rita Lee, usando óculos escuros e chapéu, dá entrevista e tem gravadores diante de seu rosto
Rita Lee durante entrevista coletiva no Pal�cio das Artes no in�cio dos anos 1990 (foto: Helv�cio Carlos/EM/D.A Press)
 

Que saudade, Rita, das coletivas. N�o s� pelo prazer de ter o �dolo ali, cara a cara, mas tamb�m do encontro com os colegas de profiss�o. Mudan�as existem desde a Idade da Pedra, mas est� tudo muito r�pido e estranho hoje. Coletiva de imprensa parece coisa de museu.

Nos encontramos em todas as suas temporadas aqui em BH, seu �ltimo show na cidade foi em 2010, no atual Arena Hall. A foto desta p�gina mostra como �ramos novinhos, cheios de esperan�a. Eu acreditava que as coisas seriam melhores e os �dolos jamais morreriam.
 
Rita Lee canta em show no Marista Hall, em BH em junho de 2003
Rita Lee em show no Marista Hall, em BH em junho de 2003 (foto: Marcos Michelin/EM/D.A Press/25/6/03)
 

Quando poder�amos imaginar tanto descaso com a informa��o, com a ci�ncia, a arte? Imaginar que aquelas dancinhas de TikTok virariam algo top. Desta palavra, ali�s, s� gosto na m�sica d'Os Mutantes, a “Top top”. Muito antes de ela virar sin�nimo de nada.

Minha tristeza � n�o ter mais esperan�a de conseguir aquela entrevista. Restam os discos, os livros e a saudade. E, claro, a obriga��o de mostrar aos filhos de meus amigos que o mundo com Rita Lee sempre foi mais feliz.

*Para comentar, fa�a seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)