
Um expressivo grupo de artistas e intelectuais subscreve o pedido de impeachment do presidente Jair Bolsonaro encaminhado ontem ao presidente da C�mara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), entre os quais o cantor e compositor Chico Buarque, o escritor Fernando Morais, as atrizes Luc�lia Santos e Dira Paes, o ator Greg�rio Duvivier, o ex-ministro Luiz Carlos Bresser Pereira e os comentaristas esportivos Juca Kfouri e Walter Casagrande, todos personalidades relevantes da esquerda brasileira. Com 133 p�ginas, os autores citam ataques contra a imprensa, direcionamento ideol�gico de recursos no audiovisual, m�s condutas na �rea ambiental e atua��o falha do governo durante a epidemia da COVID-19 como motivos suficientes para caracterizar crime de responsabilidade.
N�o � o primeiro nem ser� o �ltimo pedido de impeachment, porque n�o h� a menor possibilidade de Maia acolher a proposta e abrir o processo agora. Houve at� um momento em que um amplo conjunto de for�as cogitou afastar Bolsonaro da Presid�ncia, diante da agressividade com que atacava os demais poderes e mobilizava seus partid�rios contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF). Mas n�o o suficiente para transformar essa ideia num fato pol�tico concreto, n�o havia nenhuma garantia de que a iniciativa seria uma solu��o para a crise institucional iminente; pelo contr�rio, a possibilidade maior era que legitimasse a ret�rica autorit�ria e golpista de Bolsonaro e seus partid�rios.
Em pol�tica, entretanto, tudo tem suas consequ�ncias. Descolada de uma conjuntura favor�vel, a proposta submete o presidente da C�mara a um desgaste desnecess�rio, ao engavetar ou arquivar o pedido, e exp�e a fraqueza da oposi��o na C�mara. Al�m disso, partindo de setores que classificaram o impeachment de Dilma Rousseff como um “golpe de estado”, deslegitima essa narrativa, porque reconhece esse instituto como um mecanismo constitucional leg�timo para afastar um presidente da Rep�blica incapaz. N�o existe impeachment leg�timo de direita ou de esquerda, o crime de responsabilidade tem amplo espectro e o impeachment � um julgamento pol�tico previsto na Constitui��o.
Para usar uma linguagem futebol�stica, a oposi��o perdeu o tempo da bola. Bolsonaro safou-se desse risco quando recuou da escalada contra o Supremo Tribunal Federal (STF). As investiga��es em curso na Corte sobre as amea�as aos seus ministros e ao pr�prio tribunal e sobre as fake news chegaram muito perto do gabinete do presidente da Rep�blica, envolvendo seus familiares, assessores e aliados pr�ximos. A pris�o do seu amigo Fabr�cio Queiroz, ex-assessor do senador Fl�vio Bolsonaro (Republicanos-RJ) na Assembleia Legislativa fluminense, teve um efeito catalisador no processo pol�tico: Bolsonaro foi obrigado a recuar; ao mesmo tempo, isso desanuviou o cen�rio adverso nos demais poderes.
Pandemia
Nesse processo, os militares do Pal�cio do Planalto conseguiram operar uma alian�a com os partidos do Centr�o, na base do velho toma-l�-d�-c�, que garantiu a Bolsonaro uma base parlamentar em condi��es de barrar qualquer proposta de impeachment. Os grandes partidos tradicionais — MDB, DEM e PSDB —, que n�o haviam aderido ao impeachment, se encarregaram de moderar o debate na C�mara e sepultaram de vez essa possibilidade a curto prazo. A estrat�gia desses partidos � manter a autonomia do Congresso e conviver com Bolsonaro, aos trancos e barrancos, at� as elei��es de 2022.
S� h� uma vari�vel que pode reacender a chama do impeachment antes disso: a pandemia de COVID-19 sair completamente do controle e o pa�s entrar em colapso econ�mico. O Brasil logo ultrapassar� 2 milh�es de casos confirmados e 100 mil contaminados. A m�dia m�vel de mortes continua num patamar acima de mil e mais de 29 mil contaminados por dia. � muita coisa. O relaxamento desordenado e descoordenado da pol�tica de distanciamento social ainda pode ser desastroso para os estados onde a epidemia estava entrando em descenso. O Distrito Federal e 9 estados apresentaram alta de mortes: PR, RS, SC, MG, DF, GO, MS, RO, TO e CE.
O desgaste de Bolsonaro, por�m, est� sendo mitigado pela estrat�gia de p�r os militares � frente do Minist�rio da Sa�de, responsabilizar o Supremo, os governadores e os prefeitos pelo fracasso no combate � pandemia e naturalizar o n�mero de mortes, banalizando o conceito de grupo de risco, idosos e portadores de comorbidades. De certa forma, a pol�mica entre o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes e os militares da ativa, liderados pelo ministro da Defesa, general Fernando de Azevedo e Silva, traz no seu bojo essa quest�o.
O ministro p�e o dedo na ferida ao afirmar que a presen�a de quase tr�s dezenas de oficiais e um general da ativa no comando interino do Minist�rio da Sa�de � uma extravag�ncia administrativa. O uso do termo genoc�dio pelo ministro, por�m, foi um exagero. A dura cobran�a de retrata��o do vice-presidente Hamilton Mour�o, ontem, refletiu o estado de �nimo da corpora��o, mas � chumbo trocado na pol�tica. Quem est� nela n�o pode ter canela de vidro.