
Tenho orgulho de me ter esfor�ado muito para realizar o meu ideal; mas me aborrece n�o ter sabido concomitantemente arranjar dinheiro ou posi��es rendosas que me fizessem respeitar. Sonhei Spinoza, mas n�o tive for�a para realizar a vida dele; sonhei Dostoi�vski, mas me faltou sua n�voa.
O que mais desesperava era o dinheiro. N�o tinha contado com ele, como n�o contara com muitos elementos que eu desprezara; agora, eles se vingavam...
Sentia-me impotente por isso e os obst�culos invenc�veis. N�o me quisera curvar, revoltara-me; entretanto, mais de uma vez me vira obrigado a pedir pequenos favores humilhantes aos camaradas. Curiosa independ�ncia!”
Esses par�grafos acima, n�o os escrevi. Retirei-os do livro O cemit�rio dos vivos, escrito por Lima Barreto quando internado pela segunda vez em um hosp�cio no Rio de Janeiro, por alcoolismo.
Lima Barreto foi jornalista e � conhecido por escrever tamb�m o famoso Triste fim de Policarpo Quaresma, adotado em todas as escolas brasileiras como leitura obrigat�ria. Dizia n�o se considerar um louco. Mas admitia delirar quando se excedia. E era frequente.
O livro sustenta a rumina��o de um homem sobre o significado da exist�ncia quando tudo ao redor carece de sentido. Quando ele � tomado por uma profunda ang�stia, como qualquer um pode ser em determinados momentos de nossa vida.
Momentos em que percebemos o efeito de nossos erros do passado em nosso presente e nos damos conta de que fizemos mau neg�cio. E n�o s� isso, como tamb�m percebemos que fizemos mal a outras pessoas. Quem nunca se arrependeu depois de um exame honesto sobre seu passado? Quem nunca errou? Atire a primeira pedra!
Arrependimento, por�m, de nada adianta. N�o faz o tempo voltar, n�o tem poder para consertar estragos. A culpa pelos erros igualmente de nada adianta, de nada ajuda. Melhor ser� entender que tem sorte ainda quando a ficha cai e � tempo de fazer diferente. De reparar de algum modo o feito ou de mudar o curso de suas atitudes. Consci�ncia que s� � poss�vel pela responsabiliza��o que o saber algo mais de si traz.
Digo, a culpa de nada serve sen�o para sofrer. A responsabiliza��o � diferente. Foge-se da culpa quando se admitem verdades, mesmo que meias verdades. A responsabilidade � f�rtil e produz resultados pr�ticos e eficazes porque nos reposicionam. Quem nunca est� errado n�o tem chance!
Donos da verdade passar�o a vida aos brados para n�o perder o trono. Mas n�o fazem la�os. Afastam as pessoas e gritam no deserto. A solid�o n�o pode sequer ser amainada por companhia parceira.
O que se faz numa an�lise? Recebe-se o paciente em sofrimento, porque ele acredita demais no seu sintoma e sofre. Ele sofre porque n�o pode agir, porque n�o pode acreditar em si mesmo, porque se sente impotente diante da vida, porque est� massacrado numa situa��o e isso se repete durante a vida toda. � sua cren�a.
Sente-se culpado e n�o sabe traduzir o sentido do sintoma, que � justamente uma mensagem do inconsciente a ser decifrada. Acreditar demais no sofrimento � parar a�, no doloroso, sem mais.
O analista d� cr�dito ao sintoma, mas n�o acredita tanto nele. Dar cr�dito � diferente de acreditar. Quando se tem muita f� no sofrimento, tampamos sua fun��o enigm�tica e seu sentido, ficamos arrolhados. A f� � cega. Ao dar cr�dito ao sintoma, ao lev�-lo a s�rio, paramos para escut�-lo. Questionamos a mensagem que ele porta para desarmar seus efeitos nefastos sobre o sujeito.