
Efeito da quarentena, o burburinho urbano diminuiu. H� menos barulho de buzinas e de obras. Pouca gente na rua e nos c�us, com a maioria dos voos cancelados. Com�rcio e col�gios fechados. Zero conversas de boteco. Nenhum grito de gol. Com a Terra em sil�ncio, o mundo dos sons vem � tona, trazendo fen�menos interessantes, que v�o al�m dos ‘barulha�os’ e dos tenores de varanda.
Li outro dia que o isolamento ac�stico for�ado facilitou o trabalho dos sism�grafos, aparelhos que medem o n�vel de ru�do do subsolo para estudar terremotos e vulc�es, entre outros. Segundo o Observat�rio Real de Bruxelas, na B�lgica, antes era preciso enterrar os aparelhos a 100 metros de profundidade ou aguardar fins de semana ou feriados para obter an�lises mais precisas. Hoje, sem a interfer�ncia das vibra��es causadas pelo homem, as capta��es est�o sendo feitas na superf�cie, naturalmente.
A ficha da pandemia, por�m, n�o caiu para todos. Em vez de rever conceitos, slogan de propaganda antiga, muitos insistem em reproduzir o modelo j� vencido de exist�ncia no planeta. Fiquei perplexa ao saber que j� existe um servi�o capaz de fornecer trilhas sonoras da modernidade. � verdade.
Trata-se de uma f�brica de ru�dos urbanos. Vende faixas sonoras imitando o zum-zum dos escrit�rios, confus�o de gente falando ao mesmo tempo, frequentadores de bares e restaurantes pedindo a conta ou a saideira. Na minha opini�o, essas ofertas beiram ao masoquismo. Credo.
J� deve ter gente com s�ndrome de abstin�ncia de enfrentar engarrafamento no hor�rio de pico. N�o duvido. A maioria nem percebeu ter ganho duas, tr�s horas por dia evitando o deslocamento at� o servi�o. Mas os habitantes das megal�poles v�o custar a desacelerar. Acostumados a apostar corrida nas cal�adas, v�o continuar desorientados, andando de um lado para o outro, dentro de casa. Permanecem pilhados no home office.
At� as crian�as est�o reclamando do excesso de sil�ncio. Fiquei sabendo que o coleguinha do meu filho passou a ter dificuldades para dormir. Desta vez, a culpa n�o � da tens�o pelo confinamento ou saudades da turma de amigos. Segundo contou a m�e, a crian�a est� irritada com os ru�dos da noite, que ele desconhecia. Reclama do canto das cigarras, do cricri dos grilos, do pio da coruja.
Na verdade, esquecemos que a natureza tem o direito de se expressar. E que a Terra nunca foi exclusividade dos seres humanos. Algumas esp�cies de animais resgataram seu h�bitat, ainda que temporariamente. C�meras de celulares registram cenas incr�veis pelo mundo, como a invas�o de bodes famintos nos Estados Unidos, nuvens de gafanhotos na �frica, briga de gangues de macacos nas ruas da Tail�ndia. Mera semelhan�a com o filme Planeta dos macacos.
Sim, s�o muitas mudan�as a curto prazo (embora a quarentena j� pare�a uma eternidade). Vamos manter o foco e a f�, juntos. Agradecer pela comida na mesa, pelas reservas da economia e pela multiplica��o das lives na internet, abrindo janelas para bons cursos, novos idiomas, palestras dos maiores pensadores. Enfim, encarar os cinco minutos di�rios de medita��o, o telefonema daquela tia querida e o conv�vio com os filhos, olho no olho. � tempo de viver.