Ca�adores de nuvens. Recebi o convite para participar de um grupo com esse nome nas redes sociais. Entre tantas outras ofertas, que passam em brancas nuvens (n�o resisti ao trocadilho), fui atra�da pela singularidade do t�tulo. Na minha cabe�a, a primeira palavra � o oposto da segunda. O substantivo ca�ador n�o combina com nuvens inocentes, coitadinhas. Ocorre o mesmo com o livro Ca�adores de pipas, que soa igualmente antag�nico e po�tico. Por associa��o, pensei que se tratasse de um blog liter�rio, mas acabei descobrindo que a proposta do site era mais literal.
Para pertencer ao grupo, que conta com quase 25 mil seguidores de diversos pa�ses, � necess�rio preencher uma ficha de cadastro. Pelo jeito, � algo s�rio, diferente do conceito de nuvem que trago da inf�ncia. Crian�a, eu me deitava de costas no gramado e brincava de formatar carneirinhos, ursos de pel�cia e dumbos, carregados pelo vento. Quando crescesse, eu teria o meu pr�prio colch�o de nuvens, al�m do travesseiro feito de algod�o.
Viajava nos pensamentos, enquanto aguardava o aval dos moderadores do Ca�adores de Nuvens. Minutos depois, sai a resposta. Aprovada. Passo a pertencer � comunidade de adultos que se re�nem no privado para compartilhar fotografias de nuvens, cada cena mais bela do que a outra. S�o flagrantes de nuvens de diversas partes do mundo pairando sobre castelos escoceses, len��is maranhenses, pontes de Amsterd�.
O objeto central das fotos n�o varia, � claro. Nuvens s�o nuvens em qualquer lugar do planeta. O que muda s�o os cen�rios e o olhar de cada observador, que, nesse grupo, � chamado de narrador visual. E com raz�o. N�o adianta sair romanticamente por a� procurando nuvens perdidas, pairando no ar. Para serem publicados, nas categorias C�mulos ou Nimbos, os registros devem ter qualidade acima da m�dia, usando c�meras profissionais, rebatedores e lentes.
D� um trabalho danado capturar paisagens, principalmente � noite. J� tentou fotografar a Lua com o seu celular? Eclipses? Estrelas? � quase imposs�vel. Em geral, os aparelhos m�veis s�o incapazes de captar a profundidade do nosso campo de vis�o, a intensidade da luz e a mesma paleta de cores impressas na retina.
Para tirar d�vidas de ordem t�cnica, pesquiso na internet o termo ‘fotografias de noite estrelada’. Bingo! Descubro que tamb�m existem os Ca�adores da Lua, com prop�sitos semelhantes. Ser� que existem outros grupos desse tipo? Encontro Ca�adores de P�r do Sol, que, a meu ver, confunde-se um pouco com o de nuvens. S�o esses, por enquanto. Falta inventar os ca�adores de montanhas, �rvores, borboletas.
Na �ltima viagem a Gramado, no Rio Grande do Sul, tornei-me uma esp�cie de Diana das flores. Peguei a mania de documentar a apar�ncia das p�talas, delicadas, pinceladas a m�o. A tarefa foi simples. O clima nas serras ga�chas favorece o aparecimento de verdadeiras floras, tanto naturais quanto cultivadas, nos parques e jardins dos hot�is e resid�ncias particulares. Cheguei a ficar enjoada de tanto ver hort�nsias.
Admito que � mais simples registrar flores do que sair a campo, sem rumo, perseguindo nuvens passageiras (novamente, n�o pude evitar). J� experimentou sair da Reda��o com a encomenda de conseguir uma boa mat�ria sobre tempestades? � incr�vel, mas a chuva quase sempre chega antes do carro de reportagem.
Mais recentemente, com o fen�meno da multiplica��o dos celulares, cliques de populares inundam jornais, portais e tev�s, aos borbot�es. No passado, por�m, raios e trovoadas provocavam arrepios nos jornalistas dos cadernos de cidades e gerais. Diz a lenda que, em desespero, certa vez um editor ordenou � rep�rter iniciante: “Siga aquela nuvem!”.
Se pudesse voltar no tempo, anterior � pandemia, iria me oferecer como volunt�ria para cumprir a miss�o do chefe. Era s� pedir. Com prazer, pularia a cerca el�trica, ultrapassava a marca dos metros quadrados de casa, fugiria do meu quadrado.
At� pagaria para sair �s ruas agora, nesse exato momento, j�. Feliz da vida, ca�aria nuvens, �rvores, sol e lua, estrelas ou planetas. Iria pisar na grama, passear com os cachorros, correr em volta dos canteiros da Liberdade, ir al�m do meu quintal.
Pode acreditar, h� de chegar o fim da quarentena. Ent�o, vamos nos esquecer de levar as m�scaras, ignorar amea�as de multa, desconhecer o sentido de lockdown. Matar as saudades de nossos belos horizontes.