Cidade mineira ensina como usar o queijo para vencer a seca
Porteirinha, munic�pio do Norte de Minas que superou a lavoura de algod�o arrasada investindo na produ��o artesanal tem esfor�o reconhecido em concurso
Silagem para alimenta��o do gado de leite durante a estiagem foi uma das solu��es encontradas pelos produtores de Porterinha para garantir a produ��o de queijo (foto: Leonardo Petr�nio/divulga��o)
O munic�pio de Porteirinha, no Norte de Minas, j� viveu a prosperidade da produ��o de algod�o, que, no fim da d�cada de 1980, foi dizimada pela entrada do bicudo, uma praga do algodoeiro, somada aos efeitos da falta de chuvas. Desamparados, muitos moradores da regi�o, como a fam�lia do casal Fabiano e Sinh� Vit�ria, do livro “Vidas Secas”, obra emblem�tica do escritor Graciliano Ramos, se viram obrigados a fugir em busca de sustento na cidade grande ou nas lavouras de cana ou caf� no interior de S�o Paulo e em outras paragens de Minas. Mas, entre os pequenos produtores houve os que resistiram. Hoje, colhem os resultados da perseveran�a, sob a forma da produ��o de queijo artesanal que se torna n�o apenas reconhecida, mas premiada.
Eles foram � luta e deram a volta por cima, demonstrando que, com esfor�o, dedica��o e acesso ao microcr�dito, a seca pode ser superada. A receita para isso foi a produ��o de queijo no sistema familiar, atividade que se expandiu em Porteirinha, na chamada regi�o da Serra Geral de Minas. L�, existem hoje cerca de 800 pequenos produtores artesanais do latic�nio que, al�m de garantir a gera��o de emprego e renda, se destaca pela qualidade.
Prova disso foi que cinco pequenos produtores de Porteirinha conquistaram seis medalhas, das quais tr�s de ouro, no Concurso Internacional de Queijos Artesanais da ExpoQueijo Brasil, principal premia��o do setor na Am�rica Latina, realizada em Arax�, no Alto Parana�ba, no fim de agosto. A disputa contou com aproximadamente 400 produtores e 1.300 queijos, de quatro continentes.
O presidente da Associa��o dos Pequenos Produtores de Queijo Artesanal da Serra Geral (Aproqueijo), Everson Pereira, afirma que foi no cen�rio de desamparo, diante da derrocada da produ��o algodoeira, que o queijo surgiu e se expandiu como alternativa no Norte mineiro, aliviando o flagelo da seca. “Com a cultura do algod�o destru�da pela praga do bicudo, a gente precisou buscar alguma sa�da para a gera��o de emprego e renda”, afirma Everson, explicando que a aposta no latic�nio ajudou a interromper o �xodo rural.
Ele conta que a cria��o de gado leiteiro e a produ��o queijeira ganharam impulso na regi�o h� 20 anos. Inicialmente, pequenos produtores da regi�o come�aram a vender o leite produzido para latic�nios, que, no entanto, pagam um pre�o baixo pelo produto. Por isso, migraram para a produ��o de queijo artesanal.
Receita de supera��o
Mas os produtores de queijo artesanal de Porteirinha tiveram de inovar, com t�cnicas para viabilizar a atividade em uma �rea historicamente castigada pelo clima. “Tivemos que lidar com a seca e nos adaptar a ela”, afirma o pequeno produtor e presidente da Aproqueijo. Uma das pr�ticas adotadas na antiga “terra do algod�o” � a forma��o de silagem para garantir a sobreviv�ncia do rebanho.
No curto per�odo chuvoso na regi�o (entre novembro e mar�o), os agricultores mant�m a cria��o leiteira no pasto, ao mesmo tempo em que plantam lavouras de sorgo e milho. Toda a produ��o � destinada � forma��o de silagem, para a manuten��o das vacas em lacta��o ao longo da estiagem (de abril a outubro). A quantidade usada na alimenta��o � controlada, em torno de 25 quilos por animal/dia, sendo que os produtores mant�m pequenos rebanhos, de, no m�ximo, 40 cabe�as.
O presidente da Aproqueijo destaca que os produtores do Norte de Minas t�m aten��o com outro aspecto de suma import�ncia no semi�rido: a escassez de �gua. “Alguns molham planta��es de milho, mas, como a �gua dispon�vel � pouca, usam a microirriga��o”, explica Everson, que tamb�m foi um dos premiados no concurso internacional em Arax�. No sistema familiar, ele produz cerca de 1.200 pe�as de queijo por m�s na localidade de Guar�, a tr�s quil�metros da �rea urbana.
Ele salienta que os “queijeiros do sert�o” tamb�m recorrem a outras estrat�gias para reduzir gastos e melhorar a rentabilidade do neg�cio. Uma delas s�o as compras de insumos – ra��o, sobretudo – em sistema de cooperativa, que diminui custos, por envolver maiores quantidades no momento da aquisi��o.
Mas o empreendedor salienta que a supera��o da adversidade clim�tica exige, acima de tudo, esfor�o, coragem e f�. “Para vencer a seca, o produtor precisa ir � luta e executar as coisas, acreditando que � preciso romper as dificuldades. Al�m disso, tem que gostar daquilo que faz”, enfatiza. “Hoje, o pequeno agricultor da regi�o est� adaptado � seca”, completa.
Investimento de produtores na qualifica��o e certifica��o do latic�nio vem resultando n�o s� em reconhecimento, como em emprego e renda (foto: Rubinei Santos/divulga��o)
Para fugir do atravessador
Everson salienta que, hoje, a cadeia produtiva do queijo artesanal movimenta a economia de Porteirinha, com 90% da produ��o sendo vendida nas capitais do pa�s. “O queijo sai e o dinheiro da venda volta para a nossa regi�o, gerando emprego e renda”, assegura.
O presidente da associa��o diz que os pequenos produtores de queijo artesanal ainda sofrem com a a��o dos atravessadores, principalmente em S�o Paulo, um dos maiores mercados consumidores. “Na hora de vender, os produtores acabam ficando nas m�os do atravessador. Infelizmente, isso � uma triste realidade em nossa regi�o.”
Ederson afirma que a Aproqueijo busca incentivar os pequenos produtores a se certificar e melhorar a qualidade do latic�nio, a fim de escapar das garras dos atravessadores. “A gente precisa disso para chegar �s prateleiras (dos pontos de venda) que o Brasil oferece para qualquer produtor”, observa.
Vida dedicada ao queijo
Uma das produtoras de queijo artesanal de Porteirinha � Maria da Sa�de de Oliveira, ou simplesmente dona Sa�de, que, al�m de vencer a seca, � um exemplo de vigor na terceira idade. Aos 69 anos, ela se dedica � atividade produtiva desde os 22, e batalha pela melhoria da qualidade do tradicional produto mineiro. Como reconhecimento, ostenta nada menos que duas medalhas de ouro conquistadas no concurso em Arax�. “Eu me sinto muito gratificada de produzir o queijo, fa�o com muito amor. Saber que fui reconhecida � motivo de muito orgulho”, diz dona Sa�de.
H� seis anos, ela perdeu o marido, Deraldino Rodrigues, com quem teve e criou tr�s filhos. N�o desanimou. Mant�m o neg�cio com a filha, Deisiane Oliveira, de 47, e o neto Lucas Silva Oliveira, de 17, na pequena propriedade da fam�lia, na localidade de Olhos D'�gua, a 6 quil�metros da �rea urbana de Porteirinha. Dona Sa�de mant�m 40 vacas, recorrendo � silagem durante a estiagem, com produ��o di�ria de 500 litros de leite que resultam em cerca de 1.200 quilos de queijo por m�s ou 50 quilos por dia.
Outra representante da garra dos produtores da regi�o � Rubnei Santos Gomes, a dona Rubi, que trabalha no sistema familiar com o marido, Regino Rodrigues da Silva, e dois filhos – Regino J�nior e Ot�vio. Desde 2020, o casal conseguiu a certifica��o do queijo que produz.
Dona Rubi usa a silagem e suplementos para manter 15 vacas na estiagem. A produ��o di�ria de 200 litros de leite resulta em 22 pe�as de queijo por dia. “O segredo para vencer a seca � ter persist�ncia e acreditar naquilo que a gente faz”, testemunha a pequena produtora.
Produtores de Porteirinha foram premiados no Concurso Internacional de Queijos Artesanais da ExpoQueijo Brasil, principal premia��o do setor na Am�rica Latina (foto: Arquivo pessoal/Divulga��o)
Apoio e cr�dito
Os pequenos produtores de queijo artesanal do Norte de Minas contam com uma importante ferramenta para manter e impulsionar o neg�cio: o acesso ao microcr�dito. A relev�ncia do financiamento � enaltecida pelo presidente da Associa��o dos Pequenos Produtores de Queijo Artesanal da Serra Geral (Aproqueijo), Everson Pereira. “O acesso ao cr�dito � essencial para atividade produtiva no semi�rido.”
Pequenos financiamentos aos produtores da regi�o s�o oferecidos pelo Banco do Nordeste, por meio do Programa de Microcr�dito Agroamigo. O banco p�blico informa que atende a 1.100 agricultores, com empr�stimos que oscilam entre R$ 8 mil e 20 mil e car�ncia para pagamento de um a dois anos. Os recursos s�o liberados para demandas como compra de matrizes, insumos e tanques de resfriamento.
Uma das contempladas com o microcr�dito � Eduarda Barbosa Santos, de 28, produtora de queijo artesanal tamb�m premiada no concurso em Arax�. “O microcr�dito � um valioso instrumento de apoio para o empreendedor que n�o tem capital pr�prio e precisa investir na melhoria do seu neg�cio”, afirma ela, que trabalha em parceria com o pai, Jo�o Cust�dio dos Santos, de 65 anos, em propriedade com 14 vacas em lacta��o.
Os “queijeiros tamb�m aprimoram a atividade em cursos de capacita��o, palestras, treinamentos e “dias de campo”, promovidos com o apoio de entidades parceiras como a Empresa de Assist�ncia T�cnica e Extens�o Rural (Emater), o Sebrae Minas e o Servi�o Nacional de Aprendizagem Rural (Senar).
A analista do Sebrae Minas Cleris Cristina Bibbo, que atua na regi�o, orienta os agricultores a ficarem atento aos impactos das adversidades do clima no custo de produ��o, sobretudo, quanto � alimenta��o do rebanho, para evitar preju�zos. “Conhecer bem os custos e utilizar ferramentas de gest�o financeira, ainda que simples, permitem ao produtor uma apura��o melhor dos seus resultados”, observa. “Na parte comercial, ter uma carteira de clientes consolidadas permite a redu��o dos impactos negativos nas vendas”, sugere a especialista.
800
pequenos produtores artesanais se dedicam � produ��o queijeira na cidade do norte de Minas
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