O polon�s Zygmunt Bauman, soci�logo, fil�sofo e um dos maiores pensadores do s�culo 20, morreu aos 91 anos, em janeiro de 2017, e deixou um legado de pensamentos fundamentais para a humanidade. Ao discorrer sobre o fato de termos acesso a tudo e n�o saber o que fazer, o professor ensinou: “Como expressou o grande bi�logo E. O. Wilson, de forma sucinta e correta, ‘estamos nos afogando em informa��o e famintos por sabedoria’. N�o temos tempo de transformar e reciclar fragmentos de informa��es variadas numa vis�o, em algo que podemos chamar de sabedoria. A sabedoria nos mostra como prosseguir. Como o grande fil�sofo Ludwig Wittgenstein dizia: ‘Compreender � saber como seguir adiante’. E � isso que estamos perdendo, n�o sabemos como prosseguir”.
E Bauman ainda disse mais: “A tecnologia da informa��o � uma biblioteca de pedacinhos de fragmentos sem algo que os re�na e os transforme em sabedoria e conhecimento. Isso destr�i certas capacidades psicol�gicas, como aten��o, concentra��o, consist�ncia e o chamado pensamento linear, quando voc� estuda um assunto de forma consistente e o esgota, vai at� o fim”. O que ocorre, segundo ele, � que h� mudan�as na psique humana.
Uma realidade pra l� de catastr�fica para o futuro do homem. As pessoas passam a acreditar que � perder tempo desacelerar, parar para pensar. A psicanalista Inez Lemos afirma que o que ocorre � a fal�ncia da reflex�o, do ato de pensar e elaborar respostas e perguntas, o fim do exerc�cio da dial�tica no processo de produ��o de conhecimento. “As m�dias sociais assassinam o pensamento, castram a reflex�o. Vivemos o fim da intelig�ncia intelectual, do culto � boa leitura. Sociedade consumista de fake news, sem uma forma��o consistente no campo intelectual. Sem fundamentos te�ricos s�lidos, caminhamos para um fundamentalismo religioso, preconceituoso e criminoso. Matamos o que o homem tem de melhor, sua capacidade de pensar, elaborar, refletir, que � o que nos diferencia dos animais.”
Na an�lise de Inez Lemos, a sociedade do espet�culo, apregoada por Guy D’ebord no in�cio de 1960 (escritor franc�s que teve seus textos como a base das manifesta��es do Maio de 1968), nos alertava para os perigos da presen�a exacerbada da tecnocultura em nosso cotidiano. “Quando as narrativas s�o transformadas em pequenos resumos, em manuais t�cnicos, os conte�dos sofrem reducionismo, impedindo ao leitor um mergulho no campo da reflex�o.”
FAKE NEWS
Na tecnocultura, destaca Inez Lemos, a comunica��o ocorre on-line. O espa�o cibern�tico � um lugar livre, sem censura. � onde os amadores tornam-se profissionais. “A mania de se informar via internet, sem pesquisar as fontes, tem causado grandes transtornos, verdadeiros desastres. O campo virtual tornou-se, por excel�ncia, o palco da troca de mensagens. Estamos assistindo a um verdadeiro ringue de mentiras, festival de desrespeito, em que todos se julgam donos da informa��o, compartilhando falsos conte�dos de forma perversa. Sem escr�pulos, gostamos de provocar a indigna��o vazia, sem sentido. O �dio passou a ser o componente principal da troca de fake news.” A psicanalista ainda completa que “isso ocorre porque as m�dias insistiram em manipular conte�dos, criar mentiras com o objetivo de promover um clima favor�vel para transformar inverdades em verdades. Vivemos a era da p�s-verdade, quando um pressuposto � jogado sem ser pesquisado ou questionado”.
Vladimir Safatle, doutor em filosofia pela Universit� de Paris VIII, Fran�a, e professor do Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ci�ncias Humanas da Universidade de S�o Paulo (USP), ao participar do programa Caf� filos�fico, da TV Cultura, para falar sobre escola sem partido, banaliza��o da informa��o e aus�ncia de estudo na sociedade diante do excesso da raz�o instrumental, alertou que “chegou-se a um grau de inanidade e absoluta mediocridade, em que as pessoas acham que podem criticar algo sem nunca, de fato, ter lido. Para n�o falar da trivialidade (das cr�ticas) e do padr�o de discuss�o caricatural que � constru�do neste pa�s”.
Tudo isso, destaca Inez Lemos, revela a fragilidade do momento hist�rico, “em que a ci�ncia perde credibilidade, o conhecimento � confundido com informa��o, e o pensamento, a capacidade de refletir e questionar est�o em desuso. Importa � a apar�ncia de verdade, � lan�ar a quest�o, arriscar a not�cia falsa com efeito de verdade. Saber versus poder. Se eu disseminar a fofoca e ela for compartilhada ela se transforma em not�cia e cumpre o objetivo.”
Inez Lemos acredita que a tecnoci�ncia, ao ser utilizada de forma irrespons�vel, representa um imenso perigo � humanidade. “O Brasil vive um momento delicado. Sa�mos de uma elei��o marcada por fake news, um festival de horrores, informa��es manipuladas, distorcidas, editadas ao bel-prazer. P�s-moderno, p�s-verdade, p�s-humano. Somos orientados por aqui e as submetemos aos descalabros. Submiss�o volunt�ria em pleno s�culo 21? Cultura da pregui�a? Cultura do simulacro? Intoxicamos com inverdades, cultivamos nosso narcisismo de exposi��o da pior forma poss�vel, no espa�o virtual. Longe do real, garantimos nosso gozo perverso. Somos seres dessubstancializados, afogados na aliena��o e na aus�ncia de sublima��o. Sem consist�ncia e carentes, perambulamos, com nossa ignor�ncia, o ciberespa�o.”
SINAIS DO V�CIO
Necessidades incontrol�veis, mudan�as de temperamento e conflito com outras atividades sugerem que a informa��o pode provocar depend�ncia:
» A primeira atitude ao acordar � checar e-mail, Facebook, Twitter, sites, blogs, Instagram... e repete-se o mesmo ritual antes de dormir
» Ao chegar no escrit�rio, antes de mais nada, senta diante do computador para verificar se h� e-mail, sem interagir com as outras pessoas
» Vive com o smartphone conectado a fones de ouvido e a toda a parafern�lia eletr�nica plugada ao computador port�til
» Navega pela internet quando est� na cama
» Prefere ficar no computador do que sair para a rua sem o celular
» Mesmo na rua, na mesa do bar, no churrasco, voc� insiste em ficar twittando, curtindo, compartilhando ou tirando fotos para postar
» S� a ideia de ficar sem internet lhe causa calafrio
» Relacionamentos impactados negativamente pelo excesso de busca de informa��o
» Sensa��o de estar perdido quando n�o sabe o que est� ocorrendo no mundo
» Esfor�o exagerado para ser o primeiro a ficar sabendo dos fatos
» Sentir que precisa aumentar o tempo de uso para obter mais prazer conectado
» Ficar irritado e ansioso quando n�o puder entrar na internet
» Perder a no��o do tempo em que fica conectado
» N�o viajar para lugares em que n�o tem conex�o com internet
» Mentir para as pessoas sobre o tempo em que fica conectado
depoimento
J�lia Ramalho
coach de carreiras e executivos, psic�loga e diretora da consultoria Esta��o do Saber
‘Que tipo de informa��o precisamos para viver?’
“Essa quest�o � muito trabalhada nas sess�es de coaching. Posso at� dar umas dicas b�sicas, mas o problema � complexo. Posso provocar? O tempo � um recurso limitado: temos 24 horas por dia. O que � importante caber nessas horas? Ser� que voc� n�o gasta seu tempo se distraindo com o que � importante para o outro? Acompanhar todas as publica��es em sites, no WhatsApp, no Facebook e no YouTube n�o significa ser antenado. A p�s-modernidade nos trouxe a cultura do excesso (Lipovetsky) e a cultura digital nos traz a possibilidade de viv�-lo a todo instante. O celular como extens�o do corpo nos convida a ver, ouvir e ler o tempo todo. Mas precisamos disso? Que tipo de informa��o precisamos para viver bem? Perceber que somos limitados, que nosso tempo � finito – pelo menos enquanto o transumanismo n�o � fato! – nos for�a a fazer escolhas e a nos responsabilizar por estas, em vez de deixar as coisas irem rolando e ser efeito das escolhas dos outros. Diante do “voc� n�o viu?”, � preciso ter a tranquilidade de dizer:
“N�o! Estava jantando com amigos!”, por exemplo. Esse � o caminho poss�vel para lidar com o excesso de informa��o: saber o que se deseja e suportar a falta de saber tudo. As minhas dicas s�o:
– Anote as coisas mais importante de sua vida. Certifique-se de que voc� dedica tempo a elas.
– Use agendas eletr�nicas e alarmes. Isso serve para lembr�-lo de interromper distra��es e reconect�-lo com o que � importante para voc�.
– Remova do seu celular aplicativos que n�o lhe s�o necess�rios. Desinstale alertas de notifica��es do que n�o � urgente.
– Fa�a detox das redes sociais. De tempos em tempos desative suas contas. Ficar fora das redes pode ajud�-lo a reavaliar por que voc� est� l� e se elas fazem falta, e saber que falta � essa.
– Reconecte-se com seus “por qu�s”. Por que quero saber disso? O que ganho sabendo disso.?
– Aceite que seu tempo � limitado. Aprenda a valoriz�-lo dedicando tempo para o que realmente � importante para voc�.
– Entenda que voc� nunca ser� capaz de saber de tudo. Dessa forma, � preciso escolher o foco do que se quer saber.”
