Livrai-nos, Senhor, da morte di�ria dos nossos sonhos; enterrai, de vez, a falta de entusiasmo, o mart�rio de viver cada dia como se fosse um calv�rio. Livrai-nos, Senhor, de todos os males e das pedras no caminho que nos fazem trope�ar na mediocridade e na mesmice das coisas. Enterrai para sempre, Senhor, a falta de compaix�o. Livrai-nos das chagas da intoler�ncia, da injusti�a e da prepot�ncia que se abrem diante dos nossos olhos, sem que encontremos o b�lsamo para cicatriz�-las.
Livrai-nos, Senhor, dos entulhos do cora��o para deix�-lo mais leve e livre para amar indistintamente. Tirai as cinzas n�o s� das quartas-feiras, mas de todos os dias de chumbo e de trevas que, porventura, surgirem em nosso caminho.
Aliviai, Senhor, o peso da cruz sobre os nossos ombros, para que em cada esta��o surja um Cirineu para nos ajudar a seguir em frente. Que as Marias Madalenas parem de expiar a culpa da humanidade. Dai a Madalena, Senhor, um lugar de destaque e de reden��o. Curai as feridas de todas as Madalenas. Expurgai, Senhor, o preconceito, o �dio, o cansa�o e a solid�o. N�o deixe que continuem apedrejando, a�oitando o feminino que h� em cada uma de n�s. Acabe, Senhor, com essa ca�ada �s mulheres.
A partir de hoje, Senhor, estendei os tapetes de gl�ria, com as cores da ressurrei��o, desde a leveza dos tons claros at� a densidade dos p�rpuras e vermelhos. Estendei, Senhor, a serragem colorida pelas avenidas da nossa alma. Deixai-nos com essa sensa��o de ressurgir do nada, de reerguer sobre os escombros da inseguran�a.
Dai-nos, Senhor, o milagre do p�o e do vinho, para que o prazer esteja sempre � nossa mesa, com a mesma fartura e o sentido de um ritual. Ressuscitai, Senhor, a esperan�a nossa de cada dia, a alegria de acordar e de dormir sem sobressaltos. Que os pesadelos n�o nos despertem do sono, que a consci�ncia amanhe�a conosco e siga em frente sem terrores noturnos.
Dai-nos, Senhor, a possibilidade de recome�ar, de dar a volta por cima, de renascer em meio ao caos. Livrai-nos do sepulcro, arrancai os espinhos da dor. Tirai, Senhor, a morda�a que querem impor �s cabe�as pensantes. N�o expulsai os art�fes do belo. Tenha miseric�rdia desse pa�s � beira da convuls�o social. Sepultai os discursos de �dio. Bendizei, Senhor, as flores que acabam de nascer nos lugares mais secretos do nosso ser.
Regai, Senhor, por um jardim das oportunidades para os jovens que vivem hoje como zumbis, sem projetos de vida. Acendei, Senhor, a tocha nos cora��es perdidos na noite, enferrujados de medo, aprisionados de d�vidas. Curai as nossas feridas antigas e as atuais que ainda n�o cicatrizaram – e as que ainda v�o se abrir dentro do nosso peito.
Perfumai, Senhor, as nossas casas com o cheiro da comida das av�s. Acendei um fog�o a lenha em nossas lembran�as mais profundas, onde s� cabem os almo�os de domingo, a fam�lia reunida e o afeto servido em forma de aconchego, risadas e conversas, para lambuzar bocas e m�os, para seduzir as crian�as e embriagar os mais velhos.
Estancai, Senhor, essa hemorragia de mentiras e de insanidade, esse jeito velho de ser, de pensar e de fazer, protegido pelo discurso do novo. Acabai com a tortura de um mundo sem esperan�a, com os fantasmas do apocalipse. Dai-nos a paz, Senhor. Iluminai o caminho dos desamparados, dos deprimidos, dos que est�o sofrendo de amor, dos aflitos, dos desiludidos, dos que n�o creem em mais nada. Acendei, Senhor, a luz de melhores dias. Colocai holofotes sobre as trevas que insistem em esconder o lixo debaixo do tapete.
Preciso pedir, Senhor: com os jardins de ervas daninhas e a dor dos jovens que crescem num terreno nada f�rtil; com os acordes de Vivaldi e o meu passado perdido; com o ensurdecedor sil�ncio da madrugada e a minha morada sempre provis�ria; com todos os sonhos que est�o se desmanchando na lama cuspida pelas mineradoras, com o decreto de dias menos cru�is, com os trov�es que lembram o som de tambores, com as velas acesas da compaix�o e a esperan�a que insiste em nascer nos meus bra�os. Piedade!
Deixai, Senhor, que eu seja feliz escrevendo, ouvindo m�sica, vendo Seu rosto na natureza � minha volta, na flor de l�tus que nasce no meio da lama, no canto dos p�ssaros que livrei das gaiolas, dos grilos que sobem e descem na parede, sob o olhar atento de Mel, a cachorra que adotei e que hoje � minha companheira de todas as horas, eu rogo piedade, Senhor, piedade!
l D�a Januzzi assina esta coluna quinzenalmente