
O ator, diretor e produtor Maur�cio Cangu�u costumava dizer ao seu c�rculo de amigos que, quando completasse 50 anos, iria se aposentar. O desejo era dedicar-se somente � atua��o e abandonar as outras atividades para poder aproveitar mais a vida. “J� trabalhei tanto. Fui office boy. Sempre fiz teatro na cara e na coragem, ao ponto de, no come�o, carregar lata de cola para sair pregando cartazes pela cidade. Ent�o sempre tive esse intuito de diminuir o ritmo em algum momento”, afirma.
Mas, faltando poucos dias para completar meio s�culo de idade (em 2 de setembro passado), ele foi pego de surpresa com um convite inesperado: assumir um posto na administra��o p�blica, algo in�dito em sua trajet�ria profissional. O cargo � de coordenador da Funda��o Nacional de Artes (Funarte) em Minas Gerais.
“Completei 50 anos agora e tudo o que eu tinha planejado veio por �gua abaixo (risos). Arrumei mais trabalho, porque � um projeto no qual a gente tem que entrar de cabe�a. � um desafio e n�o deixa tamb�m de ser uma maneira de celebrar tudo o que constru�. Agora s�o praticamente 24 horas ralando, mas � o que temos e estou muito feliz.”
Apesar de a nomea��o ter sido publicada no Di�rio Oficial da Uni�o (DOU) somente na semana passada e de a posse estar programada para esta sexta-feira (4), desde o come�o de agosto Maur�cio Cangu�u desempenha a nova fun��o. “Se eu n�o come�asse j�, seria complicado apresentar os projetos e colocar as minhas ideias em pr�tica. Por conta de quest�es burocr�ticas, de ter um limite para o ano fiscal, preferi come�ar, mesmo sem ser oficial, para ir entendendo todo o processo e propor o que eu gostaria de fazer para o ano que vem”, conta.
''N�o � desdenhar, mas n�o aceitei esse cargo por quest�es financeiras. Esse n�o � o meu foco. Muito pelo contr�rio. Claro que preciso e quero o sal�rio, at� porque estou abrindo m�o de outras coisas, empenhando meu tempo e minha dedica��o, mas considero isso uma miss�o''
Maur�cio Cangu�u, ator e novo coordenador da Funarte em Minas
Ele diz que durante esses dois meses n�o recebeu sal�rio, mas assegura que esse � o menor dos problemas. “N�o � desdenhar, mas n�o aceitei esse cargo por quest�es financeiras. Esse n�o � o meu foco. Muito pelo contr�rio. Claro que preciso e quero o sal�rio, at� porque estou abrindo m�o de outras coisas, empenhando meu tempo e minha dedica��o, mas considero isso uma miss�o. Quero colocar a Funarte de Minas num outro patamar e contribuir para que a institui��o se torne cada vez melhor e mais eficiente.”
O convite para o cargo partiu do mineiro Le�nidas de Oliveira, ex-presidente da Funda��o Municipal de Cultura (FMC) na gest�o Marcio Lacerda e do in�cio da gest�o Alexandre Kalil e atual diretor-executivo nacional da Funarte. Cangu�u elogia o desempenho de Oliveira � frente da FMC. “V�rios projetos bacanas surgiram quando ele estava na Funda��o, como a Virada Cultural. Ele sempre teve um olhar sobre os mais variados tipos de linguagens, um olhar sobre a periferia. Le�nidas valoriza e contempla manifesta��es art�sticas e culturais diversas, sem privilegiar apenas uma. Sempre gostei muito da maneira dele de atuar, e ele chegou a comentar que, algum dia, gostaria de trabalhar comigo ou com o �lvio (�lvio Amaral, ator, produtor, diretor e s�cio h� 30 anos de Maur�cio na Cangaral Produ��es Art�sticas) por toda a nossa trajet�ria”, conta.
D�VIDA
Cangu�u vai se dividir entre a Funarte e o palco, incluindo, o trabalho de maior sucesso da Cangaral, o fen�meno Acredite, um esp�rito baixou em mim, atualmente em cartaz na capital paulista. Ele diz, no entanto, que segue sendo s�cio, mas n�o participa mais da administra��o da empresa. “Sigo exercendo meu of�cio de ator e me desdobrando entre BH, S�o Paulo e Rio, e n�o s� por conta das turn�s dos espet�culos, mas das reuni�es que o cargo exige. Lidar com essas quest�es formais, burocr�ticas � uma coisa nova para mim, mas estou bem empolgado.”
''A opini�o do (Roberto) Alvim � do Alvim. A opini�o do Miguel (Proen�a) � do Miguel. E a minha � a minha. Fazemos parte de uma mesma institui��o, mas somos independentes. Tem gente que compactua com o que eles dizem; outros, n�o. J� temos tantos problemas para lidar aqui''
Maur�cio Cangu�u, ator e novo coordenador da Funarte em Minas
Recentemente, a Funarte esteve em evid�ncia por uma pol�mica. O diretor do Centro de Artes C�nicas da institui��o, o diretor teatral Roberto Alvim, ofendeu Fernanda Montenegro, considerada a maior atriz do pa�s, em postagens no Facebook e chegou a cham�-la de “s�rdida” e “mentirosa”. A atitude gerou indigna��o na classe art�stica, que se manifestou contra as declara��es e classificou Alvim como inapto para o cargo.
O presidente da Funarte, o pianista Miguel Proen�a, se disse chocado com as ofensas. “J� pedi um aux�lio ao ministro da Cidadania (Osmar Terra), pedi uma audi�ncia com ele para tomar uma provid�ncia. Admiro muito a Fernanda; al�m de ser a grande dama do teatro, ela � uma grande amiga. Fiquei com esse peso nas costas, o Brasil inteiro est� de olho na Funarte hoje por causa disso. E aqui produzimos arte e beleza, n�o agress�o”, declarou.
Embora seja essencialmente um homem de teatro, Maur�cio Cangu�u preferiu se esquivar da pol�mica. “A opini�o do Alvim � do Alvim. A opini�o do Miguel � do Miguel. E a minha � a minha. Fazemos parte de uma mesma institui��o, mas somos independentes. Tem gente que compactua com o que eles dizem; outros, n�o. J� temos tantos problemas para lidar aqui. A falta de p�blico, que � cada vez mais grave, o pouco entendimento de muita gente com rela��o �s leis de incentivo, a burocracia. Quero fazer o meu trabalho, cuidar do meu quintal e n�o ficar alimentando mais pol�micas”, diz.
Com rela��o ao fato de fazer parte de um governo que n�o � muito afinado com a classe art�stica e tem tido uma s�rie de atritos com o setor em virtude dos cortes de investimento e da reformula��o das pol�ticas p�blicas para a cultura, incluindo a inten��o de usar “filtros” para a concess�o de incentivos fiscais � produ��o, Cangu�u diz n�o ter sentido, at� o momento, nenhuma rea��o negativa.
“Fui bem recebido e tenho tido apoio dentro e fora da Funarte, inclusive por parte de pessoas que n�o s�o do meu c�rculo de conviv�ncia. Sou o primeiro ator que est� � frente da regional em Minas. A maioria dos coordenadores eram funcion�rios de carreira, e muita gente tem exaltado essa coisa, justamente por eu oferecer um novo olhar. Sempre trabalhei muito, a vida toda, e nunca entrei em pol�tica. Nunca tive tempo de ficar militando. Tenho uma posi��o pessoal e n�o fico expondo. Acho que at� por isso eu esteja l�.”
Cangu�u j� tem desenvolvido algumas a��es, como o programa Funarte Aberta, que come�a na pr�xima semana e vai oferecer, at� dezembro, oficinas gratuitas de circo, dan�a de sal�o, street dance, canto e interpreta��o para a TV. “N�s ficamos impressionados com a quantidade de pessoas que se inscreveram. Gente de todas as idades e que nunca frequentou a Funarte. Acho importante come�ar a movimentar, fazer alguma coisa desde j�”, diz.
LONA
Outra ideia que come�a a tomar forma e que ele considera a menina dos olhos de seu come�o de gest�o � a montagem de uma lona permanente, que deve comportar um p�blico de at� 600 espectadores. “Como os espa�os aqui s�o pequenos, faltava esse de m�dio porte para receber qualquer tipo de espet�culo. Queremos receber grupos que nunca se apresentaram aqui, inclusive do interior, linguagens que nunca estiveram presentes. J� tem a verba para a lona, e acredito que, se tudo der certo, vamos inaugur�-la em janeiro.” Outra ideia � a abertura de um caf� liter�rio no espa�o da Funarte em Minas.O novo coordenador tamb�m quer dar uma cara nova � rua Janu�ria, onde fica a Funarte, e transform�-la em um endere�o de refer�ncia art�stica. “Muita gente fala que � um lugar meio perigoso, ermo, mal iluminado. Queremos ocup�-la, levar artistas urbanos para fazer interven��es, desenvolver v�rias atividades, sobretudo nos fins de semana. Minha ideia � n�o s� investir l� dentro, mas no entorno da Funarte. Que a Janu�ria vire uma rua das artes.”
Maur�cio sabe que sua tarefa n�o � f�cil, mas afirma que quer deixar a sua marca. “Estou aberto a todos que queiram se juntar e transformar a cultura em Minas. Quero ser lembrado como algu�m que deu abertura a todas as manifesta��es art�sticas. N�o sei se vou ficar um m�s, um ano, quatro anos. Mas, no dia em que eu deixar a Funarte, quero que saibam que passei por ali e que consegui deixar algo de relevante na institui��o. Estou me esfor�ando e vou me esfor�ar muito para que isso aconte�a.”