
Luta de classes, longa do franc�s Michel Leclerc que estreia nesta quinta-feira (24), no Cine Belas Artes (16h20, 21h), em Belo Horizonte, se disfar�a de com�dia para abordar diversos assuntos seri�ssimos.
Com a hist�ria de um casal em d�vida sobre qual seria a escola mais adequada para o filho, o filme trata, numa perspectiva microsc�pica, do embate entre �tica individual e valores coletivos. Em suma, Leclerc condensa no pequeno drama de uma �nica fam�lia a imensa dificuldade de se encontrar um denominador comum para a conviv�ncia (com padr�es de civilidade e coopera��o, entenda-se) entre indiv�duos cujos credos, convic��es pol�ticas, status social e renda s�o divergentes.
O tom c�mico se deve sobretudo ao car�ter algo buf�o do personagem do pai do garoto Corentin (Tom L�vy). O m�sico Paul (Edouard Baer), que na juventude integrou a hoje extinta banda de punk rock Amadeus 77, se orgulha de seu car�ter rebelde e de sua atitude antissistema.
Ele faz apresenta��es gratuitas em apoio aos refugiados (100% desinteressados por sua m�sica), se recusa a ter um emprego formal, assim como a aderir � institui��o do casamento, embora viva sob o mesmo teto com Sofia (Leila Bekhti), a m�e de seu filho. Quando decidem vender o pequeno apartamento onde moram para comprar uma casa mais espa�osa no bairro em que Sofia cresceu, Paul n�o quer ter lucro com o neg�cio, para n�o se sentir um “especulador imobili�rio”.
� depois da transfer�ncia do quarteto – Paul, Sofia, Corentin e Manon (Mona Berard), outra filha de Paul – para o bairro de Sofia, francesa de origem �rabe, que a turbul�ncia vir�. Os pais matriculam o garoto na mesma escola p�blica em que Sofia estudara e onde teve uma forma��o suficiente para conseguir ingressar na universidade e se tornar advogada especialista em direito de fam�lia.
No entanto, a escola que Corentin encontra tem outra face, remodelada de acordo com as transforma��es da sociedade francesa. Quase todos os alunos pertencem a fam�lias de origem estrangeira; em sua maioria, mu�ulmanos cujas m�es os esperam na porta da escola usando v�u.

Luta de classes tem a habilidade de preparar bem a batalha. O espectador j� est� �ntimo do que Paul e Sofia consideram ser seus valores mais arraigados, quando assiste ao casal se desequilibrar diante do embate do filho com um contexto que eles julgam hostil e do qual se sentem incapazes de proteg�-lo. � da luta de Paul e Sofia com a realidade que emergem os grandes dilemas e as melhores cenas do filme, que nada t�m de engra�adas.
Num jantar de aproxima��o que oferecem aos pais mu�ulmanos de um colega de Corentin, a conversa sai dos trilhos e termina com a retirada dos convidados, sentindo-se humilhados e ofendidos. A discuss�o ent�o passa a ser entre Paul e Sofia.
Ele diz que ela foi condescendente com uma mulher que criticou impiedosamente sua carreira e seu modo de criar o filho e sugere que Sofia n�o teria reagido com a mesma brandura se os coment�rios tivessem partido de uma branca n�o mu�ulmana.
Sofia devolve as acusa��es a Paul dizendo que Paul se comportou como “o dominador falando com o dominado”. Est� claro que uma turbul�ncia que come�ou com a preocupa��o em comum com o filho trar� para o primeiro plano as fissuras at� ent�o n�o reconhecidas na rela��o do casal.
Na hora em que tentam burlar as regras do sistema educacional para matricular Corentin em outra escola p�blica e t�m seu estratagema descoberto pela diretora da institui��o, ouvem dela que a esquerda � capaz de ser mais hip�crita do que a direita na sua desfa�atez de achar que as regras valem apenas para os outros.
No que talvez seja a mais otimista afirma��o do filme, o final mostrar� que a decis�o mais sensata n�o partiu nem de Paul nem de Sofia, mas sim de Corentin. Luta de classes � uma �tima pedida para os que j� h� algum tempo cobram uma autocr�tica da esquerda. Da esquerda francesa, � verdade. C'est la vie.