
Assim como em Chega de saudade: a hist�ria e as hist�rias da Bossa Nova (1992), outro t�tulo de sua respeit�vel bibliografia, o recorte � mais amplo e personagens importantes aparecem �s dezenas. “Nesse caso agora � diferente. Reconstru� uma cidade, uma cidade que n�o existe mais. Bairro a bairro, rua a rua, lugar por lugar, foi povoada e protagonizada por 40 ou 50 personagens principais. Sendo que, quando voc� come�a um trabalho, voc� n�o sabe como ainda vai ser, do que voc� vai tratar”, explica Ruy Castro.
Para concluir essa “reconstru��o” do Rio de Janeiro da d�cada de 1920, ainda capital federal, foram quatro anos de intensa pesquisa. “Pela dimens�o do universo retratado, n�o sei se terei g�s para outro trabalho como esse. Tempo eu sei que eu vou ter, mas n�o vou ter g�s”, confessou ele ao participar do projeto Sempre um Papo, em BH, ma semana passada.

Tamanho esfor�o produtivo se justifica pela pujan�a hist�rica do tema, anunciada na pr�pria contracapa: “O que aconteceu no Rio entre o carnaval de 1919 e a Revolu��o de 30? Tudo”. O cen�rio de m�ltiplas e marcantes transforma��es sociais e culturais rendeu ainda mais descobertas e possibilidades nas m�os de um pesquisador obsessivo pela informa��o, como � Ruy Castro, descrito assim por sua pr�pria mulher, Helo�sa Seixas, que tamb�m veio a BH divulgar o livro de contos A noite dos olhos (Companhia das Letras).

Partindo do Rio de Janeiro assolado pela Gripe Espanhola em 1918, logo ap�s o fim da Primeira Guerra Mundial, mas que mesmo assim teria um efervescente carnaval no ano seguinte, ele conta sobre a vida na capital da jovem rep�blica brasileira, que em 1920 tinha 1,147 milh�o de habitantes. Sede de v�rias embaixadas e, consequentemente, de seus corpos diplom�ticos, a sociedade local entrava em contato com ideias progressistas vindas da Europa. Isso estabeleceu o caminho para intensas mudan�as daquela metr�pole � beira-mar.
Da moderniza��o das estruturas urbanas �s novidades no poder ali centralizado, a narrativa aborda fortemente temas e acontecimentos ligados � literatura, m�sica, arquitetura, arte e movimentos pol�ticos e sociais, incluindo a luta das mulheres por direitos e a prolifera��o de ideias anarquistas. Sobretudo, Ruy Castro destaca o cen�rio vanguardista que predominava na cidade, muitas vezes negligenciado em fun��o da exalta��o � Semana de Arte Moderna paulista. Para ele, a capital fluminense sempre esteve � frente nesse sentido. “N�o quero estabelecer um campeonato de modernismo entre Rio e S�o Paulo, at� porque seria covardia. O que fiz foi apresentar a realidade que estava sepultada, ou que n�o se imaginava, de que no Rio tinha essa quantidade de gente fazendo coisas inaugurais”, ressalta.
No texto, “essa gente” tem nome e sobrenome. A extensa lista de personagens principais do livro de Castro, em sua reconstru��o do Rio dos anos 1920, inclui Agrippino Grieco, Alvaro Moreyra, Carmen Miranda, Cecilia Meireles, Di Cavalcanti, Eugenia Alvaro Moreyra, Jo�o do Rio, Lima Barreto, Manuel Bandeira, Pixinguinha, Roquette Pinto e Villa-Lobos.
“Fico espantado quando vejo isso, mas acho bom que as pessoas t�o preocupadas com M�rio de Andrade e Oswald de Andrade deixaram essa coisa para mim. Quanto mais mergulhava na hist�ria, mais me encantava com Villa-Lobos, Sinh�, Pixinguinha”, comenta o autor.
Com sua reconhecida dedica��o e capacidade como bi�grafo, ele reconstitui a trajet�ria dos personagens que protagonizaram as moderniza��es descritas no livro. Ele destaca “os ataques que Jo�o do Rio sofria por ser gordo, homossexual e mulato. Era atacado da maneira mais absurda e cruel, por escrito ou na rua, e nunca escreveu uma palavra contra algu�m que o atacou”. Ou, ainda, “o drama de Lima Barreto, que as pessoas tratam de maneira rom�ntica, como bo�mio, mas era um homem doente, um alco�latra em �ltimo est�gio. Vivia imundo pelas ruas e, por ter um temperamento terr�vel, tinha um problema brutal com o mundo e consigo pr�prio. Ele n�o consegue ter aceita��o pessoal, embora seja reconhecido com grande escritor”.
Ruy descreve como a obra consegue ser intimista ao falar de uma cidade inteira. “Voc� entra em detalhes do que um personagem estava fazendo e logo depois h� uma multid�o em volta”, aponta. Esse mineiro de Caratinga � especialista em Rio de Janeiro, onde passou a maior parte da vida. Para ele, a Cidade Maravilhosa ainda guarda pontos em comum com aquela de 100 anos atr�s.
“O tipo de composi��o social continua igual. Mistura do culto com a baixa cultura, da elite cultural que se alimenta da cultura popular e vice-versa, uma coisa de contr�rios e um cosmopolitismo que faz parte do Rio e sempre far�. As pessoas s�o absorvidas e se tornam cariocas, e a cidade se retroalimenta de diferentes culturas que v�o morar l�. Isso n�o mudou”, garante Ruy Castro.

METR�POLE � BEIRA-MAR:
O RIO MODERNO DOS ANOS 20
De Ruy Castro
Companhia das Letras
528 p�ginas
R$ 79,90