
Entre 17 e 19 de abril, Grande sert�o: veredas, montagem de Bia Lessa vista como um divisor de �guas na trajet�ria da diretora, dever� voltar a ser encenada em Minas Gerais. Depois de uma curta e concorrida temporada no Pal�cio das Artes, em junho de 2018, o espet�culo tem apresenta��es previstas ao ar livre, no Instituto de Arte Contempor�nea Inhotim."Obviamente, no cinema h� coisas que v�o ficar mais estranhas do que no teatro. O teatro est� acostumado com a n�o realidade, como homens que se transformam em bichos. No cinema, isto ser� mais surpreendente%u201D"
Bia Lessa,diretora do in�dito Travessia
Por ora, a montagem n�o poder� ter novas temporadas, j� que, em maio, dois de seus principais atores, Caio Blat e Luisa Arraes, partem para nova empreitada. Uma empreitada que, por sinal, � tamb�m em torno de Guimar�es Rosa (1908-1967) e sua obra-prima, lan�ada em 1956.
Guel Arraes deve come�ar a filmar em maio, no Rio de Janeiro, o longa-metragem Grande sert�o, uma vers�o contempor�nea da hist�ria de Riobaldo e Diadorim. Ambientada na favela de uma grande cidade chamada Grande sert�o, ter� como mote a guerra urbana, entre fac��es de um morro. Enquanto Guel estiver rodando, Bia Lessa estar� no in�cio do lan�amento de Travessia, o nome dado ao longa.
Lan�ada em 2017, a montagem de Grande sert�o teve tamanha repercuss�o que a diretora resolveu fazer uma vers�o cinematogr�fica. A pe�a tem quase tr�s horas de dura��o. O longa-metragem Travessia, depois de sucessivos cortes, ficou com 2h05 – foram, de acordo com ela, umas 15 vers�es diferentes, at� chegar � vers�o definitiva. J� conclu�do, o filme est� passando pelos detalhes de acerto de efeitos visuais e som.
“Grande sert�o permite milh�es de leituras. Al�m do filme do Guel e do meu, o Fernando Meirelles j� falou que tem a inten��o de fazer um filme. Cada um l� a hist�ria de um jeito”, afirma Bia Lessa. Em fevereiro, em entrevista ao Estado de Minas a respeito de seu longa Dois papas, Meirelles afirmou que, assim como “Hamlet ou Macbeth, Grande sert�o � uma destas hist�rias universais que n�o se esgotam”. O cineasta acrescentou que, vez por outra, abre o romance de Guimar�es Rosa “ao acaso e leio a frase que est� na frente como se fosse o I Ching, uma carta de tar� ou um livro de salmos”.
Segundo ele, “tanto a pe�a da Bia Lessa – genial, por sinal – quanto o filme do Guel Arraes – ainda n�o rodado – s�o adapta��es t�o criativas e ousadas que deixam muito espa�o para muitas outras vers�es”.
� tamb�m desta maneira que o cineasta e roteirista Jorge Furtado se relaciona com a obra do escritor mineiro. “� uma obra que me acompanha h� 40 anos. Devo ter lido pela primeira vez aos 18, 19. Sei de cor v�rios trechos”, comenta ele, que dividiu com Guel a �rdua tarefa de roteirizar o filme – a dobradinha Furtado/Guel j� rendeu os roteiros de Caramuru: A inven��o do Brasil (2001), Lisbela e o prisioneiro (2003) e Romance (2008), todos dirigidos por Arraes.
“O que justifica fazer o filme � a atualidade da hist�ria. E ela � absurda, pois trata de viol�ncia no Brasil, bem e mal, jovens armados se matando. Estamos sendo extremamente fi�is � hist�ria, principalmente � fala do Guimar�es. Em rar�ssimos momentos tivemos o atrevimento de escrever alguma coisa”, comenta Furtado.
Se a dupla pouco se atreveu a escrever, por outro lado teve que cortar muito do texto original. “Grande sert�o tem milhares de hist�rias, que d�o para fazer montes de filmes. Ficamos (para o filme) com o romance da guerra, de Riobaldo e Diadorim.”
Caio Blat interpreta no filme e no espet�culo de Bia Lessa o jagun�o Riobaldo Tatarana, o narrador de Guimar�es Rosa que sente uma atra��o inexplic�vel pelo colega Reinaldo/Diadorim. O ator ter� o mesmo papel no filme de Guel Arraes. J� Luisa Arraes, que nos projetos de Bia vive diferentes pap�is, inclusive Riobaldo quando jovem, ser� Diadorim na vers�o contempor�nea da hist�ria. “Os dois sabem de cor o livro, andam falando trechos pela rua. Foi meio natural a escolha”, diz Furtado.
Furtado e Guel levaram o �ltimo ano para fazer o roteiro. “Foi dific�limo, um desafio absurdo, mas, ao mesmo tempo, maravilhoso. Para fazer uma boa adapta��o, e j� fiz muitas para a TV, voc� tem que fazer a ponte entre duas linguagens, mantendo o sentido da obra.” Que se d�, no caso do romance, por meio da linguagem criada por Guimar�es Rosa, “uma fala po�tica �nica no mundo”.
O martelo ainda n�o foi batido, mas Furtado acredita ser “bem poss�vel” que o longa ganhe uma vers�o maior, para ser lan�ada como s�rie na Globo. “Cortamos muita coisa para o filme. Se tiver a s�rie, poderemos incluir outras hist�rias”, acrescenta o roteirista.
VERS�ES
O filme Travessia � o quarto encontro de Bia Lessa com a obra roseana. Em 2006, ela concebeu, para a inaugura��o do Museu da L�ngua Portuguesa, em S�o Paulo, a mostra Grande sert�o: Veredas. Naquele mesmo ano, quando se celebrou o cinquenten�rio do livro, sua editora na �poca, a Nova Fronteira, lan�ou uma edi��o especial da obra – com capa dura, forrada em tecido, numerada, que inclu�a o cat�logo da mostra assinada por Bia. Depois veio o espet�culo e, agora, o filme.%u201CO que justifica fazer o filme � a atualidade da hist�ria. E ela � absurda, pois trata de viol�ncia no Brasil, bem e mal, jovens armados se matando. Estamos sendo extremamente fi�is � hist�ria, principalmente � fala do Guimar�es. Em rar�ssimos momentos tivemos o atrevimento de escrever alguma coisa%u201D
Jorge Furtado,roteirista de Grande sert�o, a ser dirigido por Guel Arraes
“Inicialmente, o filme era o espet�culo como um todo. Aos poucos, voc� vai entendendo a natureza de cada linguagem, vendo que o tempo do cinema � mais longo, que preciso de alguns respiros, ent�o ficou n�tido o que precisava sair”.
Para Bia, o conceito do espet�culo est� presente no filme. “Obviamente, no cinema h� coisas que v�o ficar mais estranhas do que no teatro. O teatro est� acostumado com a n�o realidade, como homens que se transformam em bichos. No cinema, isto ser� mais surpreendente.”
O longa foi rodado em um galp�o todo negro. Para as filmagens, a estrutura tubular, como uma gaiola, que forma a cenografia do espet�culo, teve que ser deixada de lado.
A diretora pensa em uma maneira alternativa para lan�ar o longa. Al�m de passar pelo tradicional circuito de festivais, Travessia, de acordo com Bia, dever� ter um lan�amento “at�pico”. “Hoje, os filmes entram e ficam uma semana em cartaz. Em vez de lan��-lo nas cidades simultaneamente, queremos fazer separadamente. Desta maneira, o filme poder�, de fato, chegar a um lugar. Pensamos em palestras, encontros, para que o filme tenha outra pot�ncia, seja um evento”, afirma.
%u201CTanto a pe�a da Bia Lessa %u2013 genial por sinal %u2013 quanto o filme do Guel Arraes %u2013 ainda n�o rodado %u2013 s�o adapta��es t�o criativas e ousadas que deixam muito espa�o para muitas outras vers�es. O Grande sert�o: Veredas � uma destas hist�rias universais que, como Hamlet ou Macbeth, pode ter dezenas de vers�es que n�o se esgota. E, sim, �s vezes abro uma p�gina ao acaso e leio a frase que est� na frente, como se fosse o I Ching, uma carta de tar� ou um livro de salmos%u201D
Fernando Meirelles,diretor
VERS�ES PARA A TELONA
Grande sert�o: Veredas teve sua primeira vers�o para o cinema em 1965, em longa-metragem dirigido pelos g�meos mineiros Geraldo e Renato Santos Pereira, com Maur�cio do Valle como Riobaldo e S�nia Clara como Diadorim. A c�lebre hist�ria s� voltaria a ganhar outra adapta��o 20 anos mais tarde, quando a Globo fez a miniss�rie dirigida por Walter Avancini, tendo Tony Ramos e Bruna Lombardi nos pap�is principais. J� em 2008 a narrativa voltou ao cinema, em um docudrama dirigido por Willy Biondani que ganhou o t�tulo de Sert�o: veredas. Odilon Esteves e Silvia Louren�o interpretaram os pap�is principais.