Ci�ncia, arte e bom humor: conhe�a o imenso legado de �ngelo Machado
Um dos intelectuais mais prol�ficos de Minas, o professor em�rito da UFMG, que morreu aos 85 anos, era cientista, escritor, m�dico, ambientalista, amigo das crian�as e autor de com�dias de sucesso
postado em 07/04/2020 04:00 / atualizado em 06/04/2020 22:55
�ngelo Machado foi um dos intelectuais mais prol�ficos de Minas. Era cientista, professor, escritor, dramaturgo, integrante da Academia Mineira de Letras e amigo das crian�as (foto: Ramon Lisboa/EM/D.A Press %u2013 8/10/15)
O m�dico, professor, entom�logo e escritor �ngelo Machado, de 85 anos, que morreu ontem, em Belo Horizonte, deixa um legado �mpar – como poucos, soube unir arte e ci�ncia. Com sa�de fr�gil, pois sofria de uma doen�a degenerativa muscular, ele passou mal em casa, na sexta-feira (3), e foi internado no CTI do Hospital Biocor, em Nova Lima. N�o resistiu a uma parada card�aca.
O vel�rio e o sepultamento ocorrer�o nesta ter�a-feira (7), reservados para a fam�lia. Se n�o fosse a pandemia do coronav�rus, verdadeira multid�o de ex-alunos, intelectuais, f�s e gente que cresceu lendo seus livros lhe daria o �ltimo adeus. Vi�vo de Concei��o Ribeiro da Silva Machado, �ngelo teve quatro filhos.
“Pretendo chegar aos 100. Mas quando chegar aos 99, pe�o prorroga��o”, disse ele a J� Soares durante entrevista no Programa do J�, em 2015. Na �poca, lan�ava seu primeiro livro para adultos, Borboletas er�ticas. Bem-humorado, o professor em�rito da UFMG era conhecido pela voz fanhosa. “Achavam que por causa disso n�o poderia ser professor. Dei aulas 55 anos fanhoso. Os alunos se acostumam logo”, contou.
Vivia perto do c�mpus da UFMG, na �nica casa que restou na Avenida Carlos Luz, na Regi�o da Pampulha, com imensa �rea verde e animais. Em 2015, Machado doou para a UFMG sua cole��o de 35 mil exemplares de lib�lulas, a maior da Am�rica do Sul. Reunida ao longo de 65 anos, � composta por 1.052 esp�cies.
Machado deu nome a cerca de 30 insetos, incluindo pelo menos oito lib�lulas, tr�s borboletas, sete besouros e dois sapos. A paix�o vinha desde sempre. Era adolescente quando foi desafiado por um padre a descobrir o nome cient�fico de quatro besouros que havia guardado em uma caixa de f�sforos.
Professor, entom�logo e ainda escritor. E como escreveu. Foram quatro dezenas de livros para crian�as, o mais recente deles Crist�v�o e os grandes descobrimentos (Caravana Grupo Editorial). A obra, lan�ada em 6 de dezembro de 2019, na Academia Mineira de Letras, acompanha a trajet�ria do piolho Crist�v�o, que parte em uma jornada para saber se de fato a cabe�a (no caso, o seu planeta Terra) � redonda ou n�o.
Lor est� concluindo livro in�dito de �ngelo Machado (foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press
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Intelectual Da mesma fam�lia de autores e intelectuais consagrados – Maria Clara Machado, L�cia Machado de Almeida e An�bal Machado –, ocupava a cadeira 26 da Academia Mineira de Letras. “Era de conviv�ncia fraterna, suave, elegante e, sobretudo, divertida. Tinha uma atitude leve diante das coisas. Mesmo com a sa�de bem debilitada, n�o perdia o senso de humor. Coisa rara, dedicou-se � ci�ncia e � literatura ao mesmo tempo. E na educa��o, formou gera��es. Foi, h� 50 anos, um pioneiro em defesa da ecologia, pois naquele momento ningu�m falava disso”, destacou o jornalista Rog�rio Faria Tavares, presidente da AML.
O cartunista e m�dico Lor era parceiro praticamente de uma vida. “Foram 12 livros juntos, o mais recente Crist�v�o e os grandes descobrimentos”, diz. Ele estava trabalhando em Tratado de guerra, �ltimo livro de Machado, ainda n�o publicado, dedicado a jovens adultos. J� fez a capa, e os dois estavam combinando as ilustra��es. “A �ltima vez que conversamos foi em 24 de mar�o, ele estava bem, em casa”, conta Lor.
“�ngelo vinha trabalhando nesse livro h� mais de 20 anos. Reescrevia sempre, acabou dando por terminado. Ele pegou a Odisseia e a Il�ada, de Homero, e fez uma fus�o em tom de par�dia. Trabalhou muito nas refer�ncias, estudou os tratados militares. Era uma curti��o para ele.”
Em 2016, Lor e �ngelo Machado publicaram o blog O Humordaz (ohumordaz.blospot.com). “Tentamos reviver o Humordaz, publica��o que mantive em 1974 e 1975 no Estado de Minas. Uma vez por semana, a gente se reunia. Foram momentos inesquec�veis.”
“Sou 16 anos mais novo do que ele. Mesmo tendo sido seu aluno, a gente acabou se tornando amigo. Aprendi muito com ele, n�o s� quest�es cient�ficas, mas de comportamento, rela��es familiares. O �ngelo � uma das minhas refer�ncias de vida em v�rios sentidos.”
BUFFET Milhares de pessoas em Minas Gerais descobriram �ngelo Machado por meio do teatro. � o autor de Como sobreviver em festas e recep��es com buffet escasso, mon�logo estrelado pelo ator Carlos Nunes.
O comediante diz que Como sobreviver... foi apresentada de 2000 a 2019, atraindo 800 mil pessoas, em Minas Gerais, Rio de Janeiro, Bras�lia e Goi�nia.
“O que me marcou mais na nossa conviv�ncia foi a alegria dele e o bom humor. Tinha um profundo respeito e admira��o pelo �ngelo. Ele fazia umas coisas manuscritas e me chamava para ver na casa dele. A �ltima vez que o vi foi h� dois meses, levei um caf� para tomarmos juntos.”
Carlos Nunes em Como sobreviver em festas e recep��es com buffet escasso (foto: Glaucia Rodrigues/divulga��o
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HOMEM DA CI�NCIA
Em 1958, �ngelo Machado se formou m�dico pela Universidade Federal de Minas Gerais, tornando-se doutor pela UFMG. Em 1987, aposentou-se como professor titular de neuroanatomia da Faculdade de Medicina da universidade. Era autor do livro Neuroanatomia funcional, lan�ado na d�cada de 1970 e utilizado at� hoje nas escolas de medicina. Nos anos 1960, suas descobertas mudaram o conceito de les�es no sistema nervoso causadas pela Doen�a de Chagas.
Aposentado, fez novo concurso e voltou � UFMG para lecionar no Instituto de Ci�ncias Biol�gicas (ICB). Criou o Centro de Microscopia Eletr�nica e, junto � mulher, Concei��o Ribeiro da Silva Machado, fundou o Laborat�rio de Neurobiologia do ICB e se tornou professor em�rito da UFMG.
Entomologista mundialmente respeitado, descreveu cerca de 100 esp�cies e 11 novos g�neros de lib�lulas. Dedicou-se tamb�m ao estudo de besouros, borboletas, abelhas e aranhas. Reverenciado pelos colegas, seu nome batizou v�rios organismos. Aposentado novamente em 2004 pelo ICB, prosseguiu como professor volunt�rio e lecionou no Departamento de Zoologia da UFMG at� 2019.
Dedicado ambientalista, �ngelo Machado presidiu a ONG Funda��o Biodiversitas e integrou o conselho da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ci�ncia (SBPC).
HOMEM DA ARTE
“Nos dias das Crian�as e dos Professores, parabenizo a todos os colegas que d�o aulas para crian�as. Se tivesse de recome�ar hoje, gostaria de ajudar a form�-las”, afirmou �ngelo Machado, em 2015.
O primeiro livro foi O menino do rio, recusado pela editora �tica. “Disseram que n�o era boa entomologia porque bicho n�o fala. E n�o era literatura porque ensina at� nome de lib�lula: s� tem um nome de lib�lula no livro, a Eterina, porque � sonoro. A cr�tica caiu em cima de mim, mas a gente foi melhorando. A Editora L� acreditou no livro e deu certo”, contou ele.
Depois disso, vieram dezenas de publica��es. Quando um amigo lhe contou que lobo-guar� comia mais fruta que carne, Machado escreveu Chapeuzinho Vermelho e o lobo-guar�, em que o devorador de criancinhas est� de olho, mesmo, � na melancia que a menina carrega. At� coc� rendeu livro, o divertido Que bicho ser� que fez a coisa?. Em 1993, Machado ganhou o Pr�mio Jabuti com O velho da montanha, uma aventura amaz�nica, inspirado em sua experi�ncia numa tribo ind�gena no Norte do Par�.
Entre as pe�as de teatro que escreveu, est�o Como sobreviver em recep��es e coquet�is com buffet escasso, A com�dia dos defuntos sem cova, Chapeuzinho Vermelho e o lobo-guar�, O casamento da ararinha-azul e O rei careca.