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Estado de Minas MENTE LIVRE

Paulo Nazareth recolhe o corpo e expande as ideias na quarentena

Artista pl�stico mineiro reconhecido internacionalmente est� em sua casa no bairro Palmital, deixando as ideias viajarem por novos e velhos territ�rios, como em seus trabalhos sobre a �frica e a cozinha de sua m�e


postado em 19/05/2020 04:00

O artista em fotografia da série Objetos para tampar o sol dos seus olhos (2019) (foto: Paulo Nazareth/Divulgação)
O artista em fotografia da s�rie Objetos para tampar o sol dos seus olhos (2019) (foto: Paulo Nazareth/Divulga��o)

“Ao final, todas as grandes viagens retornam para dentro de casa.” � de se imaginar que para o artista pl�stico mineiro Paulo Nazareth, acostumado a infinitas andan�as para a concep��o de seus mundialmente cultuados trabalhos art�sticos, o per�odo em isolamento social poderia impor limita��es mais severas. Por�m, a mente de Paulo Nazareth, nascido na regi�o de Governador Valadares, no Vale do Rio Doce, segue viajando de sua resid�ncia, no Bairro Palmital, em Santa Luzia, na Regi�o Metropolitana de BH.

Para ele, que j� teve obras exibidas na Bienal de Veneza (2013 e 2015), cidade na qual nunca esteve, e na Art Basel Miami, para onde foi a p� de Minas Gerais, em 2011, passando por v�rios pa�ses latinos, o momento � de se voltar para dentro. 

“Na quarentena, resolvi passar os primeiros 40 dias totalmente � toa. De 17 de mar�o a 27 de abril, com pensamento na arte, mas de maneira improdutiva. Depois retomei. A primeira parte do trabalho � esse � toa, esse �cio, essa reclus�o. E os primeiros passos s�o olhando no entorno da casa, dando a volta no pr�prio corpo. Meu trabalho tem muita rela��o com movimento e tr�nsito, essa circula��o pelo mundo, viagens, mas pensando que a casa tamb�m � um mundo, o entorno da gente”, diz ele, que tem passado os dias com a companheira e as crian�as.

“Se a gente entende o mundo como um globo, circular, qualquer volta � uma volta, e esse c�rculo pode se agrandar ou se apequenar. Estamos agora no momento de se apequenar. � como o miudinho na capoeira de angola. O jogo se expande e diminui, vai e vem. Tem hora em que temos que jogar o miudinho, que � a prote��o. � a hora em que se abre m�o dos saltos, das acrobacias, para fazer um movimento de se recolher, como um feto, protegendo as partes vitais do corpo, lembrando tamb�m os animais quadr�pedes e quando o ser humano andava assim. Ao caminhar ereto, os �rg�os vitais ficam mais expostos, por isso quando nos recolhemos nos protegemos”, afirma o artista viajante.

Desse modo, entre algumas tarefas dom�sticas, ele encontra tempo para revisitar a pr�tica que marcou o in�cio de sua diversificada trajet�ria art�stica, aperfei�oada nos estudos com Mestre Orlando (1944 - 2003), refer�ncia nacional na �rea. “Tenho recolhido galhos para esculpir e talhar formas que se aproximam do conceito de carranca, serpentes de madeira, que espalho pelo entorno da casa, como uma esp�cie de prote��o”, afirma.

Mesmo nesse recorte aparentemente diminuto, do corpo e do lar, Nazareth vai longe, sem deixar de lado um de seus mais importantes trabalhos, desenvolvido desde 2012, chamado Cadernos de �frica. A proposta conceitual, que inclui fotografia e outras experimenta��es e instala��es, come�a justamente em um espa�o domiciliar, que � a cozinha da casa da m�e, e se expande mostrando a universalidade do territ�rio do continente africano percorrido por ele.

“Tenho feito essas viagens h� um tempo. Vou � �frica e depois � cozinha de minha m�e. � um vaiv�m. Agora � o momento do miudinho, de viajar em volta do corpo. S�o linhas. �s vezes, andamos por BH e desconhecemos muitos caminhos que existem no nosso bairro, porque nos viciamos em um trajeto. Ent�o � um momento de reconhecer esses detalhes, o pr�prio corpo, a pr�pria casa. O corpo da gente � um mundo, um universo, que a gente desconhece”, diz o artista, que j� esteve em Mo�ambique, na Nig�ria, no Malawi e em outras na��es da por��o Sul do continente fazendo seus registros.

''Estamos agora no momento de se apequenar. � como o miudinho na capoeira de angola. O jogo se expande e diminui, vai e vem. Tem hora que temos que jogar o miudinho, que � a prote��o. � a hora em que se abre m�o dos saltos, das acrobacias, para fazer um movimento de se recolher, como um feto, protegendo as partes vitais do corpo''

Paulo Nazareth, artista pl�stico



POL�TICA 

Embora ressalte a reflex�o individual a ser feita neste per�odo, Paulo Nazareth deixa claro que encara o contexto da pandemia e do isolamento social como “uma quest�o pol�tica”. Tendo o entendimento cr�tico do deslocamento humano e dos territ�rios como ponto central de suas obras, ele aproveita a configura��o estabelecida pela quarentena para fazer questionamentos. Para Nazareth, se � fato que a pandemia fez com que muitas pessoas ficassem impedidas de viajar ou circular livremente, � preciso reconhecer que uma enorme parcela da popula��o mundial j� estava sujeita a essa limita��o antes da crise sanit�ria.

“Mesmo nos pa�ses ditos desenvolvidos, isso de pegar uma avi�o e ir para outro pa�s ou continente � para poucos. Nos Estados Unidos, por exemplo, s�o muitas as quest�es pol�ticas e econ�micas que impossibilitam muita gente de se deslocar at� mesmo dentro do pa�s. � um livre, mas n�o t�o livre. O custo � elevado para muita gente. � como aqui. Em Minas, nas f�rias, alguns conseguem ir at� Guarapari, Porto Seguro, mas � uma mobilidade reservada para poucos. Muitos conseguem ir no m�ximo ao interior, onde h� algum parente. At� viajar dentro do estado � caro. E o engra�ado � que as pessoas que t�m essa mobilidade de pegar um avi�o e estar noutro estado ou pa�s s�o as mesmas que t�m o privil�gio de poder estar em casa neste momento de quarentena. O isolamento n�o � para todos”, aponta.

Em sua opini�o, “as pessoas que hoje cobram o fim do confinamento s�o muitas vezes as que t�m o privil�gio do confinamento. Muitas que s�o obrigadas a sair n�o est�o cobrando, esperando um aux�lio emergencial que nunca chega. H� uma briga pelo direito ao trabalho, sendo que h� um trabalho que segue existindo, como o trabalho infantil. Muita gente n�o tem a possibilidade nem de brigar por isso, por n�o ter a possibilidade de escolha. Precisamos do confinamento neste momento, � importante, mas � um privil�gio. Nos EUA, quem est� morrendo pelo coronav�rus? O imigrante, os ilegais, os pobres. Em S�o Paulo e nas grandes cidades brasileiras, quem morre? O negro, o nordestino, o morador de periferia”.

O artista mineiro, que exp�s alguns resultados de Cadernos de �frica na Bienal de Lyon, em 2013, tamb�m sem ter ido � Europa, onde s� pretende pisar depois que percorrer toda a �frica, destaca que a humanidade j� passou por outras tormentas como a atual pandemia, citando a peste bub�nica, na Idade M�dia, e a gripe espanhola de 1918. Nessas ocasi�es como agora, ele avalia, “sempre houve os mais ego�stas e os que trabalharam pelo bem comum”.

“� um momento que deveria ser mais prop�cio � solidariedade, mas o que acontece hoje no mundo e no Brasil � que as pessoas n�o t�m vergonha de ser fascistas ou ego�stas. Aqui ou nos EUA, quando h� um governo que propaga isso, pessoas se sentem � vontade para tirar as m�scaras e se mostrar mais violentas com o outro, especialmente com aquilo que que elas julgam ser feio. Julgam o outro feio e o feio pode ser morto e desaparecido”, explica Nazareth.

Ex-aluno da Escola de Belas Artes da UFMG, estende a cr�tica ao universo das artes. “Penso no que eu trabalho. Durante muito tempo, pensou-se  a est�tica nas chamadas belas artes, que devem mostrar o que � bonito. As pessoas continuam pensando nisso e querendo que o que elas consideram feio morra, na arte e na vida. N�o gostam de banguelas, ou seja, podem desaparecer, assim como os velhos enrugados. Por isso, agora n�o ligam se os mais velhos, os pretos, os pobres, os sujos e a popula��o de rua desaparece, porque consideram que essas pessoas n�o s�o dignas de existir, se n�o fazem parte da ‘fine art’. N�o � uma coisa nova. Para a gente que luta por uma outra est�tica e para que outras vidas sigam, vamos continuar lutando, j� lut�vamos antes. A arte vem sofrendo ataques no Brasil h� tempos, justamente por apontar caminhos diferentes da beleza j� estabelecida.”

Para o futuro, Paulo Nazareth pretende dar sequ�ncia aos Cadernos de �frica, percorrendo o Norte do continente, mesmo que se depare com um mundo com maiores restri��es nas fronteiras, sobre as quais h� muito j� fala em sua arte. “Em uma exposi��o que fiz em 2008, chamada Sobre o deslocamento de coisas e gente, tratava sobre como o tr�nsito de comidas e mercadorias � muito mais poss�vel que o das pessoas. O povo negro, da �frica, quando era tratado como propriedade, tinha o tr�nsito livre. Foram cerca de 5 milh�es que chegaram ao Brasil. Hoje, essa entrada � cheia de restri��es. H� uma repulsa, assim como em outros pa�ses.”

Ampliando a perspectiva do trabalho, aos 43 anos, Nazareth pretende construir o que chama de “A trilogia dos �s”, no caso �frica, Am�rica e �sia. “Sigo na constru��o do mundo contempor�neo e tudo come�a na cozinha, quando o europeu precisou ir � �sia buscar especiarias, temperos, e a� surge a �frica no caminho e depois a Am�rica. No fim das contas, s�o grandes viagens, invas�es e navega��es, que no fim acabavam na cozinha, com a cana-de-a��car, o pau-brasil para tingir tecido ou o ch�.”



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