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Estado de Minas M�SICA

'Agora � a hora do basta', diz Fabiana Cozza, ao falar do racismo

Artista diz que luta antirracista � coletiva, critica discursos extremistas do movimento negro e convoca os brancos a combater impasses estruturais do Brasil. Na sexta, ela lan�a single de S�rgio Perer�


postado em 15/06/2020 04:00

 Fabiana Cozza, cantora:
Fabiana Cozza, cantora: " Ningu�m aguenta mais viver com o coturno no pesco�o. Os negros, os ind�genas, s�o tratados como sub-humanos%u201D (foto: JOS� DE HOLANDA/DIVULGA��O)

O momento pede sil�ncio e reza. � dessa maneira que a cantora paulista Fabiana Cozza, de 44 anos, analisa o per�odo de isolamento social em decorr�ncia da pandemia do coronav�rus. E ela o traduz com a interpreta��o enlevada de Senhora negra, primeiro single de seu novo �lbum. M�sica e v�deo ser�o lan�ados sexta-feira (19), nas plataformas digitais.
 
Can��o que S�rgio Perer� comp�s h� tr�s anos para Fabiana – o registro original foi para o �lbum Aparecida, reinos negros, do compositor mineiro –, Senhora negra ganha, na segunda grava��o, um aspecto quase de prece. A cantora � acompanhada apenas pelas violoncelistas Vana Bock e Adriana Holtz.
 
Gravado durante a quarentena, o v�deo traz imagens de pessoas pr�ximas a Fabiana, que buscaram traduzir a maneira como enxergam a espiritualidade.

O single antecipa o pr�ximo �lbum da artista. Ainda sem t�tulo, o disco ser� lan�ado em setembro e ter� 16 faixas in�ditas (� exce��o de Senhora negra), compostas especialmente para Fabiana. O time de autores re�ne Paulo C�sar Pinheiro, Nei Lopes, Alfredo Del-Penho, Moyseis Marques e Luiz Ant�nio Simas, entre outros. At� o lan�amento, ser�o divulgados mais dois singles.
 
Gestado nos �ltimos tr�s anos, o trabalho tem como tema as religi�es de matrizes africanas e ind�genas. A cantora, a cada convite, dava ao compositor a divindade que queria ver abordada na can��o.
De fam�lia cat�lica, Fabiana abra�ou posteriormente o budismo. H� sete anos foi batizada no candombl�. “Sou uma pessoa de muita espiritualidade. N�o acredito em f� que n�o seja partilhada”, comenta.
A cantora trabalha o lan�amento do �lbum a dist�ncia. H� quatro meses est� isolada e sozinha no interior de Minas Gerais. Nesta entrevista, fala do novo trabalho, das mudan�as decorrentes da quarentena e dos movimentos contra o preconceito racial que se espalharam pelo mundo. “A luta antirracista � uma luta coletiva”, acredita.

O universo das religi�es de matriz afroind�gena � o tema de seu novo �lbum. De que forma esse trabalho dialoga com o momento que vivemos?
Nos tempos tristes que estamos vivendo, nada � mais importante do que conseguir ficar em sil�ncio e rezar. Esse disco n�o � um trabalho que faz proselitismo do candombl� e da umbanda. Ele defende o que o Luiz Ant�nio Simas (historiador, compositor e escritor) chama de cultura de frestas. No fundo, o Brasil � esse caldeir�o de possibilidades de manifesta��es da f� atrav�s da dan�a, do canto, tendo o tambor como instrumento de chamamento. � muito comum as pessoas migrarem de um lugar para outro – � budista, mas j� foi benzido por benzedeira. � um disco desse Brasil das festas populares, dos ritmos, dos personagens que fazem parte do imagin�rio espiritual e religioso brasileiro. A espiritualidade � uma coisa que est� em n�s, n�o existe separa��o.

� um trabalho de encantamento que chega neste momento desencantado...
Este � o momento de desencantarmos das coisas desimportantes. � um momento de reorganiza��o, de profunda transforma��o planet�ria, emocional, espiritual, mas tamb�m do cotidiano. As pessoas v�o ter de repensar a vida de maneira mais coletiva. Talvez o agora seja o desencanto da individualidade, do ego�smo, das a��es ensimesmadas. Estamos abrindo um portal para uma nova vida de coletividade, solidariedade, empatia. � nesse sentido que o disco vem propor o reencontro com o que � matricial da gente, porque a cultura popular � a cultura da coletividade. Diante dessa m� vida do ponto de vista pol�tico e econ�mico, a sa�da, estamos percebendo, � escutar os donos da terra. E eles s�o os ind�genas, os negros, as mulheres. Jamais, como qualquer um, eu poderia imaginar que f�ssemos viver uma pandemia. O disco vem como um abra�o meu e de toda a minha equipe a este Brasil profundo do mesti�o, do misturado. � tamb�m para os oprimidos que nunca tiveram voz.

Como est� sendo o per�odo de isolamento para voc�?
Temos de redimensionar quais s�o os nossos sonhos, o que � realmente importante para a gente e fundamental para se viver. Sou uma pessoa urbana e estou vivendo na ro�a, sem o meu companheiro, sem fam�lia, h� quatro meses sozinha com duas cachorras. Tamb�m estou fazendo um exerc�cio de introspec��o n�o s� para o lan�amento do trabalho, mas para identificar o que daqui para a frente ser� essencial. Como estava no exterior (no in�cio a pandemia), eu era do grupo de risco. Ent�o, vim para o interior e fui ficando. Vim com uma mala de roupa e me acostumei. Tenho tr�s pares de sapato, umas 10 roupas. Vou trocando o cachecol, o que est� muito bom. No momento em que a vida est� em risco e voc� tem sa�de, consegue redimensionar o que � a riqueza maior. O que voc� precisa consumir � para alimentar a alma e, consequentemente, promover o bem-estar dos que est�o ao seu lado.

Como voc� est� acompanhando os movimentos antirracistas em todo o mundo?
Agora � a hora do basta. Ningu�m aguenta mais viver com o coturno no pesco�o. Os negros, os ind�genas, s�o tratados como sub-humanos. Existe racismo na m�sica popular? � �bvio que existe dentro de um sistema estruturado. Al�m de tudo, as v�timas se sentem culpadas, � uma coisa horrorosa. O fogo de rep�dio ao racismo n�o vai apagar mais. Acho que os brancos, todas as pessoas que t�m um pouco de humanidade, t�m de ser convocadas para essa luta. A luta antirracista � uma luta coletiva, ainda mais no momento em que estamos, somado a todos os desmandos, os absurdos que est�o ocorrendo no Brasil. Como pode haver um milico se chamar ministro da Sa�de e n�o saber geografia? Agora tem um monte de gente que votou no Bolsonaro e est� arrependida. � hora de olhar e ver a merda que voc� fez. Est� todo mundo no buraco, o �nus � coletivo. Ent�o, por isso, a sa�da s� pode ser coletiva.

Passados dois anos da pol�mica sobre o musical de Dona Ivone Lara (Fabiana foi considerada branca demais para interpretar a sambista, gerando uma chuva de protestos, o que a fez renunciar ao papel), como voc� v� a quest�o do colorismo?
Para al�m do colorismo (quanto maior a pigmenta��o da pele, menores chances a pessoa ter�), continuo achando a quest�o delicada. O julgamento das pessoas e a identifica��o de negros e n�o negros, neste momento, v�o enfraquecer ainda mais a luta antirracista. N�o acredito nesse discurso. A gente vai conseguir se fortalecer se estiver junto. O reconhecimento dos afrodescendentes como negros � uma luta antiga do movimento negro brasileiro e assim precisa continuar sendo. Somos negros, sim, de tonalidade clara, mediana, preta. N�o me interessa isso. Os discursos mais extremistas n�o colaboram em nada na luta para derrubar o racismo, s� causam mais viol�ncia e mais dor. Ser� que sou negro, ser� que n�o sou? � muito complicado, especialmente para os mesti�os, de fam�lia mista, que � o meu caso (filha de pai negro e m�e branca). Algumas pessoas me desautorizaram deste lugar de negra, mas o que me autoriza a estar neste lugar, para al�m da quest�o fenot�pica, � a minha trajet�ria. A minha voz n�o � s� minha, � dos negros retintos, dos brancos, das pretas de pele clara. Voc� n�o reage a algo de que discorda com viol�ncia. E o real inimigo est� muito claro para a gente. Ou precisa desenhar?


SENHORA NEGRA

O single e o v�deo de Fabiana Cozza ser�o lan�ados na sexta-feira (19), nas plataformas digitais. No s�bado (20), �s 11h, haver� live da artista com o cantor e compositor Tigan� Santana e o historiador e compositor Luiz Ant�nio Simas. A plataforma ser� anunciada nas redes sociais da cantora.


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