
Quatrocentos e setenta e oito relatos sobre a quarentena. � em cima desse material, que totaliza quase mil p�ginas, que os atores do Grupo Galp�o trabalham neste momento, cada um diretamente de sua casa."Continuo achando que s� � teatro se tiver ao menos um ator e uma pessoa em um encontro presencial. O resto todo que estamos tentando fazer s�o h�bridos. N�o � TV, n�o � teatro, n�o � cinema, � tudo uma mistura. Tentamos criaruma linguagem e pode ser que ela encontre uma po�tica"
In�s Peixoto, atriz
O chamamento p�blico realizado entre maio e junho passados, pedindo que pessoas de todo o pa�s enviassem textos – ver�dicos ou fict�cios, de qualquer g�nero – sobre o isolamento social vai redundar no projeto Hist�rias de confinamento.
Como esse material ser� apresentado � algo que nem os pr�prios atores sabem. Come�aram nos �ltimos dias, ap�s as leituras, a se reunir virtualmente para discutir o projeto. Por ora, � assim que o trabalho de um grupo de teatro � poss�vel. “� um material muito sofrido, mas os textos tamb�m mostram uma necessidade incorrig�vel de nutrir esperan�a”, comenta o ator e diretor Eduardo Moreira.
Desde o in�cio do isolamento, os integrantes do Galp�o v�m se encontrando via plataformas de teleconfer�ncia para definir poss�veis trabalhos neste per�odo. Pego de surpresa (como todos) com a pandemia do novo coronav�rus, o grupo teve que cancelar todas as apresenta��es previstas para este ano.
A principal delas seria a estreia do in�dito Quer ver escuta. A premi�re estava prevista para o dia 3 de abril, no Festival de Teatro de Curitiba. Montagem dirigida por Marcelo Castro e Vin�cius Souza, baseada em poemas de autores contempor�neos, como Ang�lica Freitas, Ana Martins Marques e Paulo Henriques Britto, tinha temporadas confirmadas em S�o Paulo e Belo Horizonte. Os ensaios, na reta final, foram interrompidos em 17 de mar�o.
Al�m desse novo espet�culo, o grupo estava remontando Till, A saga de um her�i torto (2009) para apresent�-lo numa turn� pelo interior de Minas. Tudo, obviamente, est� em suspenso. Mas o Galp�o, seja de que maneira for, tem que continuar ativo.
Foi com essa certeza que os atores passaram a imaginar projetos poss�veis durante o per�odo de isolamento. Enquanto pensava nos pr�ximos passos, o grupo disponibilizou em seu canal no YouTube apresenta��es hist�ricas, como a de Romeu e Julieta em Londres.
Foram tamb�m criadas iniciativas espec�ficas para redes sociais. Em Pausa pro caf�, por exemplo, Eduardo Moreira conta casos da trajet�ria do grupo no Instagram. J�lio Maciel idealizou o Conversa com o Galp�o, s�rie de entrevistas com profissionais das artes c�nicas (diretores, cen�grafos, atores) que j� trabalharam com o grupo. O projeto, sempre com uma dupla de integrantes como entrevistadores, j� foi gravado, mas ainda n�o tem previs�o de estreia.
PROXIMIDADE
J� In�s Peixoto teve a ideia de Hist�rias de confinamento. “Achei que com este projeto poder�amos manter a proximidade com o p�blico. Fizemos algo semelhante em Pequenos milagres (2007, montagem criada a partir de quatro hist�rias selecionadas entre 600 que o grupo havia recebido). Os relatos trazem uma gama grande de situa��es, pois hoje tem gente que est� convivendo demais (com o outro) e gente convivendo de menos. J� estamos com algumas ideias de como trabalhar o formato, pois temos que ver quais os relatos nos d�o possibilidade de cena, sozinhos ou em dupla.”
A inten��o � de que o projeto venha a p�blico tamb�m de forma on-line e nos pr�ximos meses. “Tenho a intui��o, quase convic��o, de que quando isso (a pandemia) passar, ningu�m vai querer ouvir falar de confinamento por algum tempo. As pessoas v�o querer ser livres, se abra�ar, se encontrar, para esquecer. Mas as coisas est�o t�o incertas e n�o sabemos se vamos ter que conviver com isto a m�dio ou a longo prazo”, afirma Moreira.
Neste momento, o que � certo � que o Galp�o estreia at� o fim de julho o m�dia-metragem �ramos em bando. Assim que os ensaios de Quer ver escuta pararam, os atores continuaram a se encontrar virtualmente para discutir como a montagem do 25º. espet�culo do grupo poderia continuar. No meio do caminho, houve o convite da Funda��o Municipal de Cultura para que o grupo fizesse alguma a��o para ser apresentada no canal da institui��o.
O Galp�o passou ent�o a gravar os ensaios. Convidou o realizador Pablo Lobato para editar o material, que virou um filme de pouco mais de 50 minutos. O t�tulo, �ramos em bando, deriva do poema Crepuscular, de Paulo Henriques Britto.
O texto po�tico diz que “nosso tempo � pouco, que toda palavra j� foi dita e h� que ser dita outra vez”. O material exposto no filme revela o di�logo com a dificuldade e a possibilidade de se criar no meio digital, mostrando a batalha dos artistas para continuar trabalhando.
Dirigido por Lobato em parceria com Castro e Souza, o document�rio teve oito sess�es de pr�-estreia em junho. No momento, o grupo estuda em que plataforma estrear oficialmente o filme. “Ele � meio que nossa tentativa de existir como criadores no espa�o virtual”, diz In�s.
“A gente est� intuindo que, infelizmente, o segundo semestre vai estar bastante comprometido, a n�o ser que aconte�a algo muito especial”, acrescenta a atriz. A agenda de espet�culos feitos para o primeiro semestre n�o existe mais. “Parou tudo, mas nada (a estreia de Quer ver escuta e a excurs�o de Till) est� descartado. Estamos paralisados.”
Para In�s, o teatro s� existe presencialmente. “Continuo achando que s� � teatro se tiver ao menos um ator e uma pessoa em um encontro presencial. O resto todo que estamos tentando fazer s�o h�bridos. N�o � TV, n�o � teatro, n�o � cinema, � tudo uma mistura. Tentamos criar uma linguagem e pode ser que ela encontre uma po�tica.”
ESS�NCIA
Independentemente do resultado e do eventual retorno que os projetos virtuais tragam, a ess�ncia do fazer teatral n�o vai mudar. “Talvez o teatro de rua seja impulsionado, pois, num primeiro momento, essa ser� a maneira de o teatro acontecer com mais pessoas no palco”, observa In�s, fazendo refer�ncia a experi�ncias que t�m havido de mon�logos em teatros em Portugal.
“� um retorno estranho, com duas cadeiras entre cada espectador e todo o mundo usando m�scara. Tem que ver n�o s� o desejo dos artistas, mas tamb�m o do p�blico, de ficar numa sala fechada.”
Ainda que o teatro de rua seja algo mais fact�vel no p�s-pandemia, In�s n�o acredita no retorno das apresenta��es de artes c�nicas ainda neste semestre. “Talvez no ano que vem, pois a situa��o � muito s�ria e n�o temos preparo sanit�rio. Agora, acho que, quando voltar, o teatro ser� do jeito que �. A ess�ncia do teatro, que � a presen�a, esta � insubstitu�vel.”