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Estado de Minas

Xavier Dolan diz que Matthias e Maxime vai al�m de filme gay

Cineasta canadense, que tamb�m atua como ator, recha�a a ideia de que seu longa seja sobre homossexualidade


02/09/2020 04:00

Xavier Dolan virou um caso em Cannes quando apresentou Eu matei minha m�e, em 2009. Tinha 20 anos e, desde ent�o, todos os seus filmes passaram no festival, exceto algum que foi para Veneza. Ator, diretor, roteirista, dublador, montador e figurinista, o autor canadense – de Montreal – foi premiado diversas vezes e adquiriu a fama de enfant terrible por suas abordagens sobre fam�lia e quest�es de g�nero, incluindo homossexualidade.

No ano passado, voltou � Croisette com Matthias e Maxime. Como na pe�a famosa de Nelson Rodrigues, Beijo no asfalto, um beijo entre dois homens deflagra o preconceito – da comunidade, no Nelson; dos pr�prios caras, no Dolan. Matthias e Maxime est� no streaming, na plataforma Mubi. A seguir, a entrevista feita por e-mail com o diretor.

Em Cannes, no ano passado, voc� insistiu que n�o se trata de uma love story entre homens. Incomoda quando as pessoas rotulam o filme diferentemente do que voc� planejou?
N�o, porque o filme pronto n�o me pertence mais. As pessoas podem se apropriar da hist�ria, interpret�-la como quiserem. O que me incomoda – e eu diria at� aborrece – � quando colam essa etiqueta de filme gay. O filme � maior que isso. A quest�o de g�nero � forte, mas � mais que um filme sobre homossexualidade. Por acaso as hist�rias de amor entre homens e mulheres s�o sobre heterossexualidade? � um filme queer, isso sim, com uma pol�tica queer. S� que tamb�m � sobre outras coisas. Por exemplo, sobre a educa��o que recebemos na inf�ncia, ou como uma masculinidade t�xica contamina nossas mentes e nos faz ter vergonha de coisas das quais n�o dever�amos nos envergonhar.

� sobre amizade e amor. Mas, mais que sobre amizade, � sobre pertencimento, como fazer parte de um grupo. Concorda?
Com certeza. Eu experimentei meio tarde essa ideia de pertencer a um grupo. Foi quando j� tinha mais de 20 anos. Foi libertador para mim. Me deu seguran�a, uma diferente no��o de fam�lia. Mas eu sei que para outras pessoas o grupo pode ser intimidador. Pode criar barreiras, pode limitar a liberdade, quando as pessoas come�am a pensar e agir coletivamente. Pensando por esse lado, o grupo pode ser prejudicial, doloroso, e a� � preciso ser cr�tico.

N�o sei no Canad�, mas, no Brasil, dois homens se beijando ainda provoca rea��es, a menos que seja na grande parada LGBTQ+ que movimenta S�o Paulo. O que voc� esperava ao mostrar os dois caras se beijando? Afinal, eles parecem straights, mas ficam bagun�ados...
O beijo deveria surgir naturalmente, como parte de uma filmagem, feita entre amigos, dentro do filme. Acho que eles t�m idade suficiente para encarar essas quest�es. S�o homens chegando aos 30 anos, um est� querendo mudar de vida, o outro est� se estabelecendo. Nenhum dos dois parece ter d�vida quanto � pr�pria sexualidade, mas a� o beijo os desestabiliza. Imagino que em Quebec estejamos � frente do Brasil nessas quest�es de g�nero, mas o ponto do filme n�o est� na rea��o externa. �s vezes, o problema n�o est� na aceita��o dos outros, est� no fato de voc� aceitar quem �. Esse � o tema.

Uma vez voc� me disse em Cannes que as pessoas o veem como narcisista, fazendo filmes para falar de voc�, de seus problemas. Por que decidiu interpretar Maxime? Ele � voc�?
Na verdade, Maxime tem muito pouco a ver comigo. E eu o escolhi justamente por isso. Porque teria de interpretar, de criar algu�m diferente de mim. Na verdade, eu nem queria atuar nesse filme, mas a� os amigos me fizeram ver como seria duro ver outro ator interagir com meu maior amigo em cena. Foi o que me fez decidir. Esse filme nasceu de uma ideia de troca, de intera��o entre pessoas que t�m afeto umas pelas outras.

Maxime est� querendo fugir da m�e abusiva, est� indo embora, quando o beijo exp�e sua vulnerabilidade. � um filme de inicia��o sexual tardia?
Eu acho que podemos crescer e amadurecer em todas as idades. N�o estamos sempre nos questionando? Quem somos, o que queremos? Acho que isso faz parte da natureza humana.

Com exce��o de Anne Dorval, que faz sempre sua m�e, e voc�, n�o identifico os demais atores. S�o conhecidos seus do Canad�? S�o amigos de verdade?
Sim, s�o todos conhecidos em Quebec. E somos todos amigos. Sem a camaradagem n�o haveria o filme. Alguns s�o novos amigos, outros, amigos de longa data.

As pessoas falam muito em seus filmes. E falam em dialeto, um franc�s local, que n�o � o dos cl�ssicos. Os di�logos s�o completamente escritos ou h� espa�o para improvisa��o?
� mais sobre como improvisamos nas entrelinhas dos di�logos, como trabalhamos o tempo na entrega dessas falas. O di�logo � todo escrito, mas a� a gente ensaia e os atores mudam uma frase aqui, erram o texto ali e a pr�pria musicalidade do di�logo trocado indica o caminho que adotamos na hora de filmar. O filme fica mais vivo, mas de maneira geral n�o gosto de improvisa��o. Pode tumultuar o set.

J� que � um filme sobre amizade, voc� tem seus favoritos entre filmes de amigos. Estou pensando em Thelma e Louise, em O reencontro...
Voc� acaba de citar dois dos meus preferidos. Bingo!

Para encerrar, a amizade substitui a fam�lia? � a fam�lia de afeto, n�o de sangue, que podemos escolher? E a m�e abusiva? Est� ali para mostrar como a fam�lia pode ser um peso?
Fam�lia � tudo, mas, �s vezes, pode ser t�xica e a� voc� procura irm�os e irm�s, pai e m�e fora de sua fam�lia. Amo minha fam�lia, mas tenho muito clara a consci�ncia das coisas que meus pais n�o puderam ou n�o souberam me dar. � nesses momentos que recorro aos amigos. Tenho certeza de que muita gente pensa que a amizade pode substituir a fam�lia de sangue. Para mim, o que faz � somar e tornar minha vida mais completa. 
(foto: Laurent EMMANUEL/AFP)
(foto: Laurent EMMANUEL/AFP)

"O que me incomoda – e eu diria at� aborrece – � quando colam essa etiqueta de filme gay. O filme � maior que isso”

"Por acaso as hist�rias de amor entre homens e mulheres s�o sobre heterossexualidade? � um filme queer, isso sim, com uma pol�tica queer. S� que tamb�m � sobre outras coisas”

"Eu sei que para outras pessoas o grupo pode ser intimidador. Pode criar barreiras, pode limitar a liberdade, quando as pessoas come�am a pensar e agir coletivamente”

"Imagino que em Quebec estejamos � frente do Brasil nessas quest�es de g�nero, mas o ponto do filme n�o est� na rea��o externa. �s vezes, o problema n�o est� na aceita��o dos outros, est� no fato de voc� aceitar quem �”

"Na verdade, Maxime tem muito pouco a ver comigo. E eu o escolhi justamente por isso. Porque teria de interpretar, de criar algu�m diferente de mim”

Fam�lia � tudo, mas, �s vezes, pode ser t�xica e a� voc� procura irm�os e irm�s, pai e m�e fora de sua fam�lia. Amo "minha fam�lia, mas tenho muito clara a consci�ncia das coisas que meus pais n�o puderam ou n�o souberam me dar”

Xavier Dolan, ator e diretor


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