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Estado de Minas

Nova tradu��o de Os Evangelhos retoma elemento liter�rio

Obra traduzida por Marcelo Musa Cavallari vale at� mesmo para quem n�o compartilha da f� crist�


29/10/2020 04:00

Em uma palestra proferida pelo escritor argentino Jorge Luis Borges em Harvard no fim dos anos 1960, ele reflete sobre como a B�blia possivelmente provocou o surgimento da tradu��o literal: "Embora as pessoas considerassem Homero o maior dos poetas, sabiam que Homero era humano (...) e podiam assim remodelar suas palavras".

Mas, quando se tratou de traduzir a B�blia, a coisa mudou de figura", afirma Borges. "Se Deus escreve um livro, se Deus se digna � literatura, ent�o cada palavra, cada letra, como dizem os cabalistas, h� de ter o seu pro- p�sito. E pode ser blasf�mia se intrometer no texto escrito por uma intelig�ncia infinita, eterna." Longe de ser blasf�mia, a empreitada de Marcelo Musa Cavallari, que est� publicando sua vers�o em Os evangelhos – Uma tradu��o, pela Ateli� Editorial, pode ser vista como um esfor�o para restituir �s Sagradas Escrituras um componente que estava no texto original e acabou se perdendo ao longo dos s�culos: o elemento liter�rio.

"Os evangelhos s�o o livro da cultura ocidental. Eles s�o o fundamento b�sico, junto com a cultura grega cl�ssica, do Ocidente", afirma o tradutor. Os quatro textos, atribu�dos a Mateus, Marcos, Lucas e Jo�o, foram escritos originalmente em grego, em algum ponto entre os s�culos 1 e 2, para narrar a biografia de Jesus. Ao longo dos mil�nios, o car�ter art�stico desses textos foi se perdendo em detrimento de uma discuss�o mais teol�gica. No entanto, Cavallari defende: "Os quatro s�o muito liter�rios e t�m estrat�gias liter�rias muito diferentes entre si".

O Evangelho segundo Marcos "tem a estrutura pr�pria de um livro para ser lido em voz alta", analisa o tradutor. "Lucas escreve como se estivesse continuando o Antigo Testamento, porque essa � uma reivindica��o de que os evangelhos s�o uma continua��o do que vinha sendo revelado por Deus. J� Jo�o constr�i um personagem de Jesus com discursos muito mais longos."

Para recuperar esses aspectos liter�rios, Cavallari se ateve a dois crit�rios em sua tradu��o. Um � o crit�rio est�tico, "no sentido de tentar fazer o texto ter o seu brilho pr�prio a que se tem acesso lendo em grego, que � um texto muito menos domesticado do que parece na maior parte das tradu��es", avalia. E o outro crit�rio � "arqueol�gico, de tentar buscar o sentido que essas palavras tinham no momento em que elas foram escolhidas".

Um exemplo desse uso � a tradu��o da palavra �ngelos, que � uma esp�cie de n�ncio, ou mensageiro, mas nos s�culos posteriores � escrita dos evangelhos acabou sendo transliterada do grego para dar origem a "anjo", que tem uma conota��o totalmente dife- rente. A fim de preservar o sentido original com que o termo foi escrito pelos evangelistas, Cavallari optou por "n�ncio" em vez de "anjo".

SEM F� E SEM ANJO 
"Uma diferen�a marcante na minha tradu��o � que nela n�o se encontram palavras esperadas como f�, anjo, ap�stolo, porque, na verdade, quando se escolheram essas palavras, elas n�o tinham o significado que t�m hoje", explica o tradutor, que tentou produzir o efeito, no leitor de portugu�s do s�culo 21, de se ter contato com os textos originais do grego do s�culo 1. "Algu�m que l� no grego �ngelos n�o v� na mente aquilo que algu�m que l� em portugu�s v� ao ler anjo", conclui.

Na introdu��o, Cavallari tamb�m deixa expl�cita a rela��o entre os textos dos evangelistas e a atividade tradut�ria: "O evangelho � um grupo de quatro textos escritos em grego por judeus (com a poss�vel exce��o de Lucas), que podiam saber hebraico como l�ngua religiosa, mas �quela altura conversavam em aramaico, numa regi�o dominada por Roma, cuja l�ngua oficial era o latim. Os evangelhos s�o, desde o in�cio, tradu��o".

Enfatizar o elemento liter�rio n�o significa renegar a relev�ncia religiosa das escrituras, mas para Cavallari esses textos s�o capazes de comover mesmo quem n�o compartilha da f� crist�. "Os evangelhos t�m claramente um agenciamento liter�rio, para que qualquer efeito que eles tenham venha da leitura deles. S�o obras que se bastam. Embora tenham tido um importante destino no campo das pessoas que s�o crist�s, eles em si foram compostos como textos e t�m sua for�a como textos. Acredito que sobrevivam sozinhos e se imp�em como textos para qualquer leitor."

B�BLIA E UNIVERSO 
A tradu��o da B�blia para o latim por S�o Jer�nimo foi em grande medida respons�vel pela preserva��o do idioma mesmo ap�s sua morte enquanto l�ngua falada. Ao traduzir, Martinho Lutero ajudou a formatar e unificar o idioma e a identidade da Alemanha.

Se ao traduzir se cria uma nova forma de ler um texto, � novamente Jorge Luis Borges quem arremata a quest�o: "Na Idade M�dia, pensou-se que o Senhor havia escrito dois livros: o que denominamos B�blia e o que denominamos universo. Interpret�-los era nosso dever". (Estad�o Conte�do)

(foto: Ateliê Editorial/REPRODUÇÃO)
(foto: Ateli� Editorial/REPRODU��O)

OS EVANGELHOS – UMA TRADU��O

.Tradu��o: Marcelo Musa Cavallari
.Ateli� Editorial
.512 p�ginas
.R$ 100



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