
Por sorte, o ant�doto para a tristeza e para o luto � algo com que Mart'n�lia est� fortemente familiarizada: a m�sica. Por isso ela aproveitou o per�odo em isolamento para gravar o 13º �lbum de sua carreira, cujo lan�amento ocorre nesta sexta-feira (19/3), em CD e nas plataformas digitais.
Intitulado ''Sou assim at� mudar'' (Biscoito Fino), o trabalho representa o encontro do samba – o lugar-comum do repert�rio da artista – com a black music brasileira, ou ''m�sica preta'', como ela gosta de chamar.
''Essa sonoridade � uma veia do Rio de Janeiro com a qual eu me identifico muito, por causa do sub�rbio, dos bailes charme e do pr�prio groove das m�sicas. A culpa por meu trabalho ter um pouco disso tamb�m � do Z� Ricardo, que produziu o �lbum. Ele soube me colocar nesse caminho e me deixou � vontade na minha mistura'', conta ela.
Novo produtor
Essa � a primeira vez que Mart'n�lia trabalha com o produtor. Antes, quem produzia seus trabalhos era o m�sico Arthur Maia, morto em 2018. Ele era a pessoa respons�vel por dar o pontap� inicial nos discos da cantora.
A falta dele foi um dos principais desafios da produ��o. ''Eu n�o sabia como come�ar. E a� chegou o Z� Ricardo, num momento em que eu precisava de algu�m do meu lado. Durante o processo, ele se tornou um companheiro musical que me deu esse colo gostoso'', afirma.
Segundo ela, apesar de o registro ter uma m�sica sobre a pandemia (''Novo normal''), o objetivo dele � fazer com que as pessoas ''ou�am em casa e sejam felizes''. ''� uma forma de levar um pouco de mim para dentro da casa das pessoas. O que tentei fazer com essas m�sicas � dar alento, mostrar felicidade, dar carinho. T� tudo ruim, mas a gente vai levando, tentando amenizar da forma como consegue.''
No repert�rio, m�sicas rom�nticas como ''Chamego bom'' e ''Morena'' dividem espa�o com ''Suburbano blues'', que fala sobre o Rio de Janeiro, ''um lugar que n�o est� bacana para ningu�m'', segundo a artista.
''Sou assim at� mudar'' tamb�m conta com duas vers�es em portugu�s assinadas por Nelson Motta. Uma delas � ''Tocando a vida'', originalmente ''Rock bottom'', de Babyface; e a outra � ''Bom demais'', da original ''Feel like makin' love'', sucesso na voz da norte-americana Roberta Flack.
Essa �ltima tem a participa��o da atriz Adriana Esteves, a quem Mart'n�lia carinhosamente apelidou de Favo de Mel. ''Tenho uma admira��o enorme por ela. Sou f� pra caramba. Quando a gente pensou em convidar algu�m para essa faixa, pensamos que seria legal uma voz que remetesse a um passado gostoso, de final de baile. Ent�o deu nessa mistura de Carminha com 'Favo de Mel''', conta.
Voz venenosa
Outra presen�a no disco � o cantor pernambucano Johnny Hooker, na faixa ''Veneno'', vers�o em portugu�s da italiana ''Veleno''. A m�sica n�o � desconhecida do p�blico brasileiro: foi eternizada por Marina Lima no disco ''Fullg�s'' (1984). A nova abordagem a deixou elegante, algo refor�ado pelo groove de guitarra.
"� uma forma de levar um pouco de mim para dentro da casa das pessoas. O que tentei fazer com essas m�sicas � dar alento, mostrar felicidade, dar carinho. T� tudo ruim, mas a gente vai levando, tentando amenizar da forma como consegue"
Mart'n�lia, cantora
''Quando a gente decidiu regravar essa m�sica, eu senti que precisava de uma voz mais venenosa'', conta Mart'n�lia, rindo. ''Pensei no Johnny Hooker porque, al�m de tudo o que ele representa, o jeito como ele canta tem muita mal�cia e � bastante delicado ao mesmo tempo. Vendo o resultado, sinto que deu supercerto, mesmo a gente n�o se encontrando pessoalmente. Quando der, a gente vai concretizar essa parceria ao vivo.''
A falta do encontro, do contato com ''pessoas estranhas'', como ela diz, foi o principal desafio enfrentado por Mart'n�lia no �ltimo ano. ''Essa coisa de n�o poder encontrar as pessoas � muito chato. Eu gosto de gente, sou carioca, e esse meu jeito n�o rola mais. Gosto de abra�ar e dar beijos. Isso afetou muito a minha alegria.''
Entretanto, no est�dio, foi ''f�cil'' ficar sozinha. O que a cantora sentiu falta foi tudo o que sua m�sica gera. ''Levar amigo para mostrar. Levar o compositor para ver como a m�sica ficou gravada. Depois fazer o show de estreia, com a plateia lotada e todo mundo muito feliz. Eu acho que � isso que ficou faltando ao longo do processo de grava��o.''
Ela sempre termina frases dizendo que ''tudo isso vai passar'', como quem consola a si mesma. �s vezes, quando indignada, ela se contradiz: ''N�o temos ningu�m de respeito encaminhando as coisas, as atitudes, dando o exemplo. Ent�o vai piorando a situa��o. Se depender do governo, a gente est� lascado. Parece que � cada um por si. E eu n�o sou acostumada com isso. Gosto de todo mundo junto''.
Sem sorriso, mas de m�scara
Isolada em casa desde mar�o de 2020, ela, que � s� sorrisos, refor�a a import�ncia do uso da m�scara, mas lamenta o quanto as pessoas ficam ''iguais''. ''Eu vivo do meu sorriso, de abra�o, de beijo. � muito estranho ver todo mundo s� do nariz pra cima. Deu uma igualada. E me lembra os Orix�s, que n�o t�m rosto'', diz.
Al�m das saudades dos amigos e da fam�lia, com quem ela mant�m contato pelas ''telinhas'', Mart'n�lia confessa sentir uma tremenda falta de ''tomar um chope no bar, � toa'', e abra�ar quem ela nem conhece. ''Eu sou uma pessoa que abra�a at� poste. N�o ter esse contato f�sico � estranho. Eu sou acostumada com muita gente, nasci em fam�lia grande. A gente gosta de se aglomerar. Fazer show, eu j� estou com saudades, imagina receber as pessoas depois'', afirma.
Outra coisa que a deixou um pouco desnorteada foi o cancelamento do carnaval neste ano, medida tomada em raz�o da pandemia do novo coronav�rus.
Para se aproximar da festa, Mart'n�lia gravou o samba-enredo ''Sonho de um sonho'', apresentado pela escola de samba Unidos de Vila Isabel, em 1980. Como filha de Martinho da Vila, um dos compositores da m�sica, ela considera o feriado como o mais importante do ano.
''Neste ano, meu pai ia ser homenageado na avenida, ent�o a minha Vila (a escola de samba Unidos de Vila Isabel, do Rio) ia ser mais Vila ainda. A gente ficou sem ch�o. � a fam�lia que a gente espera o ano inteiro para encontrar e dar aquele g�s necess�rio para come�ar o ano'', avalia.
Por conta disso, ela diz estar ''toda confusa'' com datas e preocupada com quem depende do carnaval para sobreviver. ''Ainda bem que n�o teve, mas parece que n�o come�ou o ano. Mesmo que tivesse, eu acho que n�o seria como a gente imagina. A alegria do carnaval tem que ser genu�na, para extravasar mesmo. Ano que vem ou no outro, quando tiver, vai ser um dos melhores da vida. N�o vai ter tumulto, s� vai restar alegria'', prev�.
“Sou assim at� mudar”
.Mart'n�lia
.Biscoito Fino
.R$ 39,80
.Dispon�vel nas plataformas digitais