Uma das mais importantes sambistas brasileiras, Clara Nunes morreu aos 40 anos, em 1983
(foto: Wilton Montenegro/Divulga��o)
Neste 2022, alguns dos maiores nomes da M�sica Popular Brasileira comemoram sua chegada aos 80 anos. Gilberto Gil (26 de junho), Caetano Veloso (7 de agosto), Milton Nascimento (26 de outubro) e Paulinho da Viola (12 de novembro) tornam-se octogen�rios. Eles teriam neste 12 de agosto a companhia ilustre de Clara Francisca Gon�alves Pinheiro, ou simplesmente Clara Nunes, tamb�m nascida em 1942, na cidade mineira de Caetan�polis, que, na �poca, se chamava Cedro e era distrito de Paraopeba, Regi�o Central do estado.
Filha de Am�lia Nunes Gon�alves e Manuel Ara�jo, violeiro conceituado na regi�o, Clara ficou �rf� de ambos logo aos 6 anos. A futura estrela seria criada por dois dos seis irm�os: Jos� Pereira Gon�alves, o Z� Chilau, e Maria Gon�alves da Silva, a Dona Mariquita.
A mineira guerreira s� conquistaria definitivamente o p�blico e a cr�tica depois de se converter ao samba. A guinada ocorreu em seu quarto �lbum de est�dio, “Clara Nunes”, lan�ado pela Odeon em 1971. “A Clara era muito boa-pra�a. Qualquer coisa que voc� colocasse e ela entendesse, ela arrebentava”, recorda Adelzon Alves, jornalista que estreou na produ��o musical precisamente com aquele LP.
Antes, Clara havia sido apresentada como cantora de boleros, g�nero dominante no Brasil da �poca, em “A voz ador�vel de Clara Nunes” (1966), e gravou mais dois discos – “Voc� passa e eu acho gra�a” (1968) e “A beleza que canta” (1969), com valsas e sambas-can��o. Em suma, os tr�s passaram despercebidos pelo p�blico.
Foi a� que surgiu Adelzon, radialista que comandava at� ent�o um programa dedicado ao samba e foi convidado para produzir o �lbum seguinte da cantora. Sua estrat�gia era simples: al�m de contar com sambas na maior parte do repert�rio, Clara deveria incorporar uma est�tica visual afro-brasileira. A inspira��o vinha de uma artista luso-brasileira que, anos antes, fizera sucesso internacional.
Espelho em Carmen
O produtor contou ao Estado de Minas que a inspira��o em Carmen Miranda (1909-1955) foi o ponto-chave para a transforma��o na carreira de Clara. A prova do sucesso definitivo veio ap�s “� baiana”, composta em uma escola de samba carioca. Antes, em 1968, a artista emplacou um primeiro hit eventual, com o samba “Voc� passa e eu acho gra�a” (Carlos Imperial e Ataulfo Alves), num flerte com o g�nero que lhe traria estabilidade na carreira fonogr�fica.
Clara Nunes e o produtor Adelzon Alves, em registro de 1971,
ano de lan�amento do LP "Clara Nunes" (Odeon) (foto: Arquivo JB)
“Eu tinha um projeto de ela fazer, mais ou menos, o que fez Carmen Miranda cantando samba l� fora. A Clara entendeu o projeto, e a gravadora aprovou. Come�amos a grava��o com ‘� baiana’, da escola de samba Em Cima da Hora. Estourou na primeira semana. Seguimos essa linha de samba aut�ntico. Foi o in�cio de uma grande trajet�ria”, afirma Adelzon.
A carreira, de fato, deslanchou. Como a mineira passou a ser prioridade no samba da Odeon, a carioca Beth Carvalho (1946-2019), que tamb�m integrava o elenco da gravadora, se mudou para a Tapecar. Mais tarde, em 1973, Elza Soares (1937-2022) repetiria o caminho trilhado pela conterr�nea.
Da parceria Clara-Adelzon, que em dado momento virou romance, tamb�m sa�ram os discos “Clara Clarice Clara” (1972), “Clara Nunes” (1973) e “Alvorecer” (1974). Com o �ltimo, que tem como carro-chefe “Conto de areia” (Romildo e Toninho), a int�rprete vendeu 312 mil c�pias em um ano, derrubando a cren�a de que mulheres cantoras n�o vendiam discos.
A vendagem fez com que a ex-tecel� de Minas Gerais se tornasse a primeira cantora brasileira a comercializar 100 mil c�pias.
Voz inconfund�vel
Al�m da voz inconfund�vel, a mudan�a no figurino tamb�m foi decisiva para a constru��o da figura em torno da artista mineira. Foi a� que entraram em cena o figurinista Geraldo Sobreira, que projetava trajes inspirados em manifesta��es culturais, como o maracatu, e o cabeleireiro Adevanir Santos, uma das primeiras amizades feitas por Clara em sua chegada ao Rio de Janeiro, em 1965 – depois de viver em Belo Horizonte por oito anos.
“Falaram para ela deixar o cabelo natural e ela disse: 'Voc�s est�o malucos?' Por fim, o 'cabel�o' acabou ficando e hoje � refer�ncia”, comenta o cabeleireiro, relembrando as boas hist�rias ao lado da eterna amiga.
Inaugurado em 2012 em Caetan�polis, o Memorial Clara Nunes exp�e objetos pessoais da artista, com as guias que ela usava em seus shows (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)
Clara Nunes morreu em 1983, aos 40 anos, ap�s complica��es de uma cirurgia para retirada de varizes. O vel�rio foi realizado na quadra da Portela, escola de samba que acolheu Clara desde sua chegada ao Rio. Adelzon comenta a lacuna deixada por sua partida no cora��o dos f�s e tamb�m entre compositores de samba.
“No tempo da Clara, ela era a �nica cantora, coerentemente, cantando m�sica de escolas de samba. Quando ela morreu, os compositores dessas escolas ficaram �rf�os”, argumenta ele, que tamb�m produziu Jo�o Nogueira (1941-2000), Roberto Ribeiro (1940-1996) e Dona Ivone Lara (1921-2018).
Homenagens
O Memorial Clara Nunes, no Centro de Caetan�polis, recebe a exposi��o “Quando eu vim de Minas”, numa refer�ncia � m�sica composta por Xang� (1923-2009). Est�o expostos roupas, trof�us e at� uma mecha de cabelo da cantora.
“A ideia era que ela [exposi��o] tivesse sa�do em 2016. Como n�o obtivemos recursos, a exposi��o ‘Clara mesti�a’ ficou (com a produ��o estagnada) por quatro anos. Acabou que calhou com os 80 anos (de nascimento) da Clara. N�o medimos esfor�os para fazer essa exposi��o”, afirma o curador, Marlon de Souza.
A Prefeitura de Caetan�polis tamb�m homenageia a cantora com a realiza��o da 17ª edi��o do Festival Cultural Clara Nunes, com atividades presenciais e no YouTube “Casa de Cultura Clara Nunes".
A agenda teve in�cio no �ltimo domingo (7/8) e abarca a��es como ateli� ao ar livre e apresenta��es musicais. Nesta sexta (12/8), dia em que Clara Nunes faria 80 anos, quem se apresenta � Diogo Nogueira. O festival prossegue at� domingo (14/8).
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