Fernando Leporace, baixista que faz história na MPB, lança disco solo
Carioca 'ajudou' a canção 'Margarida' derrotar 'Travessia' no FIC, gravou com meio mundo da MPB e foi uma espécie de 'sócio honorário' do Clube da Esquina
Augusto Pio09/01/2023 04:00
O baixista Fernando Leporace, que tocou com meio mundo da MPB, iniciou sua carreira nos anos 1960
(Sérgio Brandão/Facebook)
Fernando Leporace, de 75 anos, fez de tudo um pouco na MPB. Participante do Grupo Manifesto, ele “ajudou” a música “Margarida” derrotar “Travessia”, de Milton Nascimento e Fernando Brant, no Festival Internacional da Canção, em 1967. Tempos depois, gravaria o baixo em “Norwegian Wood”, na versão de Milton para o clássico dos Beatles. Compôs a melodia de “Embriagador”, que deu a Leny Andrade o prêmio de melhor cantora no festival MPB Shell em 1980. Em 1973, participou do disco cult de Toninho Horta, Novelli, Beto Guedes e Danilo Caymmi.
O carioca não chegou a fazer parte do Clube da Esquina, mas quase... Com tamanho currículo, ele lança agora o disco “Fernando Leporace”, com 11 faixas – 10 dele e a outra do pai, Sebastião. Fernando, aliás, faz parte do respeitado clã musical no qual surgiram também as cantoras Marianna e Gracinha Leporace, essa última mulher de Sérgio Mendes.
“O novo álbum traz músicas que eu vinha juntando. Tem coisas que fiz já há algum tempo e outras mais recentes. Há parcerias com Joyce Moreno, Abel Silva, Nelson Wellington, Alberto Chimelli e meu filho Antonio Leporace”, conta Fernando.
Samba e bolero
“Nem telefonei” é o nome do samba composto pelo patriarca. “Tarde dos sabiás”, com letra de Abel Silva, havia sido lançada no disco de Fernando com Maurício Gueiros, de 1986. “Regravei agora, com piano e voz. O resto das canções é inédita”, diz Fernando. “A primeira faixa é um bolero, 'Acontece com quem ama', outra parceria com Abel.”
Na verdade, o bolero está acompanhado da nova versão de “Embriagador”, que, além de premiar Leny Andrade no MPB Shell, deu o troféu de melhor arranjo para Dori Caymmi.
“O novo álbum está nas plataformas e espero fazê-lo também no formato físico. Vou arrecadar algum dinheiro com parte da venda do disco virtual para mandar fazer o CD”, diz.
O álbum traz a participação de Délcio Carvalho, destaca Leporace, citando também “Foi fantasia”, letra dele para a melodia composta pelo pianista Alberto Chimelli. “Um misto de temas inéditos” – é assim que Fernando define seu novo projeto.
Pianista, compositor e arranjador, o carioca participou de discos de muita gente como contrabaixista. “Álbuns solos meus não foram tantos”, comenta.
A carreira dele começou nos anos 1960 com o Grupo Manifesto, com o qual gravou dois elepês. A banda reunia, entre outros, os jovens Gracinha Leporace, Gutemberg Guarabyra, Lucina, Guto Graça Melo e Mariozinho Rocha, que depois se tornaria diretor musical da TV Globo.
“Eu estava com o Manifesto no Maracanãzinho quando ‘Margarida’ venceu o FIC. Até brincava dizendo: esta aí, a gente tem de pedir desculpas por ter ganhado de ‘Travessia’, que ficou em segundo lugar. Mas o povo gostou muito da música e ela acabou vencendo”, diz. A terceira colocada foi “Carolina”, de Chico Buarque.
Fernando Leporace (ao centro) com o grupo Vox Populi nos anos 1970
(foto: Facebook/reprodução)
Leporace integrou o Manifesto de 1967 até meados de 1968, quando o grupo acabou. Em 1969, foi para o México com a banda Vox Populi. “Foi um dos meus primeiros trabalhos como baixista”, relembra.
Quando a banda chegou ao fim, Leporace passou a morar em Los Angeles, onde se apresentava com Chico Batera – instrumentista respeitado, atualmente percussionista de Chico Buarque na turnê “Que tal um samba?”.
No Manifesto, Fernando compunha ao violão e tocava piano. “Nunca havia tocado baixo profissionalmente. Quando voltei de Los Angeles, comecei a trabalhar bastante como baixista. O primeiro disco que fiz tocando o instrumento foi o 'Passado, presente e futuro', de Sá, Rodrix e Guarabyra, lançado em 1972.”
Foi Gutemberg Guarabyra – aliás, o autor da “Margarida” que derrotou “Travessia” – quem convidou Leporace para participar do álbum do trio pioneiro do rock rural.
“Depois, comecei a trabalhar com Edu Lobo, Nana Caymmi, Gal Costa, Joyce Moreno, Caetano Veloso, Fátima Guedes e Ivan Lins, entre tantos outros. O Edu até gravou uma instrumental minha chamada ‘Camaleão’”, diz ele, orgulhoso. Esta faixa, aliás, batizou o disco de Edu lançado em 1978.
Amigo dos mineiros
Na década de 1970, Fernando se enturmou com os mineiros do Clube da Esquina, sobretudo Nelson Angelo e Toninho Horta, que viviam no Rio de Janeiro.
“Chegamos até a formar um grupo. Não um grupo fixo, a gente se encontrava para tocar. Resolvemos fazer apresentações ao vivo – éramos eu, Toninho Horta, Nelson Angelo, Danilo Caymmi e o baterista Rubinho, de BH.”
A partir dali, Fernando fez participações em discos de Milton Nascimento, entre outros “clubistas”. “Às vezes, eu aparecia nas gravações da turma do Clube e acabava gravando algumas coisas. Há uma gravação do Toninho Horta de ‘Manuel, o audaz’ só com ele na guitarra. Fiz vocal lá, algo improvisado.”
No disco lançado por Beto Guedes, Toninho Horta, Novelli e Danilo Caymmi em 1973, pela Odeon, Leporace só não tocou nas músicas de Beto.
“Quem produziu foi o Nelson Angelo. Era legal, porque a turma se encontrava nas casas para tocar. Conheci muita coisa do Clube que ainda estava sendo feita, inclusive pelo próprio Bituca”, revela Fernando Leporace.