“Minas são muitas. Porém, poucos são aqueles que conhecem as mil faces das Gerais.” A frase de Guimarães Rosa é a síntese perfeita da exposição “Rumos de Minas”, que está em cartaz na galeria Mari'Stella Tristão, no Palácio das Artes. 





A mostra, realizada pelo Instituto Periférico e com curadoria de Bellini Andrade, Chico de Paula e Lílian Nunes, traça uma rota passando por 50 cidades mineiras localizadas no circuito “Via da Liberdade” (cidades que integram a rota da BR-040), no intuito de mostrar a mineiridade para além de seus clichês.

A  ideia inicial partiu de Bellini, que percorreu por um ano todos os destinos em busca de manifestações culturais e patrimônios imateriais de cada cidade que não fossem conhecidas da maioria dos mineiros. Além de gravar em vídeo essas manifestações, ele reuniu itens de cada uma dessas tradições para serem incorporados ao acervo do Instituto Periférico.

Estão lá peças como a viola marchetada de Queluz (antigo nome de Conselheiro Lafaiete), os mantos das cavalhadas femininas de Mateus Leme, as cachaças produzidas em Coronel Xavier Chaves, as joias de prata produzidas pelos moradores de Santo Antônio do Leite, as vestes da caretagem dos quilombos de Paracatu, entre outros tantos símbolos.





“Isso é um trabalho de educação patrimonial”, diz Bellini. “Estamos falando do pertencimento das pessoas a esses locais e do que tem na cidade delas”, emenda.

Bellini, no entanto, não quis recorrer a imagens por demais associadas à mineiridade. Não há na exposição nenhuma referência à arquitetura histórica de Tiradentes, às igrejas barrocas de Ouro Preto e nem aos profetas de Congonhas.

Esta última cidade até consta na mostra, mas sob outra perspectiva. “Nós focamos nas quitandas e no chá de Congonha, bem tradicionais na região”, diz o curador.

Fogão de lenha com goiabadas típicas de Ponte Nova, vinho de rosas de Santa Luzia, queca e lamparina fabricadas em Nova Lima

(foto: Leandro Couri/EM/D.A.Press)

Núcleos remetem ao lar e à praça

“Rumos de Minas” foi montada a partir de dois grandes núcleos. Um representa o ambiente interno e o outro representa o externo. O interno está ligado à casa, aos fazeres manuais e à cozinha. É nele que estão reunidas as peças mais pessoais.

Já o núcleo externo está ligado com as tradicionais praças das cidades interioranas, manifestações culturais, paisagens arquitetônicas e naturais. A principal instalação é o “Coreto musical”, uma espécie de tubo comprido na vertical feito por fitas coloridas contendo dentro um tambor.




 
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Toda a mostra é sensorial. O incessante som do cantar de pássaros, da viola e dos repiques dos sinos ajuda a transportar os visitantes para as cidades representadas. Basta fechar os olhos e se sentir em São João del-Rei, Cordisburgo, Paracatu, Andrequicé, ou em tantas outras cidades mineiras.

“Essa sonoridade está presente no cotidiano da gente. A mostra, então, faz a gente ver como patrimônio aquilo que está na cozinha, no quintal de casa ou na estrada”, afirma Chico, um dos curadores.

“É meio como um gesto de Manoel de Barros, se formos pensar bem. É aquele outro olhar para o cotidiano, para as coisas miúdas”, comenta a expografista Ivie Zappellini. 

Ela é a responsável por construir a narrativa que guia a exposição por meio da disposição das obras. E lembra que uma das principais preocupações dela e do grupo curatorial foi transpor para uma galeria de arte o cotidiano das pessoas.





Essas sutilezas do cotidiano, no entanto, podem ser percebidas em detalhes da exposição. No fogão a lenha exposto - típico das casas de famílias rurais -, o visitante consegue ouvir o crepitar do fogo e, num processo de imaginação e auto-sugestão mais profundo, chega até a sentir o cheiro do cafezinho recém-coado.
 
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Goiabada, vinho de rosas e queca

Espalhados em cima da representação do fogão, estão as goiabadas típicas de São Bartolomeu, o vinho de rosas produzido pelas freiras do Mosteiro de Macaúbas em Santa Luzia e a queca e lamparina, dois produtos de culinária tradicionais de Nova Lima, tombados pelo patrimônio local. 

Já no torrador de aço colocado em cima de uma das bocas do fogão está o cuscuz de Padre Viegas, distrito de Mariana. O alimento é tão tradicional no local que, uma vez por ano, é feita a Festa do Cuscuz.





Itens de palha fazem parte da exposição, que foi montada nos eixos "interno" e "externo", em referência ao ambiente doméstico e ao público

(foto: Leandro Couri/EM/D.A.Press)

Pé de galinha

Outro pormenor da mostra são as bases que sustentam as três TVs que transmitem os vídeos a respeito das manifestações culturais. Feitas de ferro, elas têm o formato de pés de galinha.

“São minha paixão. Elas têm nome, tá? A maior chama Fiona e as outras se chamam Juraci e Jurema, são as irmãs mais novas da Fiona”, diz Ivie em tom de brincadeira. 

“Evidentemente, é uma brincadeira, mas eu acho que essas ‘TVs galinhas’ são uma síntese mineira, porque temos algo muito sofisticado, como o barroco, convivendo de igual para igual com os quintais, as galinhas e os demais bichos”, complementa.

Justamente por isso, a expografista costuma falar que “Rumos de Minas” é uma exposição “sobre mineiridade do ponto de vista da cultura popular, mas de uma forma não clichê”.





A mostra conta ainda com dois jogos para entreter os visitantes: uma adaptação do jogo da memória, em que as cartas são as cidades retratadas na mostra com suas tradições culturais, e um jogo de tabuleiro no qual os visitantes vão passando por todas as 50 cidades retratadas.

O grupo já pensa em fazer mais exposições do tipo, com outras cidades mineiras para os próximos anos, mas ainda não sabe por onde começar. 

“Minas Gerais tem 853 municípios. Faltam somente 803 para a gente fazer”, brinca Chico.

“RUMOS DE MINAS”

Exposição com visitação aberta até 21 de maio. Na galeria Mari'Stella Tristão, no Palácio das Artes (Av. Afonso Pena, 1.537, Centro). De terça-feira a sábado, das 9h30 às 21h; domingo, das 17h às 21h. Entrada franca. Mais informações pelo site rumosdeminas.com.br.

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