Baterista belo-horizontino Dedé Sampaio brinca com o aro da bateria no quintal de sua casa, em BH

O mineiro Ded� Sampaio, radicado em Chicago, brinca com sua bateria no quintal da casa da fam�lia, no Bairro Cai�ara, em BH

Alexandre Guzanshe/EM/D.A. Press

Em meados da d�cada de 1950, havia em Congonhas, no interior de Minas, um cego chamado Walter, que andava pelas ruas da cidade com sua gaita de bolso. Quando encontrava local oportuno, pegava o instrumento e come�ava a tocar.


“Era o Jubileu de Congonhas. Meu pai, que era confeiteiro, foi para l� trabalhar e levou a gente junto. Eu sa� andando pela cidade para conhecer, at� que vi um cego tocando gaita. Parei e fiquei olhando ele tocar. Estava chamando a aten��o. A�, vi uma caixa de banana perto, fui at� l�, peguei a caixa, sentei ao lado do Walter com duas tampinhas na m�o e comecei a batucar. Eu batia as tampinhas na caixa e ainda raspava meu calcanhar nela para fazer outro barulho. O ceguinho ouviu aquilo e, animado, fez um ‘tinindo’ para que eu continuasse tocando”, lembra Ded�.
 

Aos 76 anos, ele coleciona na mem�ria casos e situa��es inusitadas em sua carreira de baterista radicado nos Estados Unidos. J� tocou com Alcione, Maysa, Cauby Peixoto e – aquele que lhe d� mais orgulho – Miles Davis, um dos mais influentes m�sicos do mundo.

 

Baterista Dedé Sampaio segura berimbau e sorri em frente à bateria e equipamentos de percussão

Ded�, nos Estados Unidos, com o berimbau e sua 'cozinha' percussiva

Reprodu��o/Site oficial
 

Com Sinatra e Elizabeth Taylor

Desde que se mudou para Chicago, no in�cio da d�cada de 1970, Ded� tamb�m se apresentou com m�sicos locais e para um p�blico incomum – Frank Sinatra e Elizabeth Taylor foram algumas das personalidades que o viram no palco.

“Certo dia, recebi uma liga��o de um produtor  propondo que eu tocasse numa recep��o para 50 pessoas, sendo que o mais importante convidado era Frank Sinatra. Aceitei na hora. Come�amos a tocar e a� teve um intervalo. Quando sa� do palco para pegar �gua e ir ao banheiro, cruzei com o Frank Sinatra. Ele olhou para mim e perguntou: ‘� voc� o brasileiro que est� tocando aqui?’”, conta Ded�.

“Eu fiquei sem rea��o, mas consegui responder que sim, era o brasileiro da banda. Ele achou fant�stico, disse que tinha acabado de chegar do Brasil e que tinha tentado ligar para o Tom Jobim, mas n�o havia tido resposta. A� eu falei com ele: ‘Poxa, Frank, perdoa o Jobim, ele � um cara muito ocupado, provavelmente estava ocupado na casa dele em Petr�polis". Eu salvei o Jobim, n�?”, diverte-se o baterista.

A aproxima��o que Ded� sugeriu ter com Tom garantiu a ele um convite para se sentar � mesa de Sinatra. Papo vai, papo vem, Ded� tomou coragem e disse: “Frank, eu trouxe umas capas (de discos) e queria saber se voc� assinaria”.

“Ele aceitou, a� eu aproveitei. Pedi dedicat�ria para minha sogra, para meu filho, minha esposa e para mim, claro. N�o � que aluguei o cara, mas � a oportunidade que apareceu ali para mim. Afinal, no dia que recebi a proposta de tocar no local, eu tinha perguntado ao produtor se poderia levar umas capas para o Frank Sinatra assinar”, relembra.
 

Bumbo furado

Despojado e extremamente divertido, Ded� recebeu a reportagem do Estado de Minas na casa onde cresceu, no Bairro Cai�ara. “N�o gosto de entrevistas por telefone, porque � muito r�pido, n�o d� para a gente falar tudo o que gostaria”, explica..

O local n�o foi escolhido ao acaso. � l� que ele protagonizou cenas que hoje guarda com carinho na mem�ria, como o dia em que furou o bumbo de couro da bateria de tanto tocar, ou quando ficou meses sem tocar o instrumento como castigo porque tinha tirado nota baixa na escola.

Embora tenha sido introduzido ao mundo da percuss�o pelos irm�os – sobretudo por Juarez, o mais velho –, Ded� diz que se trata de interesse nato, afinal ele nasceu em uma ter�a-feira de carnaval. “Eu j� sa� batucando”, brinca ele.

Com cerca de 13 anos, ele entendeu que, de fato, queria ser m�sico profissional e se dedicou ainda mais ao instrumento. Inicialmente, tocou nos carnavais promovidos pelo Clube Sparta. Depois, foi baterista da banda do programa “Roda gigante”, da TV Itacolomi, e em seguida montou a banda Baby Looney, com a qual desfiava repert�rio dos Beatles.

Aos 18, Ded� foi convidado para integrar o grupo Teenagers, do qual tamb�m fazia parte o m�sico Telo Borges. A banda, no entanto, se desmembrou, sobrando apenas baixo, bateria e piano.

O trio passou a fazer apresenta��es nos mais diversos lugares. Entre eles, a boate Sucata, um dos prost�bulos famosos da �poca.

“Depois da Sucata, comecei a tocar com as orquestras de Belo Horizonte. Toquei com quase todas, acompanhando Greg�rio Barrios, Marisa Gata Mansa, Dick Farney e, se n�o me engano, Em�lio Santiago”, afirma.
 

'O sobrinho do Miles � um grande amigo meu. Ele tem uma banda chamada Miles Davis Electric Band e eu estou nela. Estamos com um projeto para o ano que vem de vir para Belo Horizonte, S�o Paulo, Rio de Janeiro e Bahia'

Ded� Sampaio, baterista

 

Rosa para Sarah 

J� com experi�ncia, Ded� foi chamado para tocar por seis meses na �frica do Sul. A banda era formada por baixo, bateria, piano, saxofone, percuss�o (todos instrumentistas mineiros) e um cantor do Rio de Janeiro. Por 15 dias, o grupo abriu os shows de Sarah Vaughan.

"Certa vez, eu estava indo tocar no show e vi uma rosa no meio do caminho. Peguei a flor e continuei andando. Quando cheguei, dei a rosa para a Sarah. O show inteiro ela cantou com a rosa na m�o. Isso para mim foi a gl�ria”, revela o baterista.

Passados os seis meses na �frica do Sul, Ded� retornou ao Brasil. Contudo, mal sabia que voltaria a morar no exterior pouco tempo depois. Um amigo, tamb�m percussionista, havia se mudado para os EUA e l� indicou o nome de Ded� para um m�sico que estava precisando de um baterista.

O m�sico em quest�o era Breno Sauer, do Breno Sauer Quinteto. Ele era mais um dos brasileiros que foram tentar fazer carreira na gringa, nos anos 1970.

Depois de escutar fitas cassetes de Ded�, Breno convidou o baterista para fazer parte de sua banda, arranjou passaporte de trabalho para ele e o acolheu em  casa. “Se n�o fosse o Breno, eu n�o estaria aqui sentado conversando com voc�”, reconhece Ded�.

A banda formada com o amigo brasileiro, no entanto, durou at� a entrada da d�cada de 1980, quando os EUA passaram por um longo per�odo de instabilidade econ�mica. Assim, Ded� recorreu aos comerciais. Gravou jingles e efeitos sonoros para as propagandas.

Com Miles e sua turma

Uma das propostas que Ded� recebeu foi do diretor musical de Miles Davis, Robert Irving III. O convite n�o era para o baterista gravar com a lenda do jazz, e sim para participar da grava��o de um CD do pr�prio Robert.

“Ele gostou do meu trabalho e depois me chamou de novo para outros projetos. A�, certo dia, ele me ligou dizendo que tinha a proposta de um trabalho com Miles Davis. Eu n�o acreditei”, afirma.

Ded� tocou com Miles, gravou um disco das apresenta��es e ainda saiu em turn� com Wallace Roney, o �nico aluno do c�lebre jazzista norte-americano.
 
Em Belo Horizonte para curtir a fam�lia, Ded� revela que em 2024 os planos s�o outros.

“O sobrinho do Miles � um grande amigo meu. Ele tem uma banda chamada Miles Davis Electric Band e eu estou nela. Estamos com um projeto para o ano que vem de vir para Belo Horizonte, S�o Paulo, Rio de Janeiro e Bahia para tocar m�sicas do Miles. Sei que a log�stica � complicada, mas � algo que queremos muito fazer”, conclui.