O ator Joaquin Phoenix com expressão assustada em cena de 'Beau tem medo'

A �tima atua��o de Joaquin Phoenix n�o � capaz de superar as fragilidades do filme, como a falta de coes�o do conjunto

Diamond Films/Divulga��o

"Beau tem medo" � um filme cheio de ideias. A primeira delas por ordem de entrada n�o � t�o original, mas tem sua gra�a.

Beau, vivido por Joaquin Phoenix, est� no consult�rio do seu psiquiatra, dubl� de analista. Este lhe pergunta sobre a visita que far� hoje � tarde � sua m�e. Beau esbo�a uma resposta do tipo "hoje eu tive um sonho". O psic�logo corta sua palavra: "N�o vamos nos dispersar!".

A ideia � clara: mais de 110 anos depois da visita de Freud e disc�pulos aos EUA, est� claro que a psican�lise n�o deu certo daqueles lados. Ou: onde j� se viu algum analista no mundo cortar algu�m que pretende narrar um sonho para "n�o dispersar" ou algo assim?

N�o � de espantar que Beau esteja no estado miser�vel em que est�.

Em seguida, outra boa ideia: Beau � jogado num mundo talvez absurdo. Ali, um adolescente aponta seu celular para um arranha-c�u de onde um homem amea�a se jogar. Beau pergunta o que as pessoas fazem ali. O rapaz responde: "Estamos tentando fazer ele se jogar de l�".

Em seguida, Beau chega � sua vizinhan�a, onde pessoas correm enlouquecidas, esfaqueiam gente, atiram � toa, invadem casas, apedrejam pr�dios etc. Em s�ntese, um mundo absurdo, desenhado � perfei��o para a sobreviv�ncia dos mais fortes. Um mundo nem t�o diferente do nosso, j� se v�.

Fuga

Mas, assim como abandonou a primeira ideia – a psican�lise – , o diretor Ari Aster deixa de lado a segunda, a de um mundo que n�o faz sentido e no qual, ali�s, Beau acaba atropelado numa de suas in�meras fugas – fugir � o que sabe fazer.

Desperta em um outro mundo, limpo, arrumado, acolhedor. Ali est�o as pessoas que o resgataram: uma mulher �s voltas com mercado de capitais e um m�dico habil�ssimo, que o operou e o salvou.

Olhamos para a cara do m�dico. N�o, algo est� errado. Logo saberemos. As paredes da sala s�o cobertas por fotos do filho, morto na invas�o � Venezuela [sic]. Uma filha aparece e acusa Beau de roubar-lhe o quarto. H� um maluco que mora ao lado, enlouqueceu na guerra na Venezuela. Pode soltar bombas, atacar algu�m, dar tiros. Era amigo do filho. Agora � protegido da fam�lia.

Ou seja, estamos na loucura da guerra. O tema � menos vasto do que o anterior, n�o diz respeito a todos n�s, mas, em particular, aos americanos e seu pendor para as guerras – e esquizofrenias conexas.
 

Logo Aster tamb�m abandonar� essa ideia, mas a penosa jornada de Beau prosseguir�. Haver� uma floresta onde se perde, uma estranha comunidade hippie que o acolhe, um teatro onde, a rigor, o drama de Beau � representado para si mesmo. Outra ideia simp�tica surge no meio disso: a mistura, em dado momento, entre anima��o e figuras humanas.

Tamb�m isso passa. Vamos em frente. Para n�o estragar o desprazer das surpresas que o filme ainda pode proporcionar, vamos resumir as coisas assim: Beau � judeu, Wasserman � seu sobrenome. Como tal, tem uma m�e judia, "iidishe mame", como se diz.
 
 

M�e

Pode-se, portanto, resumir o que vem com o "mot d’esprit" judaico. A pergunta �: qual a diferen�a entre uma m�e italiana e uma m�e judia? A m�e italiana diz ao filho: "Se voc� n�o comer, eu te mato". A m�e judia, ao contr�rio, diz: "Se voc� n�o comer, eu me mato". Ou seja, a ideia � que a m�e judia, em seu infinito amor, trocaria a amea�a f�sica por uma incontorn�vel chantagem emocional.

Esse r�pido e inspirado di�logo resume, em todo caso, o esp�rito do intermin�vel – a dura��o � de tr�s horas –, por vezes simp�tico e sempre est�ril desse "Beau tem medo", que confirma a tend�ncia de Aster a ter ideias interessantes, � vezes originais – por exemplo, o terror diurno de "Midsommar" – e a n�o saber muito bem o que fazer com elas.

E Joaquin Phoenix? N�o ajuda? Ele � um �timo ator, afinal.

A� est� o problema: Phoenix � magistral, mas de um modo espec�fico. � o sujeito que se entrega e d� tudo pelo papel que est� fazendo. Se o papel lhe retribui, se � t�o bom – ou quase – quanto ele, Phoenix empurra o filme para cima com sua arte.

Quando isso n�o acontece, fica uma interpreta��o solta no ar, desamparada como Beau, e como ali�s uma s�rie de outros elementos apreci�veis no filme, mas que n�o conseguem formar um conjunto.  

“BEAU TEM MEDO”

(Estados Unidos, 2023, 179 min.) Dire��o: Ari Aster. Com Joaquin Phoenix, Parker Posey, Nathan Lane. Em cartaz no Cinemark P�tio Savassi (Sala 6, 20h35),  Cineart Ponteio (Sala 3, 15h e 19h40) e UNA Cine Belas Artes (Sala 2, 20h10). Classifica��o: 18 anos.