A artista carioca Ana Frango El�trico afirma que "Mulher homem bicho", composi��o de Ava Rocha que abre o disco, traduz exatamente o que ela queria dizer
Hick Duarte/Divulga��o
O nome da cantora carioca Ana Frango El�trico foi pixo antes de estampar capas de �lbuns. A alcunha animalesca surgiu como uma brincadeira com o sobrenome de Ana Faria Fainguelernt, mas, desde que saiu dos muros do Rio de Janeiro para batizar a artista, o termo carregava inten��es mais profundas.
"Sempre caem no lugar �bvio do sobrenome, da piada, e n�o compreendem mais os s�mbolos, o que ele quer dizer", ela diz. Tamb�m cantora, Ava Rocha foi quem teve essa compreens�o mais ampla, traduzida numa composi��o —"Mulher homem bicho"—, que Ana gravou em 2020 e acabou sendo a semente de seu novo �lbum, "Me chama de gato que eu sou sua".
Inteiramente produzido pela artista, o disco retrata romances em que as identidades de g�nero s�o borradas, mais preocupado em mostrar essa fluidez —ou "confus�o", nas palavras da cantora— do que em encontrar defini��es. Esteticamente, embaralha refer�ncias cl�ssicas e alternativas numa esp�cie de nostalgia atemporal que ela refina desde seu primeiro trabalho.
Ana surgiu para o mundo da m�sica em 2018, com o curto mas instigante "Morma�o queima". Ana ainda cursava pintura na Universidade Federal do Rio de Janeiro quando gravou o primeiro �lbum. "Tinha mais a ver com pintura e com poesia do que com m�sica", ela diz. "Eu n�o tinha refer�ncias, n�o sabia que tipo de m�sica queria fazer. Era o processo."
A partir dali, passou a se interessar por produ��o musical. Em seu segundo disco, "Little electric chicken heart" (2019), trabalhou de maneira mais aut�ntica os timbres e a sonoridade org�nica de banda, dialogando com o rock e a m�sica brasileira com uma pegada retr�.
"Esse disco j� vem com uma pesquisa. J� estou pensando no ponto de chegada, no que eu quero do �lbum", ela diz. "Tem a vontade de me afirmar tamb�m. Antes, era um lugar mais antagonista, pensava ‘n�o sou isso’, ‘n�o estou fazendo m�sica’."
Atributos
Hoje, ela admite que faz m�sica, mas se diz artista de maneira mais gen�rica e considera que cantar � apenas um de seus atributos, como compor, tocar instrumentos e, principalmente, produzir os discos. Esse �ltimo aspecto, ali�s, � o que ela mais destaca em "Me chama de gato que eu sou sua".
O novo trabalho come�a com a composi��o de Ava Rocha. "Com ‘Mulher homem bicho’, no que ela escreve, ela saca o que quero dizer", diz Ana. "O disco come�a ali —o assunto dele. Ela traduz o que eu quero dizer com Ana Frango El�trico de um jeito que ningu�m nunca entendeu."
O assunto, diz a artista, � "um processo, de confus�o, autoteoria e micromuta��o". "Por mais que o t�tulo seja explicativo, o disco � sobre uma interroga��o, um processo pessoal que n�o chega a lugar nenhum e fala sobre g�nero de uma forma subjetiva", diz. "Ele est� a� mais para confundir."
Al�m do tema, a can��o de Ava Rocha introduziu uma pr�tica do disco —a abertura para letras escritas por outros compositores. A �nica faixa escrita somente por Ana � a mais rom�ntica de todas, "Insista em mim". Mas, assim como "Mulher homem bicho", as composi��es alheias acabam revelando mais da personalidade de Ana do que sua pr�pria caneta havia sido capaz. "� um disco que, por n�o ter tanto eu, de alguma forma � o que mais fala de mim."
Sonoramente, o �lbum faz refer�ncias ao passado em diferentes cronologias e geografias. Vai de Michael Jackson e Curtis Mayfield, ela diz, ao city pop japon�s, passando por MPB, m�sicas brasileiras com destaque para sons de teclado Moog e o soul nacional de Cassiano, entre muitas outras.
� um estilo de cria��o de recortes, t�pico da gera��o da artista, que cresceu ouvindo m�sica de todas as �pocas e de v�rios lugares do mundo sem distin��o, pela internet. No entanto, ela n�o usa samples, mas re�ne as refer�ncias como ideias para reinvent�-las com os m�sicos em est�dio.
Al�m do selo brasileiro, o Risco, o novo disco sai tamb�m por uma gravadora inglesa, Mr. Bongo, e outra japonesa, a Think! Records. Ana desperta o interesse do exterior por sua m�sica particular, tanto que ela n�o gosta de se definir pelo que � chamado de "nova MPB".
"Me identifico com novas proposi��es est�ticas, independentemente da sonoridade. Algo que tem mais a ver com globalidades, est�ticas pop mesmo que a m�sica n�o seja pop", ela diz. "N�o me identifico com a 'nova MPB'. Fa�o can��o com instrumental org�nico, mas acho que rompo com coisas cl�ssicas. Se voc� ouve as letras, fica claro que estamos em 2023 —e neste disco mais ainda."
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