
Neste 17 de agosto, quando se completam 30 anos da morte de Carlos Drummond de Andrade, um evento em BH celebra a vida, a amizade e o amor do poeta pela literatura. Tudo isso est� presente no livro Descendo a Rua da Bahia (Bazar do Tempo), que re�ne a correspond�ncia de Drummond (1902-1987) com o memorialista e m�dico Pedro Nava (1903-1984), companheiros no Grupo do Estrela. Esse n�cleo modernista era formado por jovens literatos que se reuniam no famoso Caf� Estrela na BH dos anos 1920.
Com direito a sarau, o lan�amento do livro, no Museu Inim� de Paula, vai reunir as organizadoras da publica��o, Eliane Vasconcellos e Matildes Demetrio dos Santos, o escritor Humberto Werneck, que prepara biografia de Drummond para 2018, Joaquim Nava e Angelo Oswaldo, secret�rio de Estado da Cultura.
“O ineditismo e a riqueza da iconografia e das notas s�o o grande qu� do nosso livro. Al�m de dados sobre os dois, ele traz informa��es sobre o momento hist�rico em que eles viveram”, comenta Eliane Vasconcellos.
Humberto Werneck, que assina o posf�cio, ressalta o papel da correspond�ncia de intelectuais para a cultura brasileira. “A troca de cartas sempre foi, entre escritores, uma pr�tica muito enriquecedora. Basta ver a correspond�ncia de M�rio de Andrade com Carlos Drummond de Andrade e tantos outros surgidos depois da Semana de 22. Para n�o falar no monumento da cultura brasileira que � a correspond�ncia trocada por M�rio e Manuel Bandeira”, observa o jornalista e escritor.
Para ele, as redes sociais n�o substitu�ram essa rica rela��o. “O que tenho visto ali, na maioria dos casos, s�o interven��es menos pensadas e aprofundadas. Em geral se bate meio de primeira. H� exce��es, insisto, mas o panorama me parece ser esse”, observa Werneck.
Professor de teoria da literatura da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Roberto Said estudou a rela��o entre Pedro Nava e Drummond, “dois jovens incendi�rios na BH dos anos 1920”. Ele observa que a amizade uniu colegas tanto de leitura quanto de farra.
“As mem�rias do Pedro contam as aventuras dos dois na parte nobre da cidade, nos caf�s, nos meios intelectuais, mas tamb�m nas partes baixas, na zona bo�mia, nos cabar�s, nas casas de prostitui��o. Foram jovens bastante rebeldes, ir�nicos. Colocavam fogo nos bondes, subiam no arco do viaduto (Santa Tereza), iam a com�cios pol�ticos vaiar os l�deres do Partido Republicano”, lembra o professor. “Eram jovens da p� virada, botavam a cidade de pernas pro ar.”
Quando Nava se matou, em maio de 1984, Drummond dedicou-lhe o belo poema A um ausente: “(...) Tenho raz�o para sentir saudade de ti,/ de nossa conviv�ncia em falas camaradas,/ simples apertar de m�os, nem isso, voz/ modulando s�labas conhecidas e banais/ que eram sempre certeza e seguran�a./// Sim, tenho saudades./ Sim, acuso-te porque fizeste/ o n�o previsto nas leis da amizade e da natureza/ nem nos deixaste sequer o direito de indagar/ porque o fizeste, porque te foste.”
Tr�s anos ap�s a morte do amigo, o cora��o do poeta parou de bater. Motivo: desgosto. Um infarto do mioc�rdio levou Drummond 12 dias depois de ele perder a filha �nica, Maria Julieta, v�tima de c�ncer. Deixou como heran�a para os brasileiros 34 livros de poesia, 19 de prosa e quatro infantis.
INFLU�NCIA Para Humberto Werneck, o legado do poeta itabirano � imensur�vel. “Com o perd�o da obviedade, o seu lugar na literatura brasileira � alt�ssimo. Passo ao largo da preocupa��o meio ociosa dos p�dios liter�rios, da disputa para emplacar o campe�o e o vice. Apenas constato que muito do que Drummond criou segue sendo influ�ncia poderosa para quem escreve e farol para qualquer pessoa inteligente e sens�vel. N�o socorre apenas os poetas em forma��o. Para muita gente, e estou nesse vasto time, a poesia de Drummond � luz e consolo para al�m da literatura”, afirma.
Werneck sa�da autores contempor�neos que, como Drummond, dedicam-se � poesia. “N�o me parece haver contrastes not�veis, no sentido de rupturas, como aquela que o Modernismo significou. Vejo frescor no que produzem Ana Martins Marques e Carlito Azevedo, para mencionar dois grandes, e os vejo tamb�m inseridos na tradi��o da melhor poesia brasileira. Aben�oados estes tempos em que � t�o f�cil publicar. Jovens autores j� n�o t�m como �nico caminho a longa e penosa espera nas editoras. Hoje, basta postar. Para o bem e para o mal... O que conta � o que se produz, n�o � mesmo? Uma coisa n�o mudou: os verdadeiramente bons, por exemplo, Ana Martins Marques, s�o minoria �nfima. Como no poema de Drummond: ‘Passam g�nios talvez entre as ac�cias’”, diz o jornalista.