
Lan�ada em 1968, a Obra po�tica de Vinicius de Moraes (1913-1980) buscava reunir a quase totalidade da escrita produzida pelo autor at� ent�o, mas o volume seguia uma cataloga��o que rompia com a cronologia, ainda que tomasse por base uma certa ordem temporal da escrita. Assim, destacavam-se arranjos geogr�ficos, que associavam poemas a algumas cidades onde viveu o poeta, como Los Angeles, Paris e Montevid�u.
A op��o provocava uma lista de problemas, como omiss�es ou desvaloriza��o de trabalhos grandiosos, o que s� foi ajustado em 2004, com o lan�amento de Poesia completa e prosa (Nova Aguilar), sob a coordena��o de Eucana� Ferraz. � dele tamb�m a organiza��o do box lan�ado agora pela Nova Fronteira, Vinicius de Moraes, continua��o do primeiro trabalho e que re�ne (em dois volumes) toda a sua produ��o em m�sica, poesia, prosa e teatro.
Estabelecida, portanto, a magn�fica escrita de Vinicius em ordem cronol�gica, � poss�vel notar com mais clareza sua evolu��o e, principalmente, como o poeta passou de uma evidente preocupa��o religiosa no in�cio da carreira para temas mais mundanos, como o cotidiano das pessoas e, principalmente, as rela��es amorosas.
“A obra de Vinicius de Moraes � um longo aprendizado do amor”, escreve Eucana� na introdu��o de outra obra organizada por ele, Todo amor, lan�ada pela Companhia das Letras. “Em seus primeiros livros, a tem�tica amorosa viu-se emba�ada pela religiosidade do jovem atormentado por sentimentos e desejos que traziam consigo a n�doa do pecado. Ot�vio de Farias referiu-se a esse momento de poesia de Vinicius como o de uma luta entre a pureza imposs�vel e a impureza inaceit�vel. Foi aos poucos que o poeta conquistou maturidade e desenvoltura nos planos afetivo e est�tico.”
ESTILOS De fato, a passagem do “sublime” ao “cotidiano” – como bem lembrou o cr�tico Carlos Felipe Mois�s no volume que organizou para a saudosa cole��o Literatura Comentada, da Editora Abril – n�o se fez de uma hora para a outra, mas “corresponde a um percurso acidentado, cheios de idas e vindas, repartido em m�ltiplos atalhos, que s�o os v�rios temas, estilos e dire��es tentados pelo poeta”.
Ele lembra, por exemplo, que logo em seu primeiro livro, O caminho para a dist�ncia (1933), Vinicius revela sua preocupa��o religiosa sob a forma de uma intensa ang�stia. “Uma consci�ncia torturada pela precariedade da exist�ncia e, por isso, lan�ada na busca ansiosa de uma supera��o pela transcend�ncia m�stica, o ‘sublime’. Some-se a isso o sentimento do pecado, um constante interrogar-se e o desejo de autopuni��o e estar� explicado o porqu� do desconsolo e do desespero”, observa Mois�s.
O livro seguinte, Forma e exegese (1935), revela uma mudan�a de perspectiva do poeta, com os versos ganhando liberdade expressiva e, principalmente, em extens�o. Tamb�m a mulher come�a a merecer o foco de Vinicius, passando a ocupar um lugar primordial em sua poesia.
“A partir das Cinco elegias (1943), dois recursos b�sicos ser�o convocados por Vinicius de Moraes no sentido da definitiva supera��o da fase inicial”, comenta Mois�s. “De um lado, o apelo ao cotidiano, � (aparente) banalidade da exist�ncia di�ria, como fontes de motivos e inspira��o; de outro, a linguagem coloquial, enxuta, mais simples e direta, em que a espontaneidade ser� um triunfo imediato e n�o um �rduo resultado obtido atrav�s do esfor�o ret�rico e teatral.”
� o momento em que a po�tica de Vinicius pousa em solo firme, solidificando seu aspecto humanista por meio do verso curto, do uso do humor e da ironia, que v�o facilitar ainda mais a identifica��o com seu p�blico. � tamb�m quando o amor come�a a se expandir entre as m�tricas, atingindo a plenitude que transformou V
“Nos versos do primeiro Vinicius, o amor � exaltado com vocabul�rio nobre e imagens nebulosas; surge distante das experi�ncias mais ch�s e da linguagem do dia a dia, ou, ao contr�rio, mostra-se deca�do por sua pureza aviltada”, nota Eucana� em Todo amor. “Adiante, o poeta mais bem formado consolidaria uma escrita em que o amor baixa � esfera comum das viv�ncias cotidianas, da express�o coloquial, numa manobra em dire��o � express�o mais direta, mais simples; a trama afetiva, por sua vez, adensa-se, marcada agora por erotismo e for�a intuitiva, leveza e naturalidade, �nimo humor�stico e pot�ncia subversiva.”
Como exemplos, Eucana� lembra dos sonetos, como os c�lebres Soneto de fidelidade, Soneto do maior amor e Soneto da separa��o. A musicalidade de sua poesia conduziu Vinicius naturalmente para as parcerias com cancioneiros c�lebres, como Baden Powell, Toquinho e, claro, Tom Jobim. O resultado s�o m�sicas que se tornaram cl�ssicas gra�as ao talento do poeta em sintonizar sua sensibilidade pessoal com a coletiva. “O Vinicius-compositor brotou naturalmente do Vinicius-poeta”, atesta Carlos Felipe Mois�s.
� curioso notar como o artista observava o pr�prio trabalho. Em Sobre poesia, publicado no livro Para viver um grande amor , Vinicius observa que, para o burgu�s comum, a poesia n�o se pode pendurar na parede, colocar no jardim, p�r no toca-discos ou mesmo encenar como um roteiro cinematogr�fico – “A maior beleza dessa arte modesta e heroica talvez seja a sua aparente inutilidade”, escreve. “Isso d� ao verdadeiro poeta for�as para jamais se comprometer com os donos da vida. Seu �nico patr�o � a pr�pria vida: a vida dos homens em sua longa luta contra a natureza e contra si mesmos para se realizarem em amor e tranquilidade.”

VINICIUS DE MORAES - BOX COM 2 VOLUMES
• Organiza��o: Eucana� Ferraz
• Editora: Nova Fronteira (1.232 p�gs.)
• Pre�o sugerido: R$ 129,90