Como c�rebro do Planejamento, no governo JK, em encontro com o ent�o presidente dos EUA John Kennedy e com Tancredo Neves (abaixo), do qual seria ministro da Cultura (foto: Arquivo EM/D.A Press - 20/7/1983)
Economista, criador da Sudene, ministro do Planejamento antes da ditadura e da Cultura ap�s a redemocratiza��o, Celso Furtado n�o � apenas um personagem importante na hist�ria do Brasil, mas tamb�m algu�m que ajuda a cont�-la. Ao longo de 65 anos, entre 1937 e 2002, ele registrou reflex�es, relatos, ensaios, arriscou romances e deixou um enorme legado textual particular, que vem a p�blico agora pelo trabalho da jornalista e escritora Rosa Freire D'Aguiar, com quem foi casado de 1978 at� sua morte, em 2004. Em Di�rios intermitentes de Celso Furtado, lan�ado neste m�s pela Companhia das Letras, a vi�va do primeiro estrangeiro a assumir a c�tedra de professor na Universidade de Paris organiza esses arquivos, construindo uma biografia intimista a partir dos pensamentos registrados manualmente por ele.
“Celso n�o foi propriamente um ‘diarista’. N�o era algu�m que chegava em casa e ia escrever. Isso n�o era corrente, ele n�o tinha continuidade nos di�rios que escrevia, por isso o t�tulo ‘intermitentes’”, resume a autora, que vasculhou dezenas de cadernos do marido – segundo ela, muitos deles inacabados, mas de grande valor. Os manuscritos incluem desde pensamentos idealistas de um jovem paraibano, ainda aos 18 anos, sobre a hist�ria do Brasil que gostaria de escrever, at� registros de sua atua��o pol�tica, criando a Superintend�ncia de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) no governo de Juscelino Kubitschek (1956/61), assumindo o Minist�rio do Planejamento, em 1962, sob presid�ncia de Jo�o Goulart, e o da Cultura, em 1986, quando Sarney foi eleito ap�s o fim da ditadura militar. Tamb�m aborda os anos no ex�lio e a not�vel carreira acad�mica como professor de desenvolvimento econ�mico na Universidade Paris-Sorbonne.
“Ele podia passar dois meses sem pegar no di�rio, mas era um modo de falar consigo, mesmo diante de certas perplexidades, dificuldades na vida corrente e certos obst�culos na luta pol�tica”, afirma Rosa D’Aguiar. Ela destaca em especial tr�s recortes hist�ricos � luz dos registros reunidos no livro. O primeiro, relacionado � implanta��o da Sudene, no fim dos anos 1950. “Dar novas estruturas ao Nordeste era uma batalha, especialmente no Congresso, numa configura��o muito diferente da de hoje”, comenta Rosa, que ainda cita a redemocratiza��o, nos anos 1980, na qual “ele n�o era da luta pol�tica partid�ria, mas dava o apoio de pensamento”. Est�o retratados, al�m disso, o processo de cassa��o do cargo no Minist�rio do Planejamento e o ex�lio ap�s o golpe militar de 1964. “Foi algo que mexeu muito com ele, e o fez acreditar, de certa forma, que a gera��o dele tenha fracassado por ver tudo pelo que lutaram dar lugar �quele outro projeto de pa�s imposto pelos militares”, afirma.
O per�odo fora do pa�s proporcionou uma trajet�ria destacada na universidade francesa, por seus pensamentos a respeito do desenvolvimento econ�mico da Am�rica Latina. Parte dos registros tamb�m remete a isso. “Al�m do grande papel no Brasil, ele foi um grande ator l� fora. Ensinou economia latina durante 20 anos na Sorbonne. Foram centenas de alunos, literalmente. Era um intelectual muito requisitado, protagonista como docente. Mas, sobretudo, um observador das coisas, via alguma cena e teorizava aquilo, cristalizando em forma de texto”, descreve Rosa.
(foto: H�lio Passos/O Cruzeiro/Arquivo Estado de Minas - 1/12/1961)
BALAN�O DE VIDA
Al�m de documentar a trajet�ria profissional, a cole��o de relatos pessoais evidencia o aspecto que mais notabilizou Celso Furtado: seu pensamento. A autora enfatiza que parte dos textos representa “balan�os que ele faz de sua pr�pria vida”. “Ainda muito jovem, voltando da Segunda Guerra, com 25 anos, ele escreve sobre o que seria de seu futuro. J� formado em direito, descobre que n�o quer seguir carreira de advogado e magistrado. Ali ele j� diz querer estudar as ci�ncias sociais, a economia e pensar o Brasil, para superar os graves problemas do pa�s”, revela. A curadoria feita por Rosa ainda abarca tentativas de incurs�o dele na literatura, com esbo�os de romances que ele gostaria de ter publicado. “N�o s�o desenvolvidos, mas h� personagens e a ideia central”, diz.
“� um livro mais �ntimo do Celso, com toda certeza. Ele escreveu mem�rias, tr�s volumes autobiogr�ficos, editados tamb�m pela Companhia das Letras, com t�tulo de obra autobiogr�fica, mas que falam pouco dele pr�prio. Nesse aqui, s�o di�rios que nunca seriam publicados por ele. V�rios ele nem sabia que tinha, mas nos quais ele se revela muito. Publicar o di�rio de algu�m � sempre um risco, um campo �ntimo, mas mesmo se abrindo prevalecem reflex�es mais intelectuais do que de admira��o ou raiva. Ele n�o estoura por ningu�m”, interpreta Rosa D’Aguiar, que desenvolveu o projeto mirando o centen�rio do nascimento de Celso Furtado, no ano que vem. Al�m do livro j� lan�ado, ela trabalha em outra publica��o, reunindo o conte�do de cartas que ele recebia e enviava, especialmente durante sua atividade acad�mica.
Sempre Um Papo com Rosa Freire D'Aguiar, Jo�o Ant�nio de Paula e Angelo Oswaldo
Ter�a-feira, 22 de outubro, �s 19h30, na Sala Juvenal Dias do Pal�cio das Artes (Avenida Afonso Pena 1.537, Centro). Entrada gratuita. Mais informa��es: (31) 3261-1501 e www.sempreumpapo.com.br.
(foto: O Cruzeiro/Arquivo Estado de Minas - 14/7/1961)
Obra vista como legado
Na pr�xima ter�a-feira (22), Rosa D'Aguiar falar� sobre o livro no programa Sempre Um Papo, na Sala Juvenal Dias, no Pal�cio das Artes. Estar�o presentes na conversa o prefaciador da obra, Jo�o Ant�nio de Paula, e tamb�m Angelo Oswaldo, que atuou como chefe de gabinete de Furtado no Minist�rio da Cultura, e enaltece a publica��o como “um trabalho extraordin�rio no resgate do legado de Celso Furtado”. “Ele tinha uma letra mi�da, muitas vezes de dif�cil leitura. Rosa leu todos os manuscritos, organizou, e assim resgata um per�odo da hist�ria mundial da qual Celso foi part�cipe como grande pensador latino-americano. � o primeiro economista latino que oferece uma teoria pr�pria sobre desenvolvimento econ�mico, al�m da atua��o como ministro da Cultura, justamente porque entendia que o desenvolvimento cultural � imprescind�vel para um pa�s”, argumenta Angelo Oswaldo, que foi secret�rio de Estado de Cultura de Minas Gerais entre 2015 e 2019, durante o governo de Fernando Pimentel (PT).
Apesar de os di�rios contidos no livro reportarem ao passado, Angelo Oswaldo entende a contribui��o de Celso Furtado como de grande valor atual. “Existem muitos preconceitos e chav�es sobre ele, especialmente no campo conservador. Muitos chegam a consider�-lo um economista marxista, o que n�o corresponde com a verdade. Celso criou um pensamento original sobre economia e sobre processo de desenvolvimento socioecon�mico. �, sobretudo, um pensador. Muita gente se perguntava o que um economista estava fazendo no MinC, mas ele n�o era s� um economista, era um historiador. Ele refletiu sobre todo o processo da forma��o socioecon�mica e cultural do Brasil e tem uma contribui��o enorme para a compreens�o da hist�ria do nosso pa�s. � importante que seja conhecido em profundidade”, afirma o ex-secret�rio, que lamenta a retirada do nome de Celso Furtado de uma usina t�rmica da Petrobras, anunciada pela empresa na �ltima semana.
Localizada na Bahia, ela havia sido batizada em 2007, durante o governo Lula, em homenagem a Furtado, um dos criadores da Lei da Petrobras, de 1953. Outras homenagens semelhantes feitas nessa �poca, que incluem personalidades como Luiz Carlos Prestes, no Mato Grosso do Sul, Mario Lago, no Rio de Janeiro, e Leonel Brizola, tamb�m no Rio, foram igualmente retiradas, numa iniciativa de perfil conservador do governo Bolsonaro. Segundo a atual gest�o, sob presid�ncia de Roberto Castello Branco, a decis�o foi tomada para facilitar os registros no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). “Isso ilustra e demonstra a realidade do momento que vivemos. Quando o pa�s come�a a relegar seus valores mais genu�nos, est� condenado �s trevas”, diz Angelo Oswaldo sobre a decis�o.