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Estado de Minas ESPUMA ESSENCIAL

Da fant�stica Dona Alzira, que nasceu sabendo tudo e um pouco mais de cerveja

Ela fechou os olhos, inclinou levemente a cabe�a e alongou-se, como se deixasse o l�quido viajar por cada mil�metro da boca


postado em 06/09/2019 04:00 / atualizado em 04/09/2019 14:48

 
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''Fechou os olhos, inclinou levemente a cabe�a e alongou-se, como se deixasse o l�quido viajar por cada mil�metro da boca''



Ela usava um len�o estampado, de apar�ncia simples, e, acreditem, uma s�rie de rolinhos completava o figurino. Fazia anos, mas muitos anos mesmo, que eu n�o via algu�m com aqueles penduricalhos moldando o cabelo. Ent�o, fiquei um tanto sem rea��o ao perceber que se dirigia exatamente � minha barraca de cervejas artesanais. Presumi que logo perguntaria qual era a mais fraquinha e escolheria a Pilsen. N�o sem antes sugerir que cont�ssemos a hist�ria dos outros estilos dispon�veis e bl�-bl�-bl�...

Verdade � que ca� na armadilha tola da simplifica��o, sem conseguir tirar o olhar dos folcl�ricos rolinhos, e meio que me desconcentrei ao ouvi-la num bom-dia carinhoso, seguido pelo pedido:
– Pode me apresentar as suas bebidas?

Instintivamente, me virando para indicar cada uma delas no banner, num estalo me veio � mente a reda��o que ajudara meu filho a escrever semanas atr�s. Coisas que surgem assim do nada, como um sinal. Podia soar piegas, sei l�, mas a frase veio como numa brisa leve: “Nunca julgue um livro pela capa”.

– Como a senhora se chama mesmo?

– Alzira.

Pensei, e s� pensei, como era um nome que soava antigo.

Ela me mirando por aquelas lentes grossas, reprisou a pergunta:
– Ent�o, filha, quais s�o mesmo seus tipos � venda?

Comecei pela Pilsen, frisando que era de perfil tcheco, mencionei a complexidade dos maltes. Com o cuidado de n�o ser did�tica demais, me afastar do tom professoral. Pulei para a Weiss, refor�ando sobre o baixo grau de acidez, passei � Apa, com seu buqu� perfumado, avancei � Ipa, lembrando sobre como era equilibrada. E senti que o �nimo dela se alterou quando apontei para o quinto estilo.

– Opa! Voc� tem uma Imperial Stout por aqui!!
N�o disfarcei a surpresa.

– Ent�o a senhora conhece... Que bom!

– �, de longe, minha preferida.

Tentei prepar�-la.

– � forte, hein... Gradua��o 11%.

– Assim que eu gosto. Me sirva uma, por favor.

Eu ali num misto de satisfa��o (acho que, no fundo, orgulho tamb�m), abrindo uma Imperial Stout 

pra doninha simp�tica. Ela antes escolheu uma ta�a.

– N�o � chatice n�o. � preocupa��o ambiental, da� n�o bebo em copos de pl�stico.

Serviu-se a 45 graus, como manda o protocolo para os que se importam com ele. E armei-me num sil�ncio de expectativa at� que come�asse a beber. Fechou os olhos, inclinou levemente a cabe�a e alongou-se, como se deixasse o l�quido viajar por cada mil�metro da boca. Aguardei uns segundos, j� me pondo aflita. O ar foi de satisfa��o.
– Uma pron�ncia delicada de chocolate. Um �lcool que conforta. E notas bem, mas bem discretas de caf�.

Bingo!

– Dona Alzira, a senhora � incr�vel! E onde fez curso de sommelier?

Ela deu mais um gole na Stout, co�ou o coro cabeludo (o desenho dos rolinhos era terrivelmente ex�tico, mas ao mesmo tempo terrivelmente espont�neo naquela figura) e me devolveu:

– Curso de qu�?

Ah, deixasse pra l�. �s vezes, me vigiava, a que evitasse qualquer tra�o de gourmetiza��o com os clientes. Refiz a pergunta:

– E onde aprendeu t�o bem assim sobre cerveja?

– Bebendo, experimentando, conversando com quem faz, prestando aten��o em cada detalhe.
– A senhora tem �tima percep��o pros sabores.

Falei, enquanto ela emborcava as �ltimas fra��es da Stout. Com a fei��o de quem gostara, emendou:

– Agora me d� uma Ipa, por favor.

Me virei pra apanhar a garrafa e ouvi o questionamento, raro numa feira:

– � inglesa ou American?

Dei o giro de volta ao balc�o, j� ensaiando o elogio ao conhecimento e....

– U�?!?! Cad� a Dona Alzira?

Procurando � esquerda, � direita, ao centro. Nada!

Meu colega retornava � barraca nesse instante. Eu at�nita.

– Por acaso viu uma doninha de �culos grossos, len�o estampado e rolinhos bem altos?

Foi a vez de ele se espantar.

– Rolinhos?!?! Se achar por a� algu�m usando rolinhos, pode apostar, � miragem. Duvide, se belisque tr�s vezes.
– Mas ela tava aqui agora. Bebeu uma Stout. Sabia tudo de cerveja. Falou que se chamava Alzira.

– Alzira? Ningu�m mais no mundo se chama Alzira, menina. Com rolinhos e pedindo logo uma Stout? KKK... Melhor se benzer, melhor se benzer.... S� faltou falar que era blogueira...

Esta coluna � publicada quinzenalmente [email protected]


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