
Em reportagem especial publicada em sua edi��o de domingo, o Estado de Minas revelou que, em meados da d�cada de 1950, Oscar Niemeyer projetou a cidade Marina, que seria erguida ao lado de uma col�nia agr�cola, numa extens�o de 95 mil hectares, na antiga Fazenda Menino no Vale do Urucuia (Noroeste do estado). Mas, o projeto foi sufocado pela ditadura militar com o argumento de que a �rea supostamente recebeu a visita de l�deres guerrilheiros e serviria para dep�sito de armas para a luta armada, tendo em vista que o dono das terras, o empres�rio Max Hermann financiava o Partido Comunista. Hermann foi delatado, perseguido e preso e o projeto morreu no nascedouro. Antigos moradores da Fazenda Menino fazem relatos de tortura e da presen�a da pol�cia pol�tica – do Doi-Codi e do antigo Dops – no local no auge da repress�o da ditadura, entre 1968 e 1972.
S�vio Reis salienta que a Comiss�o da Verdade recebeu informa��es da passagem, na Regi�o do Urucuia, do guerrilheiro Carlos Marighella, coordenador da A��o Libertadora Nacional (ALN), como revelou o EM, e que tamb�m tomou conhecimento de que no Instituto Nacional de Coloniza��o Agr�ria (Incra) haveria mapas das �reas onde seria erguida a Cidade Marina. Por�m, n�o tinha detalhes do projeto. “Com a reportagem, temos outros elementos. Vamos fazer uma rean�lise de todo o caso. Inclusive, vamos citar a reportagem”, anunciou o coordenador. Ele disse que vai requisitar documentos da antiga fazenda para os trabalhos da comiss�o.

S�vio dos Reis afirma que as informa��es levantadas pela Comiss�o da Verdade revelam que a regi�o do Vale do Urucuia, no auge da repress�o da ditadura, virou alvo dos militares, pois na �poca circularam informa��es de que na �rea era base da luta armada liderada por Marighella. Ele salienta que o fato de a regi�o ser ocupada por trabalhadores rurais contribuiu para que fosse visada pela ditadura “Obviamente, como aconteceu na guerrilha do Araguia, sempre havia uma desconfian�a – e isso � uma hip�tese – de que os camponeses ajudavam os guerrilheiros. E a� acaba que a repress�o era contra os trabalhadores rurais –e n�o somente em rela��o aos l�deres (guerrilheiros). Por isso, que estamos bastante interessados nessa quest�o, porque o fato de o Oscar Niemeyer ser do Partido Comunista e a Cidade Marina ter uma concep��o comunit�ria – vamos dizer assim., socialista – pode ter agu�ado ainda mais essa vigil�ncia e persegui��o na regi�o”.
INSPIRA��O COMUNISTA
O Projeto da Cidade Marina, de autoria do arquiteto Oscar Niemeyer, que seria implantado no sert�o mineiro, foi reprimido pela ditadura militar porque foi inspirado em ideais comunistas na Europa, ainda do in�cio do s�culo. A afirma��o � do professor em�rito da Universidade Vale dos Sinos (Unisinos/RS) Ant�nio Sidekum, que estudou a obra de Niemeyer ao lecionar a disciplina Hist�ria da Arquitetura Contempor�nea na institui��o, e integrou a Comiss�o da Verdade do Rio de Janeiro, onde atuou na Universidade Federal Fluminense /C�mpus Volta Redonda.
O especialista destaca que, ao elaborar projetos como o da Cidade Marina, Oscar Niemeyer seguiu a “arquitetura p�s-moderna e contempor�nea francesa”, que surgiu nos primeiros anos do s�culo 20, liderada pelo arquiteto Le Corbusier e por arquitetos e artistas alem�os da Escola de Bauhaus, que era influenciada pelo partido comunista da Alemanha. “Eram projetos de reformula��o e de cria��o de um novo modelo de cidades, em virtude das transforma��es sociais que se anunciavam”, disse Sidekum, citando a Alemanha, a Fran�a e o M�xico como locais onde esses projetos eram realizados.
A Cidade Marina seria constru�da ao lado de uma col�nia agr�cola. Segundo o especialista, isso mostra a rela��o com os ideais comunistas na Europa por volta de 1920. Ele ressalta que, na d�cada de 1950, a proposta foi concebida por l�deres pol�ticos da esquerda como Leonel Brizola, que chegou a implantar projeto de uma agrovila no Rio Grande do Sul. “A finalidade da agrovila era produzir e abastecer a cidade. Essa tamb�m era uma concep��o urban�stica nos ideais de Oscar Niemeyer, em que se teria uma produ��o agr�cola acompanhada com t�cnicas para abastecer a cidade, que ficava nas imedia��es”, comenta.
Segundo ele, Niemeyer tinha o intuito de conceber e criar esta forma de cidade, com �nfase forte no sentido social – ‘socialista’ – humanista e comunit�rio. S� que, lembra o professor, esse aspecto “humanista e comunit�rio” n�o agradava aos militares, que entendiam que uma cidade sustent�vel poderia se transformar em meio de organiza��o social e de resist�ncia contra o regime ditatorial.
ASSASSINATO
Em um terreno dentro da extensa �rea da Fazenda Menino, onde seria erguida a Cidade Marina, no Noroeste do estado, ocorreu a morte do ex-presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de S�o Francisco, Eloi Ferreira da Silva, em 16 de dezembro de 1984. O caso ficou conhecido nacionalmente, com Eloi sendo um considerado um dos s�mbolos da luta pela terra no Brasil. Com o sufocamento do projeto da Cidade Marina, as 95 mil hectares da Fazenda Menino foram invadidas por posseiros, com incentivo da extinta Funda��o Rural Mineira (Ruralminas), que alegava que as terras eram devolutas. Iniciou-se uma demorada disputa judicial.
Filho de Eloi, o atual presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de S�o Francisco, Paulo Ferreira da Silva, o “Paulo de Eloi”, afirma que o pai dele foi assassinado por causa da luta que travou contra os fazendeiros e grileiros, que tentavam tomar as terras os posseiros, quando Hermann n�o tinha mais dom�nio na �rea. Segundo Paulo, assumiu o a autoria do crime o “grileiro” Paulo Leonardo Pereira, que chegou a ser condenado a sete anos de cadeia, mas o defensor dele (um conhecido advogado de Belo Horizonte) e recorreu e ele morreu sem nunca ter sido preso.
SURPRESA COM DESCOBERTA
De autoria de Alexandre Guzanshe, Luiz Ribeiro e Renan Damasceno, a reportagem “Cidade Marina – o sonho de Niemeyer no sert�o mineiro que a ditadura abafou”, publicada em caderno especial no Estado de Minas, domingo, e no formato multim�dia em em.com.br/especiais/cidademarina, recebeu centenas de manifesta��es dos leitores nas redes sociais. A maioria dos coment�rios relatava surpresa diante da hist�ria. “Eu nunca soube disso!”, escreveu a urbanista Maria Elisa Costa, filha de Lucio Costa, respons�vel pelo projeto urban�stico de Bras�lia – Niemeyer projetou os principais pr�dios e cart�es-postais. “Baita reportagem sobre a cidade projetada por Niemeyer”, escreveu M�rio Magalh�es, jornalista e bi�grafo de Carlos Marighella, que na d�cada de 1960 passou pela Fazenda Menino, na zona rural de Arinos, onde seria erguida Marina. “Ansiamos por mais reportagens assim”, afirmou o jornalista Rudolfo Lago. “Conhe�o esta regi�o, sou morador do munic�pio e se fosse � frente, nossa cidade seria outro n�vel”, escreveu o leitor Dissim Vaz.