
O que esperar da moda p�s-pandemia? Dif�cil prever qualquer cen�rio, ainda mais diante de tantas incertezas. Mas, neste momento, a experi�ncia pode ajudar a enxergar mudan�as necess�rias para se manter em um mercado t�o desafiador. O caderno Feminino & Masculino ouviu estilistas que fizeram parte do Grupo Mineiro de Moda e revolucionaram o mercado nos anos 1980. Todos passaram por muitas turbul�ncias e chegaram ao ponto de fazer moda como acreditam. Com eles, temos que aprender mais sobre slow fashion, qualidade, conforto e atemporalidade.
Sonia Pinto admite que nunca conseguiu acompanhar a press�o da moda. “Nunca consegui entender aquela loucura nos anos 1980. Fui uma das fundadoras do Grupo Mineiro de Moda, fiquei seis meses e sa�”, relembra a estilista, na �poca com a marca Printemps. Depois que “quebrou”, nos anos 1990, ela decidiu n�o trabalhar mais dentro de nenhuma regra do mercado e fez seu pr�prio calend�rio. Desenvolve e lan�a as cole��es aos poucos (se o inverno rende at� setembro, ela d� continuidade).
Isso faz sentido, porque Sonia sempre investiu em uma roupa atemporal. H� 10 anos, quando abriu a loja em S�o Paulo, ousou mostrar como suas pe�as antigas eram atuais. “J� colaboro com a sustentabilidade h� muitos anos. N�o concordo com nada descart�vel. Melhor ter uma pe�a boa do que 10 ruins, que v�o entupir o mundo de lixo.” Por muito tempo, ela seguiu esse caminho solit�ria. Agora, acredita que n�o vai mais estar sozinha. “Todos v�o ter que entrar nestas circunst�ncias que a vida est� mostrando. N�o � fast fashion, comprar e jogar fora. N�o � nada disso.”
Segundo a estilista, o momento � de simplificar, ou seja, fazer uma roupa casual e confort�vel. Na cole��o de inverno, lan�ada em mar�o, destaque para tric�s de l� e malhas. “Sorte que fa�o uma malharia muito bacana. Al�m de confort�vel, � f�cil de usar. D� para qualquer momento, desde ficar em casa at� sair.” Pe�as de alfaiataria entrariam no lan�amento de maio, que n�o aconteceu.

Aos 71 anos, Sonia confessa que est� cansada de se reinventar, mas, como toda a fam�lia (s�o quatro filhos) depende da marca, n�o � hora de fechar e desistir. Ela diz que continua atenta ao que est� acontecendo, com esperan�a, alegria de estar viva e f� de que isso vai passar, mas vai passar deixando tudo no ch�o. “O que vai resistir a esta parada brutal? Acredito em um trabalho mais verdadeiro, mais consciente e mais consistente, em tudo o que tem mais carinho, mais criatividade, mais sedu��o, mais poesia. N�o s� na moda, � uma mudan�a de vida, de atitude, de formas de cuidar do outro.”
A estilista se prepara para a in�dita venda on-line. Apesar de n�o acreditar neste modelo, ela entende que esta � a �nica alternativa no momento. Prevendo um encolhimento, talvez at� tenha que fechar as lojas f�sicas (BH e S�o Paulo), mas n�o vai perder o cuidado com as clientes. “A pouca venda est� sendo maravilhosa pelo feedback. Isso me d� muito conforto, �nimo e alegria de saber que estava no caminho certo. A clientela � tratada aqui como parceira de vida, sempre cuidada com o maior carinho, n�o � descart�vel. Quem n�o tem liga��o afetuosa com o seu cliente est� ferrado.”
Faz tempo que Liana Fernandes, ex-Com�dia, n�o segue o calend�rio da moda. Cansou de correr para criar uma cole��o atr�s da outra, quer ter prazer em fazer roupa. Hoje, ela define seu trabalho � frente do Liana Atelier como slow fashion de verdade, produ��o pequena, pe�as lan�adas no tempo certo, sem seguir tend�ncias. “A proposta sempre foi essa, a de consumo consciente, de uma roupa atemporal, de qualidade, de trabalhar com tecidos naturais, tentando chegar mais pr�ximo da sustentabilidade”, explica.
Liana j� fazia o que virou prioridade no momento. Tanto que fechou parceria com uma loja em S�o Paulo no meio da pandemia, justamente pelo conceito da marca. Na cole��o 5 (a mais recente), o conforto segue como fundamento. “A pe�a, al�m do conforto, tem que acariciar voc�.” Tricoline e voil de seda est�o entre os tecidos mais usados. A estilista continua explorando o tie-dye em parceria com um artista pl�stico e tamb�m transformou uma gravura da filha, Ana Grebler, em estampa. Destaque para as capas (com modelagem de overcoat, mas leves).

Adapta��o e inova��o s�o as palavras da vez para Liana. A marca, que n�o vendia nada on-line, estruturou seu site quando a pandemia chegou e j� consegue ter um n�mero significativo de pedidos por semana. A estilista tamb�m se voltou para as sobras de tecidos e desenvolveu (poucas) pe�as, que n�o estavam no planejamento. Alguns moletons, por exemplo. “Peguei muito tecido que tinha e fiz reaproveitamentos, isso tudo dentro da sustentabilidade. Tudo pouquinho, dentro do que dava, usando as modelagens que j� tinha. A gente vai se reinventando.”
DI�LOGO
A estilista est� animada com as discuss�es em torno das mudan�as do mercado. Para ela, tudo na ind�stria da moda tem que ser repensado, inclusive a quantidade que se produz, j� que o mundo est� saturado de produtos n�o essenciais. Liana defende a urg�ncia de entender as necessidades do consumidor, propondo um di�logo mais aberto e mais honesto. “N�o � mais fazer e comprar roupa para acabar daqui a tr�s meses. Acho que o consumo tem que ter mais significado, a qualidade vai ser fundamental, e as marcas v�o precisar trabalhar com mais responsabilidade, inclusive social.”
Inova��o, criatividade e diferencia��o s�o conceitos que ganham for�a em tempos de crise. O polo cal�adista de Nova Serrana, na Regi�o Centro-Oeste de Minas, est� nesta busca desde janeiro e, com pandemia, ela se torna ainda mais necess�ria. “A cidade tem um hist�rico de fazer produto barato e c�pias de marcas estrangeiras, sem trabalhar criatividade e identidade. Acho que a diferencia��o � important�ssima para as marcas, ainda mais agora”, aponta Monica Baptista, que coordena o centro de design criado pelo Sindicato Intermunicipal da Ind�stria do Cal�ado de Nova Serrana (Sindinova).
Uma das fundadoras da extinta marca de sapatos Frizon, a designer ajuda as f�bricas a inclu�rem informa��o de moda nas cole��es. Inicialmente, participam 20 f�bricas, mas a iniciativa deve beneficiar cerca de 800 empresas da cidade. O trabalho envolve buscar a identidade da marca, em qual nicho de mercado focar, onde existe mais possibilidade de se destacar, qual estilo seguir. “Depois de 42 anos de carreira, � muito gratificante participar de um processo de evolu��o de Nova Serrana. Para mim, � um desafio mudar a mentalidade e a cultura da cidade.”
Com a retomada da economia, Monica enxerga que os clientes v�o comprar menos e melhor, por isso � t�o importante a busca por produtos diferenciados. “Numa �poca de crise, o lojista pesquisa mais, ent�o as f�bricas devem sempre estar prontas para encantar e surpreender. Da� a necessidade de mostrar, mais do que nunca, uma identidade inquebr�vel.”
A pandemia acabou influenciando diretamente no desenvolvimento das cole��es, j� que as empresas est�o sem perspectiva de quando ser�o os lan�amentos. “Tenho procurado fazer produtos mais atemporais, num estilo minimalista e contempor�neo, focando em qualidade, inova��o e conforto, que v�o servir para inverno e ver�o.” Al�m de escolher itens que duram mais tempo no arm�rio, a designer acredita que o consumidor buscar� cada vez mais conforto. Monica aposta nos flats (sapatos sem salto), incluindo sand�lias rasteiras, flatforms e sapatilhas. Os saltos grossos tamb�m entrar�o nos cat�logos.
Mais valor � criatividade
Parece um recome�o. � assim que Terezinha Santos se sente nesta reviravolta do mundo. Segundo ela, � um recome�o para a sua gera��o e tamb�m para a nova gera��o. Todos vivem um momento de mudan�a de valores, de colocar o planeta e a sociedade em primeiro lugar e entender que precisamos de menos para viver. “O v�rus vai trazer grandes consequ�ncias. Tem o lado ruim de reduzir as oportunidades de emprego, mas vejo como consequ�ncia dar mais valor � criatividade”, comenta a estilista, que integrou o Grupo Mineiro de Moda com a marca Patachou e hoje comanda o TS Studio.

A moda ter� que ser muito mais criativa p�s-pandemia. Diante da escassez (de dinheiro e mat�ria-prima), Terezinha entende que o desafio ser� mostrar que menos pode ser muito mais, e da� podem surgir muitos talentos. “N�s est�vamos numa compuls�o por muitas cole��es, muito excesso, uma demanda muito grande por novidades, fazendo, fazendo sem parar. Acredito na busca por um estilo individual, fazer algo que tenha significado para voc� mesmo, com mais tranquilidade, com menos cobran�a, mais respeito, produtos mais atemporais verdadeiramente”, analisa.
Um dos pontos de discuss�o urgente, na opini�o de Terezinha, � reconsiderar verdadeiramente a sustentabilidade em tudo o que envolve a moda. Para ela, a sustentabilidade tem que ser um dos pilares da ind�stria da moda. “Se voc� n�o consegue fazer com que tudo aconte�a, pelo menos tem que come�ar a pensar diferente verdadeiramente, para incorporar a sustentabilidade em v�rios pontos da sua pr�pria vida, do seu trabalho, em a��es verdadeiras”, pontua.
O TS Studio j� estava de olho em novas oportunidades de neg�cios e h� um ano vem desenvolvendo uma plataforma que se encaixa bem no momento. A Uniformes Net surge como uma solu��o tecnol�gica para que confec��es de uniforme entrem no mundo digital. “Entendemos que o mercado de uniforme � muito off-line, a moda corporativa � muito dependente de visitas presenciais, ent�o criamos uma plataforma on-line”, explica o diretor-executivo do TS Studio, Rodrigo Santos. O cliente entra no site, onde encontra fotos produzidas e tabela de medidas para escolher as pe�as.
Segundo Rodrigo, existe a possibilidade de usar esta mesma plataforma para vendas de atacado. Como haver� restri��es a feiras por um tempo, a ideia � facilitar o contato das marcas com os lojistas.

O estilista Renato Loureiro acha dif�cil fazer uma previs�o do que ser� a moda p�s-pandemia, mas j� enxerga algumas a��es como certas, entre elas diminuir o tamanho das cole��es e repensar o calend�rio de lan�amentos semestrais. Uma das possibilidades seria, de uma cole��o para outra, reeditar os campe�es de vendas. “Quando terminar de vender uma cole��o, voc� descobre o que teve mais aceita��o e pode voltar com as pe�as em outro tecido, com outra manga, mas reaproveitando a modelagem. Isso pode ser feito com velocidade maior e menos investimento”, aponta.
O momento tamb�m traz reflex�es sobre os desfiles, que, segundo Renato, “h� muito tempo n�o estavam mais cumprindo o papel de gerar desejo no consumidor final”. “Essa pandemia pode provocar uma criatividade diferente e vir com um conceito novo que possa empolgar mais. Os desfiles j� estavam sofrendo desgaste, pelo valor que gasta e pela velocidade acelerada do mundo.”
Nos anos 1980, quando o Grupo Mineiro de Moda despontou, os desfiles duravam de 25 a 30 minutos. Passado um tempo, a apresenta��o de 15 minutos do estilista In�cio Ribeiro (conhecido como Papaulo) para a extinta marca Mabel Magalh�es, na S�o Paulo Fashion Week, foi classificada por uma cr�tica de moda como desfile-rel�mpago. “Hoje se faz um desfile em cinco minutos”, compara. Sem falar que o consumidor j� quer comprar aquela roupa logo que as luzes se apagam.
Olhando para o futuro com entusiasmo e sabedoria, apesar de estar com v�rios projetos em suspenso, o estilista n�o acha que os desfiles v�o desaparecer. Renato concorda com a italiana Dolce & Gabbana, que diz n�o enxergar outra forma de colocar seu produto � venda que n�o seja na passarela (o pr�ximo desfile, presencial, est� marcado para daqui a 10 dias). Na opini�o dele, a passarela eleva o desejo pela roupa. Mas, � claro, a realidade ser� diferente. “Acredito em sess�es priv� s� para a imprensa, depois s� para compradores especiais, com distanciamento e m�scara at� que a vacina contra o v�rus saia.”
Renato diz que ainda tem quem n�o consiga comprar roupa sem v�-la de perto, por isso aposta na perman�ncia dos desfiles e das lojas f�sicas (em menor quantidade). Para ele, os pontos de venda v�o funcionar como guias para as compras pela internet. “N�o acho que as lojas v�o fechar e virar s� on-line, as marcas precisam ter uma loja-conceito para mostrar sua proposta para o consumidor. Al�m disso, voc� pode tocar na roupa para saber se o tecido � agrad�vel, confirmar se o sapato tem a mesma propor��o da foto, sentir o cheiro do perfume. N�o vejo substituto para isso.”