
O congado carrega muitos simbolismos no distrito de C�rrego Ferreira, em Brumadinho, Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte. � uma festa que envolve tradi��o, f� e cultura. Tamb�m mostra o poder da coletividade. Mulheres da comunidade se apoiam na for�a dessa manifesta��o para transformar a rea- lidade. Juntas, elas formam a nova marca Bordadeiras da Serra da Moeda, que acaba de lan�ar sua primeira cole��o, justamente sobre o congado. Beneficiado por um projeto de capacita��o, o grupo produz e vende produtos bordados que exaltam a alegria da festa.
A cole��o mostra toda a pot�ncia do congado. As cores, os personagens, as roupas e os instrumentos musicais est�o representados em cada detalhe. Destaque para os estandartes feitos com tecidos coloridos e fitas que remetem � indument�ria usada na festa. Abaixo das imagens bordadas, textos (poemas, ditados e frases) que ajudam a contar a hist�ria. A �ltima pe�a a ficar pronta, e talvez a mais cheia de significado, � uma colcha produzida coletivamente, que tem mais de 150 desenhos.
Para o designer Renato Imbroisi, que coordena o projeto de capacita��o, iniciado h� um ano e meio, a cole��o chega com a miss�o de valorizar a cultura local. “Come�amos o trabalho em um momento muito dif�cil, tinha acabado de acontecer a trag�dia de Brumadinho. Quando participei da festa do congado, vi outra for�a da comunidade, da organiza��o, da religiosidade, da resist�ncia. A cole��o precisava mostrar isso para o p�blico, e acho que conseguimos”, destaca.

Nos bordados, vemos figuras como a rainha do congado, o m�sico, a cozinheira, os santos (Nossa Senhora do Ros�rio e S�o Benedito) e outras figuras que fazem parte da festa. Como a ideia era incluir na cole��o v�rios elementos que fazem parte da vida dessas mulheres, os desenhos tamb�m reproduzem flores encontradas na Serra da Moeda. Na linha de almofadas Buqu�s da Serra d� para perceber a diversidade de esp�cies, com formas e cores variadas.
Parte da cole��o tem o nome Cacos. Proposta de Renato, que, em visita � casa da artes� Mercedes Maia Anat�lio, conhecida como Dona N�ga, e que � a rainha vital�cia da Guarda do Congado de C�rrego Ferreira, se deparou com uma parede da cozinha revestida por cacos de azulejos. O designer, ent�o, pensou na ideia de juntar os “cacos” depois do rompimento da barragem, unindo a hist�ria dessas mulheres. Retalhos de tecidos se unem atrav�s dos bordados em toalhas de mesa e jogos americanos.
Desenhos autorais
Nesse tempo, todas as mulheres fizeram aulas de desenho com uma arte-educadora, que ensinou sobre composi��o, formas e cores. Muitas achavam que n�o sabiam desenhar. “Queria que todas aprendessem a t�cnica, que n�o fosse uma ou outra desenhando para o grupo todo, como era no come�o. Hoje, temos desenhos de todas, ningu�m ficou de fora”, comemora Renato. O objetivo era evitar c�pias e construir um trabalho verdadeiramente autoral.
Para o designer, os desenhos pr�prios fazem com que as bordadeiras se sintam mais parte do trabalho e tamb�m geram uma percep��o de valor interessante no mercado. “Acho muito importante oferecer um desenho quase �nico, que n�o tem outro igual, que tem a identidade daquela pessoa que bordou. Isso faz muita diferen�a no alcance do trabalho delas.” H�, por exemplo, v�rias imagens que representam a rainha do congado, com tipos de pontos diferentes, aplica��es de rendas, flores e pedras.

Como tem forma��o em artes, a aposentada Consuelo Lobo � uma das respons�veis por riscar os bordados. Ou seja, ela transfere os desenhos para o tecido. Era comum usar imagens de revistas, hoje n�o existe mais c�pia. “Os professores nos mostraram que temos capacidade de criar os nossos pr�prios desenhos a partir de coisas que est�o ao nosso redor. Revista, nunca mais”, diz a volunt�ria, que trabalhou por 26 anos como professora de artes e quer continuar ajudando na capacita��o das bordadeiras.
Lazer para as mulheres
H� tr�s anos, �ngela Vidigal, a idealizadora do grupo, que mora no Retiro do Chal�, teve a ideia de oferecer atividades de lazer para quem trabalha nos condom�nios. Pediu ajuda a Consuelo, moradora da regi�o h� duas d�cadas, para reunir mulheres da comunidade interessadas em participar. O primeiro encontro foi na sede do congado. “A toalha que resolvemos fazer para o altar da festa do congado foi um marco, porque nos direcionou para o bordado”, conta a professora de artes.
O grupo teve a oportunidade de desenvolver uma cole��o comercial com a chegada de Renato Imbroisi, que promove capacita��o de artes�os no Brasil e no mundo. O designer foi contratado pela arquiteta Nao Ishii Yuasa, que lan�ou um condom�nio na antiga fazenda da fam�lia e se prop�s a investir na qualifica��o da comunidade do entorno, para que todos se beneficiem do novo empreendimento.

O projeto de dois anos come�ou em abril de 2019. As mulheres se encontravam para aprender sobre costura, desenho e bordado e produzir a cole��o. Na pandemia, o trabalho teve que ser adaptado. Consuelo riscava o tecido, entregava para as bordadeiras e depois repassava para as costureiras, cada uma na sua casa. O lan�amento da cole��o, planejado para maio, s� foi ocorrer cinco meses depois, totalmente virtual. Renato deve levar as pe�as para a exposi��o Pa�ses espelhados, no Sesc S�o Paulo, que fala sobre a troca cultural entre o Brasil e pa�ses da �frica de l�ngua portuguesa.
Prazo e qualidade
O momento agora � de organizar a produ��o e se preparar para as vendas. “Estamos acompanhando a dist�ncia, tirando todas as d�vidas, para que elas possam responder r�pido ao mercado, entregar no prazo e com a mesma qualidade. Falo que o grupo n�o pode perder nenhum cliente, nenhuma oportunidade”, comenta Renato, que tamb�m prepara as mulheres para receberem encomendas espec�ficas. O designer enxerga o trabalho delas em outras tantas superf�cies, como roupas, cortinas etc.
As pe�as da cole��o Congado j� foram vendidas para Belo Horizonte, Tiradentes, S�o Paulo e Rio de Janeiro. Al�m disso, uma brasileira que mora no M�xico est� interessada em revender. Diante da necessidade de aumentar a produtividade, as bordadeiras j� come�aram a convidar outras mulheres para participar. No momento, est�o em 25.

Ao fim do projeto de capacita��o, no ano que vem, o grupo ter� que caminhar com as pr�prias pernas. Consuelo lembra como a iniciativa tem contribu�do para as valoriza��o das mulheres da regi�o e diz que o trabalho n�o pode parar. “O nosso objetivo � fazer com que o bordado continue, que a gente consiga mais mulheres para participar, inclusive de outros povoados. Queremos que ele seja fonte de renda e uma alternativa aos trabalhos dom�sticos”, avisa.
