
De um lado, uma estilista e artista pl�stica ligada � materialidade, volumes e cores. Do outro, um arquiteto que gosta de trabalhar com desenhos, linhas e propor��es. Os irm�os Susana Bastos e Marcelo Alvarenga unem habilidades que se complementam para desenvolver um trabalho aut�ntico, expressivo e totalmente instigante na Alva Design. Perto de completar 10 anos, a marca belo-horizontina de mobili�rio e objetos transita cada vez mais entre o design e a arte.
Marcelo costumava desenvolver m�veis para os seus projetos. Segundo ele, design � uma s�ntese do pensamento arquitet�nico (envolve est�tica, emo��o, propor��o), s� que numa escala diferente. Mas nunca conseguiu se aprofundar nisso. “Na din�mica da arquitetura, normalmente o design entra com pe�as mais simples, porque demanda um tempo de desenvolvimento que nem sempre � poss�vel.”

Susana achava um desperd�cio fazer um m�vel uma �nica vez e para um cliente espec�fico. Por que n�o poderia virar produto? “Sei como � complicado desenvolver uma ideia e fazer prot�tipo.
Comparando com a moda, voc� trabalha muito para criar uma pe�a, mas depois aquilo vira produ��o em escala, mesmo na alta-costura.” O inc�modo dela era ver que isso n�o acontecia na arquitetura.
A estilista j� estava sentindo falta de desenvolver um trabalho mais autoral, fora do ritmo fren�tico da moda, e prop�s para o irm�o criar uma marca familiar de design. Alva vem de Alvarenga, o sobrenome deles. Mas Alva tamb�m carrega o sentido de come�o, p�gina em branco. “Meu desejo era encontrar um novo lugar, onde pudesse refletir e o pensamento tivesse mais tempo para acontecer”, justifica Susana.

Marcelo contribui com o seu conhecimento t�cnico sobre mobili�rio. J� Susana leva sua experi�ncia com desenvolvimento de produto, da concep��o �s vendas. “O design se parece com a moda no sentido de atender a certas demandas do momento. Apesar de sermos completamente contra a obsolesc�ncia programada, conseguimos ter mais sazonalidade”, ele analisa.
A liberdade � o que conduz o trabalho. Os dois se dizem livres para criar seguindo os mais �ntimos desejos. “Desenhamos para n�s mesmos, o que n�o significa ter uma postura ego�sta. N�s temos que ser tocados primeiro pelas ideias. N�o pensamos nos outros, criamos tentando descobrir algo curioso, divertido, expressivo, fresco”, explica Marcelo.

Foi nessa busca por ideias que despertassem desejo, vontade e emo��o que eles chegaram aos gaveteiros. “A gaveta nos instigou conceitualmente”, conta Susana. O interesse era explorar a po�tica da gaveta, um lugar onde guardamos pequenos objetos, mas tamb�m mem�rias, segredos e afetos. Lan�ada em 2013, a primeira cole��o, de nome Alva, tem gaveteiros e aparador de madeira com detalhes em lat�o e, o mais ic�nico, tiras de camur�a que criam um efeito de ondula��o bastante expressivo.

J� de cara os irm�os mostraram que n�o estavam dispostos a seguir o caminho mais �bvio. Susana diz que existe uma escolha consciente de n�o querer encher o mundo de mais do mesmo. “Por outro lado, tem um pouco da nossa natureza de buscar o especial, o diferente, o inusitado, de gostar do novo, de experimentar, da liberdade de cria��o.”
Marcelo discorda de quem fala que arquiteto s� pensa na beleza e na est�tica. “Tem hora em que somos excessivamente racionais e funcionais”, comenta. A� Susana entra em cena, com o seu olhar pl�stico e art�stico. Ela consegue enxergar pot�ncia em formas aparentemente estranhas e desproporcionais. Percebe o que � mais aut�ntico, expressivo e que tem sentido de existir. A irm� acaba sendo curadora das ideias, que surgem em abund�ncia.

A inspira��o, segundo Marcelo, vem de olhar para dentro e para fora. Ficar atento ao cotidiano e tamb�m refletir sobre a vida. S� depois de come�ar a trabalhar com design � que ele descobriu como um dos av�s foi importante para a sua forma��o. Esse av� gostava de fazer tamborete, r�dea de cavalo, usava o torno, costurava, cozinhava cotidianamente em casa. Tinha o pensamento do fa�a voc� mesmo. “Ele n�o tinha conhecimento t�cnico, mas criava de um jeito interessante e era muito aut�ntico.”
PO�TICA E FUN��O No trabalho da Alva, existe uma tens�o entre po�tica e fun��o. Susana e Marcelo est�o sempre tentando entender o momento de deixar o objeto perder sua fun��o, caminhando para a arte, ou quando devem traz�-lo de volta para o lugar de utilit�rio, do design para ser usado.
Esta dicotomia se mostra na linha de vasos em pedra-sab�o Amorfos. O esperado est� l�: uma pe�a com desenho perfeito para receber um arranjo (boca larga, cintura fina e bojo redondo). Mas ningu�m imagina encontrar numa cole��o de vasos uma pe�a maci�a, sem vazio, que n�o comporta flores. Ou seja, que perdeu seu espa�o utilit�rio. “� um vaso, mas, por acaso, n�o tem espa�o para colocar nada. Ent�o, fica nesse lugar entre escultura e vaso”, aponta Marcelo.
Para aproveitar algumas placas de lat�o, os designers tiveram a ideia de us�-las como base de blocos de anota��o. Foram atr�s de aparas de papel e come�aram a criar varia��es com cores diferentes, at� que chegaram ao Bloco Ouro, que n�o tem nenhuma utilidade. As folhas est�o totalmente amassadas e n�o podem ser usadas. “Ele n�o serve para nada, mas foi o mais desejado e o mais vendido. Virou um objeto de arte”, observa Susana.
Marcelo enxerga como caracter�stica comum dos trabalhos um equil�brio entre expressividade e racionalidade. Isso vem da vontade de n�o deixar um projeto se resolver pela facilidade, pela pressa ou pela primeira ideia. Ambos s�o inquietos, investigadores e buscam originalidade. Simultaneamente, existe um rigor com o desenho, algo muito valorizado por eles. Tem a ver com lapidar a ideia, retirar excessos e resolver tecnicamente cada detalhe.
“Se design fosse s� fun��o, ergonomia e racionalidade, n�o despertaria tanta emo��o. Seria simplesmente um objeto cotidiano, que voc� precisa usar”, opina o arquiteto. A Alva se aproxima da arte, sim, mas n�o se distancia da fun��o. N�o faz sentido para Marcelo fazer uma cadeira que n�o � reconhecida como cadeira. D� para brincar, mas nunca desrespeitar ou negligenciar a fun��o.
N�o faz muito tempo que eles lan�aram a primeira cadeira. � uma das pe�as da linha Baru, que come�ou com uma espregui�adeira e logo ter� uma poltrona. “A ideia � muito simples, vem do desenho de uma fruteira popular, que n�o tem autor, � de dom�nio p�blico. O que fizemos foi uma transposi��o de escala e o trabalho de viabilizar o desenho como mobili�rio”, explica Marcelo. O princ�pio � de ripas de madeiras curvas que se cruzam nas extremidades.
Complemento contrastante
A cadeira ganha aconchego com uma almofada de jacquard em estampas tropicais, desenvolvida em parceria com a marca de roupas Coven. Nesse processo, Susana resgatou suas experi�ncias na moda, que envolvem cria��o de tecidos e combina��o de cores. “Madeira tem cores finitas e os estofados acabam sendo um complemento bem contrastante”, comenta Marcelo. A oposi��o est� na est�tica e nas sensa��es que a cadeira provoca. Ali existe o contraste entre mole e r�gido, tons quentes e tons frios.
Susana aproveita para falar sobre como a mistura de materiais � um ponto forte de expressividade nos produtos. “N�o trabalhamos s� com um material. Tentamos explorar de forma integral essa liberdade de experimentar pedra, madeira, tecidos.” Por esse aspecto, ela diz que o Banco Bo carrega o DNA da Alva. A pe�a tem estrutura em madeira e metal, com assento de tiras de couro, lat�o no acabamento e almofada de camur�a. No fim, h� uma mistura de beleza e estranheza, industrial e artesanal, despojamento e refinamento, lados que tentam a todo momento encontrar um certo equil�brio.
A pedra-sab�o � um material muito explorado. Os irm�os come�aram com formas simples at� alcan�ar um n�vel de experimenta��o que demonstra liberdade e muita maturidade. Susana quis desenvolver texturas nas superf�cies dos vasos da �ltima cole��o, Amor duro, como se estivesse trabalhando com tecido. Inspira��o que vem do universo do tric�, onde trabalhou por muitos anos. Assim, ela chegou a silhuetas com gomos, ora maiores, ora menores, ora arredondados, ora pontiagudos.
Os irm�os ainda criaram tampas para os vasos. Detalhes que lembram a linha Perfumaria, formada por pequenos vasos em pedra-sab�o com tampas em madeira, em formas e geometrias que remetem aos frascos de perfumes. Mas a dimens�o e o significado s�o outros. “Brincamos com a hist�ria da reprodu��o das plantas”, conta Susana. Marcelo completa: “A tampa preenche o vazio do vaso, mas tamb�m vai para a poesia, o sexo das pedras, por isso a cole��o se chama Amor duro.”
Ao mesmo tempo em que se aproxima da ind�stria, buscando tecnologia e precis�o, a marca quer se aprofundar mais no universo da manufatura, com o objetivo de mostrar o valor do artesanal. “Temos vontade de conhecer mais of�cios que existem em Minas e no Brasil, a que n�o temos acesso e acabam se perdendo. Queremos ampliar o leque de artes�os parceiros para criar objetos especiais”, adianta Susana.
Marcelo se divide entre design e arquitetura (ele � o fundador do escrit�rio Play Arquitetura). Tem hora em que fica querendo escolher entre um ou outro, mas sabe que n�o conseguiria. At� porque, os dois universos se cruzam cotidianamente. J� Susana, que se dedica integralmente � Alva, quer cada vez mais levar para o design suas inquieta��es art�sticas e suas experi�ncias na moda com tecido e modelagem.