
Ver o pai estagnado � frente da sua mercearia, sem enxergar que poderia se profissionalizar para crescer, marcou a hist�ria de Ana Paula Pezzotto Lima. Por causa disso, ainda adolescente, a paranaense decidiu que seria executiva e fez carreira na �rea de vendas de uma multinacional. Anos depois, quando quis investir em um neg�cio de impacto, ela se lembrou do exemplo do pai e entendeu que deveria usar seu conhecimento para impulsionar micro e pequenas empresas. Ana Paula � a fundadora da Canguru Expert, empresa mineira que ajuda empreendedores, por meio de mentorias, a melhorarem a gest�o e encontrar o caminho do crescimento. Em cinco anos, ela quer impactar 10 mil neg�cios.
Como come�a a sua hist�ria?
Nasci em Londrina, a segunda maior cidade do Paran�. Meu pai tem uma mercearia e praticamente cresci dentro do neg�cio. Com cinco anos, j� arrumava as prateleiras e ia com ele fazer compras. Quando cheguei aos 15, 16 anos, comecei a perceber que o meu pai n�o tinha funcion�rios, n�o tinha controle das contas, n�o tinha nada tecnol�gico. Tentei mostrar que isso era importante, mas na cabe�a dele estava tudo certo, ent�o desisti de brigar. Resolvi seguir outro sonho: vou ser executiva. Foi uma decis�o t�o firme que n�o tive d�vida de que faria faculdade de administra��o.
Por que pensava em ser executiva?
Peguei trauma de empreender. Empreender para mim era a pris�o em que meu pai vivia, de nunca tirar f�rias, n�o ter domingo, trabalhar o dia inteiro, nem poder ficar doente. Em paralelo, via em filmes mulheres de saia l�pis, salto alto e maleta, sentadas na mesa liderando as reuni�es, e me imaginava assim. Queria ser aquela mulher e trabalhar em uma grande empresa. Conclu� a faculdade e consegui entrar na norte-americana Bemis Embalagens, que depois foi comprada pela australiana Amcor. Era a maior empresa de Londrina e ficava no meu bairro. Morava na periferia da cidade, onde fica a �rea industrial, e vi essa empresa crescer. N�o queria trabalhar na f�brica, como todo mundo, mas na �rea executiva.
Como foi sua experi�ncia nessa multinacional?
Comecei na �rea de planejamento de produ��o. Depois fiz especializa��o em com�rcio exterior e MBA em gest�o comercial, com a expectativa de ir para a �rea comercial da empresa, em S�o Paulo. J� tinha 27 anos e os meus pais estavam me pressionando para me casar. Na minha idade, todo mundo da cidade estava casado e com filhos. N�o tinha filhos e nem pensava em me casar. Meu pai falava que eu s� poderia sair de casa casada, ent�o dei um jeito de morar em outra cidade e continuar solteira. De toda a fam�lia, fui a �nica que fiz universidade. A prioridade era casar e ter filhos. Em 2013, fui morar em Guarulhos. Dediquei-me muito ao trabalho para provar que era boa o suficiente, porque n�o tinha experi�ncia como executiva de vendas. Al�m de tirar pedidos, comecei a oferecer servi�os adicionais para os clientes. Levava um expert para dar treinamento sobre sistemas de controle de produ��o, levava um engenheiro de produ��o para dar dicas de como melhorar a efici�ncia. Desse jeito, fui ganhando mais valor para os clientes e conseguindo mais espa�o dentro das empresas. Comecei a vender mais e ganhar mais. Virei um case. No in�cio, as pessoas achavam que eu era doida, depois todo mundo passou a ajudar os clientes. Isso era um diferencial.
Como voc� veio parar em Belo Horizonte?
Conheci o meu marido, que mora em BH. Pensava que fosse ser independente o resto da vida, mas acabei me casando no fim de 2017. Quando cheguei � cidade, fui atr�s de headhunter, comecei a fazer uma pesquisa de mercado e vi que BH pagava metade, �s vezes at� 30% do que ganhava em S�o Paulo. Ent�o, resolvi abrir um neg�cio. O meu sonho era ter um neg�cio que mudasse o mundo, impactasse pessoas e gerasse transforma��o.
Como surgiu a ideia da Canguru Expert?
Para ter um neg�cio de impacto relevante, precisava entender qual era dor do Brasil naquele momento. Identifiquei o desemprego. Est�vamos com o maior �ndice de desemprego da hist�ria, acima dos 13%. Trabalhava em multinacional, achava que empresas grandes eram as maiores empregadoras, mas isso n�o � verdade. Diferentemente dos Estados Unidos, aqui, mais de 50% da popula��o trabalha em micro e pequenas neg�cios, que representam 99% dos estabelecimentos e 30% do nosso PIB. Ent�o, decidi ajudar as micro e pequenas empresas a crescerem para contratar mais gente. Entrei em contato com a Confedera��o Nacional da Ind�stria (CNI), em Bras�lia, e perguntei qual era a principal dificuldade para micro e pequenas empresas crescerem. N�o era falta de dinheiro, era a gest�o do neg�cio, a quest�o do controle financeiro. Foi a� que resolvi criar um neg�cio para ajudar a melhorar a gest�o dessas empresas e tudo come�ou a se conectar. Lembrei-me da minha experi�ncia profissional (j� ajudava os clientes com isso). Depois, pensei na hist�ria do meu pai, que poderia ter tido a maior rede de supermercados do Paran�, mas n�o se profissionalizou, n�o cresceu e o neg�cio n�o foi para frente por causa da gest�o. Depois me lembrei do meu marido, empres�rio no ramo do caf�, que me contou que foi uma mentoria que ajudou a empresa a crescer. Na �poca, eles entenderam que precisavam informatizar e implementaram o sistema mais sofisticado de gest�o de neg�cio do mundo.
"A nossa maior dificuldade � engajar o empreendedor, faz�-lo compreender o benef�cio que vai ter se profissionalizar o neg�cio. �s vezes, ele est� t�o frustrado que n�o acredita em mais nada."
Voc� sempre teve um esp�rito empreendedor?
Sempre tive trauma de empreender e n�o queria isso para a minha vida, mas esse esp�rito sempre esteve dentro de mim. As tr�s monografias que j� fiz foram sobre os neg�cios onde trabalhava. Nunca fiz projeto em base de livros, sempre fiz estudos pr�ticos. Ent�o, est� claro que sempre fui uma intraempreendedora, ou uma empreendedora corporativa.
Quais s�o as principais dores dos empreendedores?
Encontrar o caminho do crescimento e focar nele. O excesso de oportunidades pode ser uma distra��o t�o grande que o tira do seu objetivo. Vejo que isso acontece com muita gente: gasta investimentos e energia com aquilo que n�o leva para o objetivo. O que nos desvia do sucesso � perder foco, pegar caminhos errados. A Canguru coloca as empresas na rota de crescimento.
Como funciona o servi�o de mentoria?
O que estamos fazendo � novo. Micro e pequeno empreendedor n�o conhece esse tipo de solu��o. Est� acostumado com o que � padronizado, como coach, curso, consultoria. Alguns at� acertam, mas, na maioria das vezes, investem dinheiro e saem sem resolver a quest�o. Diferentemente da consultoria, em que o consultor analisa tudo, lhe d� um documento e voc� tem que implementar, a mentoria permite um acompanhamento mais direcionado, atua especificamente sobre aquela dificuldade do empreendedor. Al�m disso, o mentor � algu�m que tem experi�ncia naquele assunto, j� passou por aquele problema, sabe do que est� falando. A chance de acelerar o processo de aprendizagem seguindo algu�m que j� trilhou aquele caminho � muito maior. S� trabalhamos com gerentes e diretores, profissionais do alto n�vel de gest�o, ou empres�rios experientes. Todos s�o volunt�rios, fazem isso de cora��o. Percebo que eles querem deixar um legado na hist�ria do empreendedor e da empresa. N�o est�o ali para ganhar dinheiro, fazem isso porque apoiam o nosso prop�sito de transformar a vida das pessoas. O canguru � um animal que tem aquela bolsa na barriga. O nosso canguru � o mentor, que coloca o empreendedor no colo e o ajuda a dar um salto no neg�cio.
O que � mais desafiador nesse mercado?
A nossa maior dificuldade � engajar o empreendedor, faz�-lo compreender o benef�cio que vai ter se profissionalizar o neg�cio. �s vezes, ele est� t�o frustrado que n�o acredita em mais nada. Oferecemos gratuitamente o processo de diagn�stico para que as empresas tenham a oportunidade de enxergar suas dificuldades. Alguns nem sabem que t�m problemas e as dificuldades viram um problema cr�nico. Vou come�ar em mar�o uma pesquisa na Universidade de S�o Paulo (Usp) sobre o quanto a aliena��o � um fator limitante de crescimento das pequenas empresas. Para mim, est� clara a import�ncia de unir a ci�ncia, estudando o comportamento do empreendedor, com a metodologia da Canguru e a comunica��o ampla para mostrar que, se n�o se capacitar, vai quebrar. Na minha opini�o, os neg�cios fecharam na pandemia n�o por causa do lockdown, mas porque n�o estavam preparados para enfrentar um problema. Alguns nem quiseram se adaptar e preferiram fechar. Aonde vamos parar se n�o mudarmos isso? Acho muito relevante um n�mero do programa de pesquisa Global Entrepreneurship Monitor (GEM), que acompanha o empreendedorismo no Brasil h� 20 anos: entre 2019 e 2020, nove em cada 10 pessoas abriram neg�cios por necessidade, ou seja, n�o tinham emprego e precisavam de renda. Se n�o pensarmos em uma solu��o para ajudar o empreendedor a encontrar o caminho certo, de requalifica��o, de crescimento sustent�vel, o que vai ser desses CPNJs daqui a 20 anos? Estou persistindo nessa luta e estou muito firme de que tenho a solu��o adequada.
Quem s�o os empreendedores atendidos pela empresa?
O nosso crit�rio de qualifica��o para ser um empreendedor Canguru � faturar at� R$ 400 mil por m�s. Al�m disso, n�o aceitamos empresas tecnol�gicas, porque j� existem incubadoras em universidades e grandes empresas para elas. A Canguru quer fazer o mesmo para neg�cios na �rea de servi�o, com�rcio, ind�stria e produtores rurais. S�o os segmentos tradicionais, mais representativos dentro do universo das pequenas empresas. O perfil do nosso empreendedor s�o empresas que faturam entre R$ 10 mil e R$ 50 mil por m�s, a maioria administrada por mulheres. Normalmente, chegam muito desesperan�osos, �s vezes traumatizados, por terem feito tantas coisas que n�o funcionaram. Fazem um curso que n�o conseguem implementar na empresa ou contratam uma consultoria e n�o veem resultado. No fundo, est�o muito perdidos, sem um objetivo claro, sem saber aonde querem chegar. Quando n�o h� um direcionamento, todo o resto fica sem foco.
Como os mentores s�o escolhidos?
O ponto mais importante � fazer o diagn�stico da forma mais assertiva poss�vel. Consideramos dois aspectos: conhecimento e afinidade, ou t�cnica e cora��o. Como o nosso foco est� na gest�o, independentemente do segmento da empresa, existem problemas-padr�o e experts altamente qualificados para resolver esses problemas. Para os experts, � at� um prazer conseguir vencer o desafio de aplicar conhecimento t�cnico em �reas diferentes – essa, inclusive, � uma das motiva��es deles. O profissional que trabalhou a vida inteira em um conglomerado de shoppings e agora vai ajudar a assessoria de imprensa. Ou o especialista em �rea financeira dentro de uma ind�stria farmac�utica de grande porte que adota uma cl�nica de longa perman�ncia para idosos. O lado do cora��o envolve uma quest�o comportamental, fazer com que a rela��o entre o mentor e o empreendedor tenha qu�mica. Trabalho como ca�adora de talentos para dar match. Quero ser o Tinder dos empres�rios.
Como voc� deseja que as empresas saiam da mentoria?
Quero que as empresas tenham um crescimento sustent�vel, estruturado, cres�am sabendo para onde est�o indo. E isso est� acontecendo. Tenho v�rios casos, como o do empreendedor que faturava R$ 6 mil e hoje tem faturamento de mais de R$ 100 mil. Outra pessoa que estava com uma d�vida de mais de R$ 80 mil e fechou o ano passado com R$ 2 milh�es e meio de faturamento. Gente que estava para quebrar, no fundo do po�o, conseguiu se reerguer e encontrar uma dire��o. A minha maior frustra��o � ver que o meu pai n�o chegou l�, ent�o a minha miss�o � que outros empreendedores n�o fiquem com esse mesmo sentimento. A minha vontade � que as empresas, daqui a 20 anos, estejam estruturadas. Problemas sempre v�o existir, mas que tenham consci�ncia do que est�o fazendo de bom e de ruim. Se decidirem que n�o querem crescer, tudo bem, mas que fa�am uma escolha consciente.
Quais s�o os seus planos como empreendedora?
Recentemente, contratei cinco pessoas e investi na plataforma. Quero continuar ajudando mais pessoas. J� atendemos 166 empreendedores, s�o mais de 500 horas de mentoria, e pretendemos chegar a mil empreendedores at� o fim do ano. Em cinco anos, quero atender 10 mil empreendedores. S� acredito nessa meta porque consolidamos o nosso modelo. Venho nesse tempo validando os processos e estou no momento de escalar, at� porque preciso de volume para sustentar o neg�cio. Caso contr�rio, teria que aumentar o nosso ticket e n�o quero fazer isso, sen�o n�o vou atender quem precisa. O custo tem que ser vi�vel para o empreendedor, para que o pagamento n�o seja um problema. Para isso, tenho que ter escala.
A Canguru � uma realiza��o pessoal e profissional para voc�?
O que me inspira � ouvir um agradecimento, saber que o faturamento dobrou, que o outro empreendedor conseguiu salvar o neg�cio da fam�lia. S�o essas hist�rias que me d�o for�a para investir e buscar formas de escalar o neg�cio. O mais dif�cil � este momento de buscar volume, � a� que muitos empreendedores perdem o g�s financeiro e o apoio da fam�lia. Tamb�m enfrento isso. N�o desisti porque o meu prop�sito � muito forte e recebo muito incentivo dos mentores. Mas n�o � f�cil.
Servi�o
Canguru Expert
(31) 98239-5465