
Mas o maior dos namoros proibidos de Concei��o foi o de Rosa e Z�. Em uma poltrona na sala de estar de casa, Rosa Lima Carvalho, hoje com 84 anos, reluta em revelar, entre tantos Jos�s, por qual seu cora��o se acelerava. "N�o posso falar o sobrenome", diz, com um sorriso frouxo. Sentada em um sof� na mesma sala, sua filha, Rosa de F�tima, a Rosinha, quebra o mist�rio: era Jos� Aparecido de Oliveira, nascido em 1929 e falecido em 2007.
Natural de Concei��o, Jos� Aparecido foi deputado federal, governador do Distrito Federal e ministro da Cultura. Antes de tudo isso, por�m, foi o Z� da Rosa. De noite, era poss�vel ver os dois na Pra�a Daniel de Carvalho, onde v�rios enamorados suspiravam. Para escapar do pai da mo�a, contr�rio ao namoro, o casal tamb�m precisava se ocultar – o que n�o era muito dif�cil, j� que chegava a faltar energia el�trica por muitos dias. "Coisa escondida parece que � diferente. A� � que a gente gosta", diz ela.
At� os velhos da cidade davam palpite sobre o namoro. Quase todo mundo achava que os dois deviam ficar juntos. Mas Rosa acabou se cansando do cerco do pai, que "era bom, mas era bravo" e lhe deu umas pancadas com ela j� crescida, maior de idade e empregada como professora. "Eu estava enfarada de sofrer pris�o, n�o poder ir a Belo Horizonte. Meu pai n�o deixava por causa do Z�."
Um dia, assim, insatisfeita, viajou a Diamantina e conheceu seu futuro marido, Expedito, com quem se mudou para a capital e teve quatro filhos. O namoro de cerca de 10 anos com o Z� teve fim. E o rapaz chegou a sugerir a reconcilia��o? Meio envergonhada, Rosa responde: “Mais ou menos”. Mesmo depois de ela se casar? “Mais ou menos”, repete, sorrindo. Z� lhe dava “uns telefonemazinhos” insistentes. Ela admite que a tenta��o era forte. “Mas eu j� tinha definido minha vida, tinha responsabilidade”. Acredita que foram apaixonados: “Dizem que as almas nascem aos pares, mas vivem separadas”.
Rapazes como o Z� da Rosa andavam pela cidade a fazer serenatas. Em uma ou duas noites na semana, grupos de amigos, que n�o passavam de cinco ou seis, cantavam pelas ruas, parando na frente de algumas casas, principalmente se ali morava determinada mo�a. O repert�rio era internacional: m�sica argentina, mexicana, italiana. Muitos boleros. Tarc�sio Lazzarini, 66, era um dos participantes mais ass�duos. Lamenta que, pelos idos dos anos 1970, a serenata � moda antiga tenha ca�do em desuso: "Apareceu uma turma mais nova, que fazia serenata com aparelho de som. Isso desvirtuou, tirou o romantismo".
Leia a �ntegra da mat�ria de Realidade
Da Telef�nica �s lan houses
Al�m das serenatas, havia os cinemas para distrair a juventude. Nos bons tempos, Concei��o tinha dois: Cine Floresta e Cine Paroquial. O �ltimo funcionou pelo menos at� o fim dos anos 1970. Chegava a ter quatro sess�es por semana, quando o filme fazia sucesso e lotava o audit�rio. Em 1966, a cidade s� tinha 30 aparelhos de televis�o, que funcionavam depois das 10 da noite, de acordo com a reportagem da Realidade. Dez anos depois, a chegada da televis�o em cores fez o Paroquial definhar. “A TV trazia muitos filmes. Nosso p�blico foi caindo, as sess�es diminu�ram, come�aram a dar preju�zo”, conta Maria do Ros�rio Andrade, bilheteira do cinema.
Atualmente, mesmo na �rea rural, � improv�vel achar casas sem televis�o. O telefone tamb�m se disseminou, ainda que o sinal dos celulares seja bastante prec�rio para al�m dos limites da sede. A internet deixou de ser artigo de luxo, ao menos na zona urbana, onde h�, inclusive, lan houses.
Na d�cada de 1970, Z� Lages foi presidente da Companhia Telef�nica Conceicionense, que lutava para aumentar o n�mero de adeptos da ent�o nova tecnologia. O esfor�o rendeu inimizades. Calistrato Borges, � �poca diretor da extinta estatal Telemig, avisou: "Voc�s est�o lutando para perder o que de melhor h� em Concei��o. Voc� chega na casa de seu amigo, bate � porta, que nem campainha tem. Entra, senta, come�a a bater papo. Chegam as filhas do amigo, aquelas mo�as bonitas, para alegrar o ambiente. Agora, o cara faz careta do outro lado da linha e voc� nem sabe". Na �poca, Z� Lages n�o concordou. Depois, viu que era isso mesmo. “O doutor tinha raz�o. A vida era mais gostosa.”
Prosa no mercado
H� rotinas que nem a tecnologia conseguiu alterar muito. Uma delas est� nas manh�s do mercado municipal, que desperta cedo. �s 6h45 de uma sexta-feira, Tarc�sio dos Santos, de 56 anos, � o primeiro feirante a chegar. Minutos depois, para em frente um �nibus escolar trazendo alunos do distrito do Tabuleiro para o col�gio estadual S�o Joaquim, no Centro. Devidamente uniformizado, desce o filho de Tarc�sio, entrega-lhe a marmita do almo�o, pede “a ben�a” e segue para a escola.
O administrador do mercado, Ivan Yhorta, de 56 anos, abre as portas �s 7h em ponto. Cinco minutos depois, surge a primeira cliente, a empregada dom�stica Nilza Rodrigues, 34. Ela gosta de passar ali cedinho: “Daqui a pouco, vira uma ‘conversaiada’ que ningu�m ‘guenta’.” Nilza leva alface e abacaxi do tabuleiro de Maria Aparecida dos Santos, de 48, que ainda nem tinha acabado de tirar tudo das caixas e dispor sobre a banca. Maria tamb�m trouxe cebolinha, r�cula, mostarda, almeir�o. Artigos mais gordos surgem com os demais feirantes: queijos, biscoitos, farinha de mandioca, rapadura, banana, doces, carne de porco.
Para garantir um tabuleiro, basta se cadastrar na prefeitura. Alguns comerciantes v�o embora antes do meio-dia, a depender das vendas. Muitos n�o s�o rigorosos com rela��o a pesos e pre�os. Na banca de Iza C�lia Alves, de 48, quem comprar o pacote grande de biscoito polvilho, que j� vem fechadinho, paga R$ 9 pelos cerca de 675 gramas. Agora, se o cliente pedir para pesar o produto, Iza cobra R$ 12,92 pela mesma quantidade, uma vez que o quilo custa R$ 19.
Uma das melhores queijeiras da regi�o, Irenice de F�tima Bicalho, a Nicinha, de 37 anos, tamb�m vende, por pre�os m�dicos ou nem tanto, ab�boras (R$ 1 o quilo) e quiabos (R$ 5 o quilo) trazidos de sua fazenda. Ela diz que gostaria de doar os legumes, mas o povo n�o aceita: "Se eu der, n�o querem, acham que ficam devendo obriga��o".
Aos 86 anos, Geraldo Fernandes � um dos vendedores mais antigos do mercado: tem ponto h� mais de seis d�cadas. Traz uma caixa pequena de quiabos e, apoiado na banca, espreita a oportunidade de engatar uma "prosinha". "Venho aqui mais pra ver os amigos. Conversa fiada, n�?" A quem lhe pergunta, ele diz que o quilo do quiabo custa "10 cruzeiros".
No mercado quase nenhum jovem aparece. Hoje eles se divertem, basicamente, indo a po�os, cachoeiras e, claro, bares. Dos po�os que faziam sucesso h� quatro d�cadas, apenas o do Sossego continua bem frequentado. No Po��o, no Bairro da Vila Caetano, havia um ponto em que os jovens costumavam saltar das pedras na �gua. Pouca gente toma banho no Po�o do Padre El�i, um dos preferidos das lavadeiras dos sub�rbios, que caminham com dificuldade sob o peso das bacias equilibradas na cabe�a.
Hoje, como as estradas foram asfaltadas, a prefer�ncia s�o as cachoeiras mais distantes, como Tr�s Barras e Tabuleiro. O Po�o de Piraquara, pejorativamente chamado por alguns de “Piscin�o de Ramos”, � mais procurado pelos mais pobres. Fica lotado aos domingos. Escancarados, os porta-malas dos carros berram som alto, geralmente funk carioca. Disputa-se para ver quem tem as caixas ac�sticas mais potentes. Espalham-se churrasqueiras, algumas improvisadas com tijolos, e embalagens de isopor com cerveja, cacha�a, vinho e refrigerante.
De noite, sempre h� algu�m no Churrasquinho do Dicinho, na Pizzaria Montecastelo, no Restaurante Parol. Como as op��es de lazer n�o s�o tantas, o tenente Roger usa toler�ncia com os bares que t�m musica alta. “Mandamos desligar s� quando os vizinhos nos telefonam duas ou tr�s vezes reclamando”, revela.
Ultimamente, o pessoal tem lotado o Bar Varanda da Serra �s quintas-feiras, quando rola m�sica ao vivo. � meia-noite, continua chegando gente. Em uma das semanas de fevereiro, a banda Entre Amigos abria sua apresenta��o tocando, em ritmo de pagode, La belle de jour, de Alceu Valen�a. Depois de alguns cl�ssicos do samba, como Barrac�o de zinco e Trem das 11, vem a inevit�vel Ai, se eu te pego, popularizada na voz de Michel Tel�.
“Boate � um neg�cio que faz falta em Concei��o”, diz o jovem m�dico Cristiano Quint�o, de 29 anos, sentado em uma das mesas do bar. Mas “sempre tem algo pra fazer”, nem que seja um churrasco na casa de amigos. “A cidade tem mais cachoeira do que lugar pra sair � noite. � meio parada, mas � boa para viver.”
� madrugada e as amigas Mariana e Daiane ainda est�o no bar, situa��o impens�vel no tempo de seus pais. Mariana Andrade, de 22 anos, precisou se mudar para Sete Lagoas para estudar rela��es p�blicas, mas pretende voltar � cidade natal. Ela lembra que os amigos gostam de fazer churrasco. “O que n�o tem, a gente inventa”, comenta Mariana. Daiane Duarte, de 21 anos, que estuda ci�ncias econ�micas a dist�ncia, concorda. E resume, revelando apego ao seu ch�o imposs�vel de n�o compreender: “Concei��o n�o tem nada, mas a gente gosta”.
Brincadeiras na pista
Em Minas Gerais, h� 68 aeroportos p�blicos. Fora os dois de Belo Horizonte, os demais se espalham por 66 cidades. Concei��o do Mato Dentro � o 10º munic�pio com menos habitantes a ter uma pista de pouso, a do Aeroporto Governador Magalh�es Pinto. A data de inaugura��o ningu�m sabe informar: nem o governo estadual, administrador do aeroporto p�blico, nem a Ag�ncia Nacional de Avia��o Civil (Anac), respons�vel por homolog�-lo. A prefeitura tampouco. Um t�cnico da Aeron�utica informou que, por n�o operar voos regulares e ter um movimento muito pequeno, seria dif�cil levantar o n�mero de avi�es que j� pousaram naquela pista asfaltada de 960 metros de comprimento e 23 metros de largura.
O aeroporto de Concei��o, constru�do a 711 metros de altitude no Bairro da Bandeirinha, vive ocioso. O port�o branco de entrada est� torto e enferrujado. Nascif Otoni, funcion�rio que guarda a chave do cadeado, informa que, este ano, nenhum avi�o baixou ali. Existe tr�fego na �poca da principal festa religiosa da cidade, o Jubileu – “no �ltimo, desceram uns cinco ou seis” –, e durante campanha eleitoral. “Sempre vem pol�tico pra ca�ar voto desse povo”, diz Nascif.
Invasores se apossaram de parte do terreno do aeroporto e constru�ram casas � margem da rodovia MG-010. Por isso, muitos meninos brincam na pista e no mato alto em volta. Criadores de gado aproveitam a falta de vigil�ncia para cortar o arame da cerca e botar os bichos para pastar. A ger�ncia de fiscaliza��o aeroportu�ria da Anac enviou uma correspond�ncia � prefeitura da cidade, no ano passado, informando que pilotos reclamavam da presen�a de animais na pista. As cercas s�o remendadas, mas, vez por outra, voltam a ser rompidas.
