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Estado de Minas

Estudante com s�ndrome de Down � a 1� do Brasil a se matricular em um curso de direito

Jovem mineira portadora de s�ndrome, que trabalha como caixa de supermercado, � a a 21� pessoa no Brasil e a primeira em Minas Gerais a se matricular em uma faculdade


postado em 01/12/2012 00:12 / atualizado em 01/12/2012 08:15

Em casa, Aline divide o tempo entre os afagos da mãe, Regina Figueiredo Terrinha, e livros relacionados aos estudos ou obras de escritores famosos(foto: Gladyston Rodrigues/EM)
Em casa, Aline divide o tempo entre os afagos da m�e, Regina Figueiredo Terrinha, e livros relacionados aos estudos ou obras de escritores famosos (foto: Gladyston Rodrigues/EM)

“As pessoas me olham de um jeito estranho, como se eu fosse diferente”, percebe Aline. A professora se admirou quando, ainda crian�a, ela foi a primeira a aprender a ler em uma turma de escola regular. Muita gente se espanta ao descobrir que a mo�a acorda antes de o sol nascer e, sozinha, pega dois �nibus para chegar ao trabalho. Quem a conhece, por�m, n�o se surpreende ao saber que ela quer estudar para ser advogada. Aos 25 anos, Aline H�lio Figueiredo Terrinha � a primeira pessoa com s�ndrome de Down a se matricular em um curso de direito no Brasil.


At� hoje, apenas 20 pessoas com a s�ndrome, classificada como doen�a pela Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS), ingressaram no ensino superior no pa�s, segundo levantamento da Federa��o Brasileira das Associa��es de S�ndrome de Down (Febasd). Os cursos mais procurados foram educa��o f�sica (quatro estudantes) e pedagogia (tr�s). O Rio Grande do Sul � o estado campe�o em n�mero de universit�rios (quatro), seguido por S�o Paulo (tr�s). Aline ser� a 21ª da lista, a primeira mineira. “Direito � um curso mais exigente, o estudante tem que ler muito. Ficamos felizes com a iniciativa da Aline”, diz a presidente da Febasd, Maria de Lourdes Marques Lima.

Em seu primeiro vestibular, Aline foi aprovada para ingressar em uma faculdade particular em Belo Horizonte. As aulas come�am em 1º de fevereiro de 2013. No entanto, a mo�a n�o conseguiria pagar a mensalidade de R$ 650. “� quase meu sal�rio”, explica. Ela tentar� obter uma bolsa pelo Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies), programa federal mantido pelo Minist�rio da Educa��o. Se tudo der certo, frequentar� as aulas � noite, depois de sair do supermercado no qual � atendente de caixa. Ela precisaria abandonar o curso de auxiliar administrativo, iniciado em maio, pois passaria a ter poucas horas de sono, j� que precisa acordar �s 5h para chegar ao trabalho.

A mo�a mora com os pais e uma irm� em uma casa simples no Bairro Bela Vit�ria, Regi�o Nordeste. Por volta das 5h40, pega o primeiro �nibus e desce no Centro, onde toma outro at� o supermercado, no Bairro Funcion�rios, Regi�o Centro-Sul. O expediente n�o tem hor�rio exato para terminar, geralmente entre as 18h e as 19h. Por causa da rotina corrida, a m�e, Regina Figueiredo Terrinha, n�o queria que a filha estudasse � noite. “Pra ser sincera, sou contra. Fico com muito d� de ela trabalhar o dia todo e depois ainda ter aula. Vai ser uma maratona muito puxada. Mas ela � bem cabe�a dura: quando quer, quer mesmo”, resigna-se a mulher, que tem 56 anos e � auxiliar de enfermagem. Aline est� decidida: “Sei que � um curso dif�cil, mas se tiver for�a de vontade, perseveran�a, a gente consegue, na for�a de Deus”.

Ca�ula de quatro irm�os, Aline poder� ser primeira da fam�lia a ter diploma de n�vel superior. Ela nasceu em Montes Claros, no Norte de Minas, a 424 quil�metros da capital. Com 4,6 quilos e 56 cent�metros, era maior do que costumam ser beb�s com s�ndrome de Down. O diagn�stico da doen�a foi dif�cil. “Um pediatra chegou a dizer que ela n�o tinha Down”, lembra a m�e. Os cabelos, geralmente finos e lisos, s�o crespos em Aline. Com o tempo, por�m, algumas das caracter�sticas t�picas se tornaram evidentes, como os olhos com p�lpebras obl�quas para cima e a face mais plana. Manifestou tamb�m outro tra�o habitual: um problema na vis�o. “O olho direito quase n�o enxergava. Ela fez uma cirurgia, mas, por causa de um erro m�dico, precisou retirar (o globo ocular)”, conta Regina. No lugar, implantou-se uma pr�tese de silicone.

Jovem mineira portadora de síndrome, que trabalha como caixa de supermercado, é a a 21ª pessoa no Brasil e a primeira em Minas Gerais a se matricular em uma faculdade (foto: Gladyston Rodrigues/EM)
Jovem mineira portadora de s�ndrome, que trabalha como caixa de supermercado, � a a 21� pessoa no Brasil e a primeira em Minas Gerais a se matricular em uma faculdade (foto: Gladyston Rodrigues/EM)


Conviv�ncia com o preconceito

Todavia, n�o se notou em Aline um dos sintomas mais corriqueiros: o d�ficit de desenvolvimento intelectual. “Nunca a diferenciei dos outros filhos. Cuidei dela sem frescura. Nunca tive tempo de ficar paparicando ningu�m; trabalhava demais”, conta a m�e. Matriculada em uma escola regular, ela foi a primeira da sala a aprender a ler. “A professora se surpreendeu. At� eu me surpreendi. N�o era t�o estudiosa, mas nunca levou bomba, sempre teve boas notas”, ressalta Regina. No hist�rico escolar, as melhores notas era alcan�adas em hist�ria, portugu�s, filosofia e sociologia. Apesar do bom desempenho, sofria preconceito dos colegas. “Eles me tratavam mal, me humilhavam, falavam que eu tinha problema, que era feia, que era dem�nio. Ser rejeitado � ruim demais”, diz Aline.

Ela concluiu o ensino m�dio em 2005, chegou a fazer cursinho pr�-vestibular, pensava em tentar entrar na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “Mas n�o me preparei muito bem. N�o estava muito interessada. Quis descansar um pouco a cabe�a depois de tantos anos de escola”, explica. Em 2008, ela decidiu procurar um emprego. “Queria minha independ�ncia financeira, conhecer pessoas diferentes.” Indicada pelo Servi�o de Prote��o Social � Pessoa com Defici�ncia, mantido pela Secretaria Municipal Adjunta de Assist�ncia Social de BH, Aline conseguiu uma vaga em um supermercado. Come�ou na salsicharia, embalando embutidos. Depois, tornou-se empacotado e, afinal, foi para o caixa.

No trabalho, apesar de a funcion�ria ser eficiente, o preconceito persiste. “Uma vez, uma cliente disse que eu era lerda, tinha problema, n�o podia trabalhar ali. Foi at� reclamar com o gerente”, recorda. Sem querer se identificar, uma colega confirma a discrimina��o. Alguns clientes do supermercado, quando podem escolher, evitam usar o caixa da mo�a. “Mal sabem eles que a Aline, mesmo sendo especial, � a �nica entre as caixas com conhecimento e preparo suficiente para fazer uma faculdade”, diz a colega. Aline chegou a pensar em cursar medicina veterin�ria, mas acabou se decidindo pelo direito. “Quero advogar. Quando estiver bem fera na �rea, quero entrar na Promotoria de Justi�a”, ambiciona.

LIVROS
Aline tem qualidades caras a um bom advogado. Expressa-se com seguran�a, tem cuidado ao escolher as palavras. No come�o da conversa, ela parecia t�mida, mas logo desandou a falar. “Essa fala mesmo, igual pobre na chuva”, brinca a m�e, rindo. Nas horas vagas, a filha gosta de ler, sobretudo livros de hist�ria. Atualmente, est� lendo Cartas para Hitler, de Henrik Eberle, que reproduz a correspond�ncia enviada ao ditador e narra, a partir dela, a ascens�o e a queda do nazismo. Foi um dos cinco livros que ela ganhou de presente de um cliente do supermercado. Aline � f� dos enredos misteriosos de Agatha Christie e adora o romance Capit�es da areia, de Jorge Amado. “A hist�ria me chamou a aten��o. As crian�as que viviam na rua eram humilhadas, tratadas pior do que bicho”, narra.

Outra paix�o s�o as artes pl�sticas. Ela frequenta o Pal�cio das Artes, no Centro, cujos funcion�rios j� a reconhecem. Nas �ltimas f�rias, em outra galeria, visitou a exposi��o Caravaggio e seus seguidores e se deliciou com as obras do pintor italiano. Tamb�m gosta muito de ouvir m�sica sertaneja e de torcer pelo Atl�tico. Satisfeita, sorri ao descobrir que seria a primeira pessoa com s�ndrome de Down a cursar direito, mas enfatiza n�o querer provar nada: “Sei o que sou, n�o tenho que dar satisfa��o. N�o sou diferente de ningu�m”. A iniciativa de Aline deve “abrir caminhos”, avalia Maria de Lourdes, presidente da Febasd: “Ela serve de exemplo para toda a sociedade, que deve respeitar mais quem tem a s�ndrome. Queremos parabenizar Aline. Que ela desempenhe bem suas atividades e brilhe muito, para orgulho de todos n�s”.
 


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