Saiba quais os 5 motivos que fizeram a COVID explodir em BH e no Brasil
Políticas públicas insuficientes e desrespeito de parte da população alimentaram o novo coronavírus e surgimento de variantes
Gabriel Ronan
08/03/2021 06:00 - Atualizado em 08/03/2021 14:59
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Moradores de Belo Horizonte assistiram, nas últimas semanas, a uma alta nos indicadores da pandemia da COVID-19 que culminaram com novo trancamento da cidade. Em apenas 64 dias de 2021, a capital mineira registrou 74,4% do total de casos de todo o ano passado, e a ocupação das UTIs fechou o último boletim na zona crítica, com taxa de 81%. Essa combinação foi primordial na decisão da prefeitura de fechar novamente o comércio da cidade e permitir o expediente apenas dos serviços essenciais desde sábado. Mas quais são os fatores por trás dessa proliferação em massa do vírus na capital?
Em busca de respostas que ajudem a explicar o fenômeno, o Estado de Minas compilou dados e conversou com o infectologista Geraldo Cunha Cury, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), para tentar entender como BH, Minas e o Brasil em geral apresentaram números tão elevados na última semana. Cinco fatores aparecem como determinantes: a lentidão na vacinação; a circulação de variantes do novo coronavírus, três delas já mapeadas em BH; a gestão errática do governo federal para a pandemia; as festas de fim de ano e as aglomerações e viagens do carnaval; e a queda no isolamento social, ainda uma das providências mais importantes na batalha contra o vírus.
Ainda que toda essa gama de fatores tenha influenciado, Geraldo Cunha Cury aponta duas razões principais para a nova onda de transmissão da doença. “O primeiro é a escassez de vacina, pelo fato de o governo federal não ter contratado de fabricantes no ano passado. E também o aumento no número de casos em função da soma de ano-novo, festas irregulares, praias, férias e carnaval, o que também impulsionou as variantes”, explica.
Não é novidade que o Brasil caminha a passos de tartaruga para imunizar a população, após ter dificuldades diplomáticas até para comprar insumos para produção. Belo Horizonte recebeu até agora 293.520 vacinas: 219.520 da CoronaVac (Sinovac/Butantan) e 74 mil da AstraZeneca (Oxford/Fiocruz). Parte deste estoque, exatamente 51,3 mil doses, só chegou à capital mineira no último dia 1º.
Antes, a gestão Alexandre Kalil (PSD) não recebia imunizantes desde 11 de fevereiro. Foram 17 dias consecutivos sem novo carregamento. Pegando Minas Gerais como exemplo, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) estima que o estado vai levar mais 912 dias para vacinar toda sua população, caso o ritmo de imunização atual se mantenha. Desde o início da campanha, a velocidade da imunização é menor do que a média brasileira.
Ainda de acordo com a Fiocruz, Minas vacinou 635.176 pessoas, apenas 3,83% da população. Em BH, são 130.910 pessoas imunizadas com ao menos uma dose. Isso quer dizer que a capital protegeu parcialmente apenas 4,8% de seus habitantes. Desse contingente, 62.140 moradores (2,28% do total) completaram o esquema vacinal.
Na última semana, a cidade deu início à quarta etapa de vacinação, englobando os idosos entre 80 e 85 anos. Todo o novo estoque recebido do governo do estado será empenhado para proteger essa população. Essa fase vai até a próxima sexta-feira. A prefeitura também assinou o consórcio com outros municípios para compra de imunizantes, mas Kalil trata a questão com ceticismo, porque é uma atribuição do governo federal.
O recorde anterior havia ocorrido em agosto, com 451 óbitos em Belo Horizonte. Para o infectologista Geraldo Cunha Cury, da UFMG, a cidade sofre as consequências das aglomerações das festas de fim de ano e do carnaval, o que pode ser ampliado com a chegada da Semana Santa, entre março e abril. “Se acontecer aglomeração agora novamente (no próximo feriado prolongado), a bola de neve vai crescer ainda mais. Não temos limite de mortes para essa doença”, diz.
A visão de Cury é compartilhada pelo secretário municipal de Saúde, Jackson Machado Pinto. Em entrevista coletiva na última quarta-feira, ele afirmou que a principal hipótese para o aumento da transmissão do vírus na cidade foi o carnaval. Esse foi um dos fatores que forçou a PBH a adiar a volta às aulas das crianças de até 5 anos, que seria anunciada na última sexta.
Isolamento
Desde o início da pandemia, o distanciamento social é, ao lado do uso das máscaras e da higienização das mãos, a principal defesa contra o coronavírus. Nesse índice, a Prefeitura de BH computou queda na comparação entre fevereiro e janeiro. No último mês, a taxa média foi de 45,9%. Nos primeiros 31 dias do ano, a media do indicador foi de 46,5%.
A diferença é pequena, mas o Painel Coronavírus da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES/MG) mostra que a Região Central, formada principalmente pela Grande BH, é a segunda que menos respeita o distanciamento social no estado, o que evidentemente reflete nos dados de transmissão da capital. A média do indicador nessa regional, em fevereiro, foi de 38,02%.
No contexto do estado em geral, o governo contabiliza queda vertiginosa no isolamento social desde o carnaval. Na primeira semana de fevereiro, a taxa era de 39,23%. Mas fechou o mês em 33,76%, o menor índice desde 28 de junho, quando a SES começou a compilar esses números. Tal fator forçou a Prefeitura de BH a retomar barreiras sanitárias na cidade.
Os fiscais vão aferir a temperatura, além de aplicar questionário aos motoristas e motociclistas. A fiscalização ocorre nas avenidas Nossa Senhora do Carmo, Dom Pedro I e Amazonas, além da Rodoviária e da Estação Central do metrô.
O perigo das novas variantes
(foto: Leandro Couri/EM/DA Press-25/11/20)
Na última semana, artigo preliminar da revista científica “Lancet”, feito por pesquisadores das universidades de São Paulo (USP) e Estadual de Campinas (Unicamp), indicou que a variante p.1 do novo coronavírus, surgida em Manaus, pode driblar os anticorpos produzidos pela CoronaVac. Apesar de o ensaio ainda dizer respeito a uma amostra pequena de pessoas, apenas oito, acendeu o alerta para o risco que corre o Brasil ao não agilizar a vacinação.
Em Belo Horizonte, de acordo com o infectologista Unaí Tupinambás, pesquisadores já detectaram três mutações: a p.1, a p.2 (principal suspeita é que tenha vindo de Macaé, no Rio de Janeiro) e B117 (Reino Unido). Outra variante de atenção, a da África do Sul, ainda não foi mapeada na cidade, segundo ele. Mas isso pode acontecer em breve, já que a transmissão do vírus está alta. De acordo com o infectologista, a que mais preocupa entre as novas cepas é a p.2 nesse primeiro momento, entretanto, as pesquisas ainda estão no início.
“Parece que a p.2 está em processo de evolução. Ela é 'prima-irmã' da p.1. Tem as mesmas mutações. Ela pode escapar, às vezes, do efeito da vacina, pode ter mais reinfecção e parece também, que a gente vai precisar de um tempo para verificar isso, que ela é mais grave. Tem uma letalidade mais alta”, afirmou em entrevista coletiva na sexta-feira. A preocupação tende a aumentar depois que a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) detectou as novas mutações em oito estados brasileiros, inclusive em Minas Gerais, onde 30,3% dos testes realizados estão ligados a essas cepas. Em seis unidades da federação, já há prevalência delas.
“O que é preocupante é que muitas outras (cepas) estão surgindo. Se você não tem controle da transmissão, as variantes mais suscetíveis de contágio vão se multiplicando. Podemos ter várias outras já circulando. Isso acontece em qualquer doença viral, mas como temos muitas pessoas se contaminando sem parar, novos subtipos vão surgindo”, explica o infectologista Geraldo Cunha Cury, da UFMG.
Outro problema oriundo das novas variantes é a infecção de crianças. Ainda que os estudos sejam iniciais, tudo indica que elas são mais vulneráveis a determinadas mutações. Em BH, a prefeitura anunciou que oito crianças menores de 6 anos estão internadas em enfermarias. A situação comoveu o prefeito Kalil. “Nós não estamos contaminando mais o pai e a mãe. Nós estamos contaminando o filho. Então, aviso à população de Belo Horizonte: quem não tem medo de matar o avô e a avó, cuidado para não matar o sobrinho e o filho”, disse ele em coletiva.
Falta de gestão
As declarações do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) não ajudaram em momento algum durante a pandemia. Desde a “gripezinha” até o desprezo pelas mortes, o negacionismo do chefe do Executivo federal tem impacto significativo no comportamento da população, avalia o infectologista Geraldo Cunha Cury. “Qualquer que seja o presidente da República, muitas pessoas fazem e seguem aquilo que é aconselhado por ele. Lamentavelmente, estamos assistindo a um conjunto de desinformação. É só você ver as aglomerações que acontecem da presença dele”, afirma.
Na última semana, Bolsonaro voltou a ser alvo de críticas de especialistas da saúde ao chamar de “mimimi” e “frescura” o sofrimento pelo crescimento de mortes no país. As declarações foram dadas no dia seguinte ao recorde diário de mortes pela COVID-19 registrado no Brasil, 1.910 óbitos. "Chega de frescura, de mimimi. Vão ficar chorando até quando? Temos que enfrentar os problemas, respeitar, obviamente, os mais idosos, aqueles que têm doenças, comorbidades. Mas onde vai parar o Brasil se nós pararmos?", disse o presidente em discurso transmitido pela TV Brasil.
O que é o coronavírus
Coronavírus são uma grande família de vírus que causam infecções respiratórias. O novo agente do coronavírus (COVID-19) foi descoberto em dezembro de 2019, na China. A doença pode causar infecções com sintomas inicialmente semelhantes aos resfriados ou gripes leves, mas com risco de se agravarem, podendo resultar em morte. Vídeo: Por que você não deve espalhar tudo que recebe no Whatsapp
Como a COVID-19 é transmitida?
A transmissão dos coronavírus costuma ocorrer pelo ar ou por contato pessoal com secreções contaminadas, como gotículas de saliva, espirro, tosse, catarro, contato pessoal próximo, como toque ou aperto de mão, contato com objetos ou superfícies contaminadas, seguido de contato com a boca, nariz ou olhos.