
A restaura��o das �reas de mata nativa e das caracter�sticas naturais na bacia do Rio Doce tem revelado um trabalho complexo. Uma medida compensat�ria ap�s o rompimento da barragem de Fund�o, em Mariana (MG), em 2015, estipula que 40 mil hectares sejam recuperados em dez anos. A �rea n�o foi atingida diretamente pelos rejeitos, mas est� em regi�es historicamente degradadas pela atividade agropecu�ria n�o sustent�vel, pastos com baixa produtividade, queimadas irregulares e solos extremamente compactados e pedregosos.
A iniciativa � realizada pela Funda��o Renova, organiza��o respons�vel pela repara��o e compensa��o dos danos causados pelo desastre, em parceria com o World Wildlife Fund Brasil (WWF-Brasil), que deu vida ao projeto de recupera��o em larga escala espec�fico para a bacia do rio Doce. O custo de opera��o deve chegar a R$ 1.1 bilh�o.
A execu��o foi iniciada em setembro deste ano com o plantio de 800 hectares de �reas de Preserva��o Permanente (APPs) nos munic�pios de Governador Valadares, Coimbra, Periquito e Galileia, em Minas Gerais; e Colatina, Maril�ndia e Pancas, no Esp�rito Santo. A previs�o � que a primeira fase seja conclu�da at� fevereiro de 2020, durante o per�odo chuvoso, com o plantio de 800 mil mudas de esp�cies de Mata Atl�ntica, produzidas em parceria com 10 viveiros espalhados ao longo da bacia.
O reflorestamento � considerado uma grande cadeia produtiva potencialmente geradora de oportunidades de melhoria na vida das pessoas. Por isso, para viabilizar o plantio nos 40 mil hectares, foi criada a rede de sementes, fruto de plano em parceria com o Centro de Pesquisas Ambientais do Nordeste (Cepan). Essa cadeia produtiva visa a coleta e beneficiamento de sementes, gerando trabalho e renda para comunidades tradicionais, povos ind�genas, agricultores de base familiar e de assentamentos.
“A rede de sementes tem muito a ver com o legado que o projeto de restaura��o florestal pode trazer. Ela tem a capacidade de mobilizar elos estrat�gicos da cadeia produtiva da restaura��o”, afirma o diretor presidente do Cepan, o bi�logo Severino Ribeiro.
A rede foi planejada durante aproximadamente um ano antes de ser efetivamente implantada. Depois de finalizado o planejamento, come�ou a ganhar corpo com a��es concretas e os primeiros grupos de coletores j� est�o trabalhando.
At� o final de 2019 ser�o investidos R$ 2,9 milh�es para incuba��o de sementes e compra de mudas. A expectativa � que 3,5 toneladas de sementes sejam incubadas e 1,35 milh�o de mudas sejam obtidas. Para 2020, os n�meros previstos s�o: 7 toneladas de sementes incubadas e 700 mil mudas adquiridas.

For�a do trabalho na comunidade
Na regi�o de Aracruz, norte do Esp�rito Santo, comunidades ind�genas tupiniquins est�o coletando sementes que ser�o utilizadas no plantio dos primeiros 100 hectares restaurados na regi�o.
Ap�s a coleta, as sementes s�o beneficiadas e acondicionadas em lotes para expedi��o. Nessa parte do processo, t�cnicos do Cepan e da Funda��o Renova checam os lotes e realizam testes de germina��o e viabilidade das sementes. Ap�s os testes, sementes de diferentes esp�cies nativas s�o mescladas, com base em uma l�gica cient�fica, formando um mix que ser� semeado no campo.
A meta da rede � chegar a 60 grupos de coletores de sementes, criando uma nova figura profissional no mercado de trabalho da bacia do rio Doce. Os coletores ser�o capacitados n�o apenas com t�cnicas diretamente ligadas � atividade florestal, mas, tamb�m, com conhecimentos nas �reas administrativa e de seguran�a do trabalho para que possam seguir desenvolvendo a atividade por conta pr�pria no futuro.
O perfil do coletor � de pessoas que tenham algum tipo de aproxima��o com agricultura, contato com florestas ou que j� exerceram alguma atividade com a terra. Os coletores s�o figuras centrais e indispens�veis ao processo.
Por experi�ncia em atividades agr�colas e florestais — e de vida —, sabem identificar o momento em que as diversas esp�cies vegetais da Mata Atl�ntica est�o frutificando. Al�m disso, conhecem as rotas de coletas para encontrar as sementes. Severino Ribeiro destaca a import�ncia do conhecimento dos moradores da regi�o da bacia.
“S�o grandes historiadores naturais. Conhecem os aspectos fenol�gicos de uma floresta tropical. Sabem precisar o per�odo de frutifica��o, de flora��o de cada esp�cie tropical. Eles saem andando por grandes �reas de coletas de sementes sabendo o per�odo de frutifica��o, coletam as sementes e, por meio do seu saber tradicional, trabalham com o beneficiamento, passando as sementes por triagem para deix�-las vi�veis”, explica.
A atividade � remunerada e pode significar uma mudan�a no panorama econ�mico dos coletores.
“Para este primeiro ano de projeto, em torno de R$ 300 mil ser�o repassados para esses grupos de coletores. Estamos falando de pessoas que beiram � marginaliza��o social, em termos de renda e emprego. A fun��o de coletor de semente, al�m da inclus�o com uma nova forma laboral, pode ser uma atividade geradora de renda complementar aos trabalhos de subsist�ncia que eles desenvolvem. � uma mudan�a de perspectiva na forma de atuar nos projetos de mitiga��o p�s-desastre. Estamos falando de uma tentativa real de deixar um legado”, afirma o diretor do Cepan.

Plantio das sementes e restaura��o
As sementes coletadas ser�o, ao final do processo, plantadas por meio do m�todo de semeadura direta, que � sustent�vel e de baixo custo. A coleta e a semeadura aceleram e otimizam o processo natural de nascimento de esp�cies vegetais, garantindo um aumento da quantidade de sementes que se tornar�o plantas desenvolvidas, na medida em que, se as sementes fossem simplesmente deixadas na natureza, nem todas iriam germinar.
Metade da demanda da Funda��o Renova ser� suprida pelas sementes coletadas e beneficiadas pela rede. O restante vem de outras metodologias ativas de restaura��o, como o plantio de mudas ou condu��o da regenera��o natural. A semeadura direta � capaz de recobrir rapidamente o solo e estruturar o habitat, sombreando a �rea num per�odo de tempo mais curto do que o plantio de mudas.
Entretanto, mesmo com todas as vantagens sociais e econ�micas da rede de sementes, seu produto n�o pode ser utilizado na totalidade das �reas reflorestadas, pois cada local, cada tipo de degrada��o, requer uma an�lise quase que personalizada, o que faz com que n�o exista t�cnica de plantio absoluta. Assim, iniciativas variadas de revegeta��o, sementes e mudas v�o se desenvolvendo juntas, num processo de intera��o.
“A ideia � que essas metodologias de recupera��o de �reas degradadas atuem em sinergia. N�o existe uma melhor que outra. Existem algumas que se adaptam melhor a determinado local. Esse talvez seja um dos grandes desafios. Trabalhamos num dos maiores projetos de restaura��o florestal do mundo. Ent�o, os desafios tecnol�gicos s�o muito grandes. Teremos que experimentar diversas formas para potencializar a escala e reduzir o tempo de recupera��o da bacia”, conclui Severino Ribeiro.
Invent�rio Florestal
Em toda a bacia do rio Doce ser�o recuperados, como medida compensat�ria, 40 mil hectares de mata nativa. Desses, ser�o 10 mil hectares com plantio direto de aproximadamente 20 milh�es de mudas e 30 mil hectares por condu��o da regenera��o natural das �reas. Al�m disso, 5 mil nascentes ser�o recuperadas e mais 1 milh�o de mudas devem ser utilizadas nesse processo.

Para ter condi��es de monitorar a efic�cia das a��es, um diagn�stico da vegeta��o e do solo vem sendo desenvolvido, chamado invent�rio florestal. Trata-se de uma iniciativa que busca criar um banco de dados sobre as condi��es florestais na bacia do rio Doce, levantando informa��es sobre a variedade e a popula��o de esp�cies, condi��es da vegeta��o e fertilidade do solo. Tais dados servem como refer�ncia acerca das condi��es reais da floresta e auxiliam na avalia��o da efic�cia das a��es de recupera��o.
Na pr�tica, o invent�rio permite que os profissionais respons�veis pela revitaliza��o — que n�o se resume ao plantio de esp�cies vegetais — tenham acesso � indicadores ecol�gicos utilizados para monitorar os trabalhos.
Quatro indicadores principais foram definidos para a iniciativa: diversidade de esp�cies, densidade de esp�cies, cobertura vegetal e cobertura de esp�cies invasoras (mato, gram�neas). Tais indicadores contaram com a aprova��o dos membros da C�mara T�cnica Restaura��o Florestal e Produ��o de �gua (CT-FLOR), que faz parte do Comit� Interfederativo (CIF), coordenado pelo Ibama. O CIF � composto por representantes de �rg�os p�blicos e da sociedade e tem a responsabilidade de orientar, acompanhar, monitorar e fiscalizar as medidas de repara��o previstas no Termo de Transa��o e de Ajustamento de Conduta (TTAC).
F�bio Haruki Nabeta, engenheiro agr�nomo e l�der de programas socioambientais da Funda��o Renova, conta que o prop�sito � monitorar se �reas recuperadas adquiriram caracter�sticas similares �s dos ambientes que se desenvolveram naturalmente.
“Analisamos uma mata madura que n�o foi atingida pelo rejeito, uma floresta que vive h� d�cadas. E inventariamos, fazemos o diagn�stico. Se ela tem 100 esp�cies vegetais, nossa meta � ter nas florestas que foram plantadas no m�nimo 40 destas esp�cies at� o sexto ano ap�s o plantio”, esclarece.
Com base no invent�rio, a equipe de restaura��o florestal trabalha para alcan�ar metas estabelecidas na C�mara T�cnica. “Recuperar n�o � s� plantar. � preciso analisar qualitativamente a recupera��o ambiental, n�o s� quantitativamente”, destaca F�bio.
As a��es de campo para o invent�rio foram iniciadas em maio deste ano e ser�o finalizadas em maio de 2020. E, assim como outros programas da Funda��o Renova, o invent�rio florestal, al�m de ajudar a definir os rumos do trabalho de reflorestamento, ser� um legado deixado para os governos e produtores rurais de Minas Gerais e do Esp�rito Santo.
Maior estudo realizado no Brasil
O invent�rio florestal da bacia do rio Doce � o maior estudo desse tipo realizado no pa�s. A �rea abrangida � de 86.715 mil km² e passa por 230 munic�pios.
� um levantamento sistem�tico das �reas de floresta, realizado com a instala��o de 7.060 unidades amostrais (parcelas) na �rea inventariada. Essas unidades s�o locais de coleta de dados dos indiv�duos vegetais, como altura, di�metro � altura do peito, esp�cie, porcentagem de solo exposto etc.
Diante da grandeza do territ�rio a ser estudado, a bacia principal foi dividida em nove sub-bacias para facilitar o planejamento e realiza��o das atividades no campo.
O projeto se destaca n�o s� pelo tamanho, mas pela qualidade. Assim como em outras a��es, a Funda��o Renova utiliza ferramentas na condu��o das atividades, al�m de promover a capacita��o dos t�cnicos inventariantes.
“Estamos utilizando tecnologias avan�adas, n�o usamos papel para registrar n�meros, apenas aplicativos. Cada �rvore ser� mapeada, georreferenciada e ter� um QRcode, que pode ser lido com celular para ter acesso a todas as informa��es”, explica o l�der de programas socioambientais da Renova.