Os presidentes dos tribunais regionais eleitorais (TREs) de todo o Brasil est�o em alerta e apreensivos com a possibilidade de que, com a nova composi��o do Supremo Tribunal Federal (STF), a Lei Ficha Limpa, que j� n�o foi aplicada nas elei��es do ano passado, caia em definitivo quando da aprecia��o de sua constitucionalidade.
Reunidos em Belo Horizonte no 54º Encontro do Col�gio de Presidentes de Tribunais Regionais Eleitorais, os desembargadores decidiram incluir na Carta de Minas, que ser� divulgada amanh�, um apelo para que o m�rito da Lei Ficha Limpa seja julgado antes das elei��es municipais de 2012. Mais do que isso, a maioria dos desembargadores se posiciona claramente pela vig�ncia da lei de iniciativa popular, que consideram fundamental para extirpar da pol�tica brasileira candidatos inid�neos.

Igual opini�o manifestou a vice-presidente do Col�gio Eleitoral, desembargadora Zelite Carneiro, presidente do TRE de Rond�nia: “A corrup��o fere a dignidade do povo. Est� na hora de acabarmos com isso. Sou inteiramente a favor da Ficha Limpa. Defendi com todas as minhas for�as e fiquei alquebrada e decepcionada quando recebi ordem superior para diplomar um ficha-suja, que tinha um mandado de pris�o”.
Para Zelite, a Lei Ficha Limpa representou a manifesta��o de brasileiros que querem um processo eleitoral livre de pessoas com passado question�vel. “Eu me arrepio quando penso nisso”, afirmou ela, manifestando preocupa��o com o julgamento da A��o Declarat�ria de Constitucionalidade (ADC) 29 de autoria do PPS e da A��o Direta de Inconstitucoinalidade (Adin) 4.578, proposta pela Confedera��o Nacional das Profiss�es Liberais (CNPL).
O PPS pede que seja reconhecida, pela Corte, a validade da Lei da Ficha Limpa e a sua aplica��o para os fatos ocorridos antes da vig�ncia da norma, nas elei��es de 2012, que resultaram em condena��es por �rg�os colegiados. J� a CNPL questiona o dispositivo da lei que declara ineleg�vel quem for exclu�do do exerc�cio da profiss�o por decis�o de conselho profissional.
Votos validados alteraram mandatos
Em mar�o, durante o julgamento do caso do deputado estadual Leon�dio Bou�as (PP), cuja candidatura havia sido impugnada por condena��o em �rg�o colegiado, o STF decidiu, por 6 votos a 5, que a Lei Ficha Limpa n�o teria validade para as elei��es de 2010. Bou�as tamb�m levantou outro debate: argumentou que havia sido condenado antes da vig�ncia da lei, que n�o poderia retroagir em seu preju�zo. Atacava, portanto, o m�rito da lei. Depois de ter prevalecido o entendimento de que a lei n�o seria aplicada para o pleito passado, o m�rito n�o foi julgado.
Mas o assunto continua a assombrar os presidentes dos tribunais regionais eleitorais, que este ano, ap�s a decis�o do STF, tiveram que validar os votos dos candidatos que concorreram com pend�ncias judiciais e foram contados separadamente. Al�m de esses votos terem alterado os quocientes eleitorais e os quocientes partid�rios, houve candidatos que depois de terem sido proclamados eleitos perderam o mandato.
“Esperamos que o STF seja �gil e defina a situa��o antes do registro das candidaturas para evitar o que ocorreu em 2010. Fizemos a elei��o e ainda estamos retotalizando voto. Sem d�vida isso traz inseguran�a jur�dica”, afirma Kildare Carvalho, presidente do TRE-MG. Criticando os adeptos do argumento de que a Lei Ficha Limpa violaria o preceito constitucional de que qualquer senten�a condenat�ria, para ter efeitos, s� valeria ap�s o tr�nsito em julgado, Kildare assinala: “Mat�ria eleitoral n�o � mat�ria criminal. Sustentamos a tese de que a inelegibilidade n�o � uma san��o, n�o � uma pena, mas uma condi��o”.
M�cula
O presidente do TRE do Paran�, Prestes Mattar � categ�rico ao defender a aplica��o da Lei Ficha Limpa. “Sempre fui favor�vel, mesmo quanto � quest�o da anterioridade, pois o desejo � do eleitor. Ele deve comandar esse processo.” Para Mattar, os candidatos inid�neos devem ser varridos do processo eleitoral. “Aqueles que n�o s�o dignos de serem votados t�m de ser afastados”, afirmou ele, considerando ter sido a justi�a eleitoral “maculada” com essa indefini��o que ainda paira sobre o pleito de 2012.
Tamb�m a presidente do TRE do Amazonas, Gra�a Figueiredo, reclamou da expectativa que se criou com a nova lei e a frustra��o que decorreu de sua n�o aplica��o imediata. "J� havia pessoas afastadas com os votos contatos em separado. Isso dava esperan�a de que a Justi�a agia com rigor", afirmou. "T�nhamos fatos concretos e casos de candidatos que cometeram homic�dios, que foram condenados por tr�fico de drogas, uma s�rie de crimes, at� hediondos, que tivemos de diplomar", acrescentou.
Opini�o semelhante manifestou o presidente do TRE do Par�, Ricardo Nunes, para quem a iniciativa popular foi s�bia e representou um avan�o institucional na legisla��o eleitoral. “Afinal, as pessoas que v�o nos representar devem ter vida pregressa limpa e sem manchas para que os eleitores e a sociedade tenham condi��es de se orgulhar de seus representantes.”
Os caminhos da lei
A Lei da Ficha Limpa foi originada de um projeto de iniciativa popular, a partir da campanha Combatendo a corrup��o eleitoral, lan�ada em fevereiro de 1997 pela Comiss�o Brasileira Justi�a e Paz (CBJP), da Confer�ncia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
O objetivo da proposta era impedir que pol�ticos com condena��o na Justi�a pudessem concorrer �s elei��es.
A proposta ganhou for�a ao longo do tempo e se transformou em uma campanha nacional pela sua aprova��o – a Ficha Limpa, liderada pelo Movimento de Combate � Corrup��o Eleitoral (MCCE).
O movimento trabalhou mais de um ano para coletar nos 26 estados e no Distrito Federal o 1 milh�o de assinaturas necess�rio (1% do eleitorado nacional) para que o Congresso aceitasse a proposta. Os organizadores, no entanto, foram muito al�m ao reunir mais de 1,6 milh�o de assinaturas (na foto, campanha em Belo Horizonte).
Em 29 setembro de 2009, o projeto de lei popular foi entregue ao presidente da C�mara dos Deputados, Michel Temer (PMDB-SP), e, para tramitar na Casa, ganhou o n�mero 518/09.
Em 5 de maio de 2010, foi aprovado na C�mara dos Deputados e em 19 de maio no Senado Federal, por vota��o un�nime.
Em 4 de junho de 2010, foi sancionado pelo presidente Lula, transformando-se na Lei Complementar 135, ficando, por�m, a d�vida se a regra valeria para as elei��es de outubro de 2010.
O julgamento
O caso
O ex-deputado estadual mineiro Leon�dio Bou�as (PMDB) foi condenado pelo Tribunal de Justi�a de Minas Gerais (TJMG) em 2002 por improbidade administrativa. Com a condena��o por �rg�o colegiado, veio a inelegibilidade, nos termos da Ficha Limpa. O registro para a candidatura de Bou�as para a Assembleia Legislativa de Minas em 2010 foi indeferido. Em seu recurso ao Supremo Tribunal Federal (STF), Bou�as questionou o fato de a lei ter sido aplicada com menos de um ano de vig�ncia, j� no pleito do ano passado. Ele argumentou tamb�m ter sido condenado antes da vig�ncia da lei, que n�o poderia retroagir em seu preju�zo, questionando o m�rito da Ficha Limpa.
Como a Corte se posicionou
Por maioria de votos (6 a 5), o plen�rio do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em mar�o (foto), que a Lei Ficha Limpa n�o devia ser aplicada �s elei��es realizadas em 2010, por desrespeito ao artigo 16 da Constitui��o Federal, dispositivo que trata da anterioridade da lei eleitoral. De um lado, os ministros do STF Ricardo Lewandowski e C�rmen L�cia – presidente e vice do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) –, Carlos Ayres Britto, Ellen Gracie e Joaquim Barbosa defenderam a aplica��o imediata da nova lei. Do outro, os ministros Cezar Peluso, Celso de Mello, Marco Aur�lio de Mello, Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Luiz Fux sustentaram que a norma n�o poderia ser aplicada nas elei��es de 2010.
O m�rito
O m�rito da Lei Ficha Limpa ainda n�o foi julgado. O que o STF ter� de decidir, ao analisar a A��o Declarat�ria de Constitucionalidade (ADC) 29, de autoria do PPS, � se a sua aplica��o valer� para fatos ocorridos antes da vig�ncia da norma. H� quem tome emprestado o princ�pio penal de que a lei n�o pode retroagir para prejudicar o r�u. O argumento, entretanto, n�o � aceito por v�rios juristas: o princ�pio vale para a mat�ria penal, n�o para a mat�ria eleitoral, j� que a elegibilidade � uma condi��o, n�o uma san��o. Dessa forma, a lei eleitoral estabelece as condi��es de elegibilidade que podem ser ampliadas de um pleito para outro. O julgamento do m�rito n�o tem data prevista.