
O artista das formas ousadas e dos monumentos repletos de curvas nunca escondeu suas posi��es pol�ticas. Oscar Niemeyer, de 104 anos, dedicou a vida a duas de suas grandes paix�es: a arquitetura e o comunismo. De suas m�os sa�ram os tra�ados de projetos inovadores, como o complexo arquitet�nico da Pampulha e os pr�dios monumentais de Bras�lia, mas tamb�m manifestos em defesa da democracia, cartas a amigos do antigo partid�o e in�meros artigos em que ele n�o hesitava em declarar: “Sou mesmo um comunista”. A sua ideologia sem disfarces era um inc�modo e um motivo de constrangimento para os militares durante a ditadura. Mas o enorme prest�gio internacional de Niemeyer livrou-o de pris�es e de interrogat�rios mais duros.
Documentos sigilosos do governo militar guardados no Arquivo Nacional comprovam que todas as atividades do arquiteto eram monitoradas e que as declara��es, projetos e entrevistas de Oscar causavam enorme desconforto entre os integrantes da alta c�pula. O Estado de Minas teve acesso a arquivos liberados gra�as � Lei de Acesso � Informa��o que revelam a vis�o dos militares a respeito do arquiteto: Niemeyer era considerado um inimigo, com contato pr�ximo aos “escal�es avan�ados da subvers�o estudantil” e dono de um perigoso discurso antiamericanista. Al�m das posi��es pol�ticas, nem mesmo o trabalho de Oscar escapou de questionamentos e acusa��es. Os documentos revelam uma grave acusa��o que teve repercuss�o entre os militares da �poca: um coronel se empenhou em divulgar o boato de que trabalhos de Niemeyer seriam um pl�gio dos projetos do arquiteto su��o Le Corbusier.
Um documento do Servi�o Nacional de Informa��es (SNI) de 1973, cujo tema era Oscar Niemeyer, esmiu�a em quatro p�ginas os passos do arquiteto. O of�cio detalha principalmente entrevistas, encontros e suas atividades. “O presente documento de informa��es trata dos aspectos ideol�gicos das atividades de Oscar Niemeyer, n�o tendo sido focalizados os casos de natureza t�cnico-administrativa ligados a Bras�lia, como o pl�gio de Le Corbusier”, diz o documento localizado pela reportagem no Arquivo Nacional.
A acusa��o dos militares de que Niemeyer teria copiado trabalhos do colega su��o � apenas mencionada no of�cio, que n�o traz detalhes sobre o caso. Mas o EM apurou que o trecho � refer�ncia a uma not�cia propalada � �poca pelo coronel Miguel Pereira Manso Neto, que foi assessor do governo M�dici. Segundo amigos de Niemeyer e de acordo com o pr�prio arquiteto, o militar reuniu croquis e fotos para tentar provar que Oscar plagiava Le Corbusier. Ele dizia que a Igrejinha da Asa Sul seria “uma c�pia” de um templo projetado pelo su��o para a cidade indiana de Chandigarh.
Niemeyer se lembra do caso com palavras cheias de revolta. “A indignidade atinge limites inimagin�veis quando o coronel Manso Neto arranja um croqui com o qual pretende provar que copio Le Corbusier. O plano prossegue e, na prefeitura, c�pias s�o distribu�das aos ministros e pessoas importantes”, relembra Oscar Niemeyer em seu livro de mem�rias Curvas do tempo. O arquiteto Carlos Magalh�es, amigo, ex-genro e representante do escrit�rio de Niemeyer em Bras�lia, diz que a acusa��o de pl�gio difundida por militares foi um dos epis�dios que mais o indispuseram com a ditadura. “O que existia era uma rela��o de mestre e aluno. Le Corbusier era uma inspira��o. Mas � claro que n�o houve pl�gio”, comenta Magalh�es.
VIG�LIA Niemeyer prestou depoimentos � pol�cia durante a ditadura, mas jamais sofreu viol�ncia. Nos anos 1960, ele j� era um profissional de grande renome internacional, o que garantia certa liberdade. Mas as suas posi��es pol�ticas tamb�m lhe privaram de alguns trabalhos. Em 1969, os militares abriram inqu�rito policial para identificar “os respons�veis pelas agita��es comuno-estudantis ocorridas na Universidade de Bras�lia em mar�o de 1968”. O documento est� no Arquivo Nacional . O nome de Niemeyer � citado v�rias vezes. O inqu�rito diz que ele era “um dos influenciadores de fora para dentro da UnB” e que Oscar e outros membros da Associa��o dos Arquitetos de Bras�lia “colaboraram, sobretudo, com a FAU (Faculdade de Arquitetura), que � �rg�o subversivo”.
As amizades de Niemeyer tamb�m eram monitoradas. Telegrama de Luiz Carlos Prestes enviado em abril de 1960, na �poca da inaugura��o de Bras�lia, foi encontrado pela pol�cia em 1964 e passou a ser considerado como uma prova da “atividade subversiva” do arquiteto. O bilhete est� no Arquivo Nacional, anexado a um of�cio que detalhava os passos de Oscar.