Detido em 1971 por agentes da pol�cia pol�tica, o ex-marinheiro Edgard de Aquino Duarte, na �poca com 29 anos, faz parte da lista de mortos e desaparecidos do per�odo do regime militar. Embora tenha sido visto na pris�o por v�rios ex-presos pol�ticos as autoridades sempre negaram que, em algum momento, ele tivesse permanecido sob sua guarda. Agora, por�m, procuradores do Minist�rio P�blico Federal (MPF) acabam de localizar um documento que pode ajudar a esclarecer a hist�ria de Duarte, desaparecido desde 1973.
No Arquivo P�blico do Estado de S�o Paulo, o grupo especial de procuradores que investiga casos de desaparecidos, procurando incriminar os respons�veis, encontrou, entre pap�is do antigo Departamento de Ordem Pol�tica e Social (Dops), uma ficha elaborada pelo 2.º Ex�rcito sobre Duarte.
Nela se informa que foi detido para averigua��es em 13 de junho de 1971 e que passou por mais de um c�rcere. A ficha foi elaborada pela Opera��o Bandeirantes, controlada pelo Ex�rcito e vinculada ao Destacamento de Opera��es de Informa��es - Centro de Opera��es de Defesa Interna (DOI-Codi). Esse �rg�o foi chefiado entre 1970 e 1974 pelo major Carlos Alberto Brilhante Ustra, hoje coronel da reserva.
Duarte teria ficado detido durante dois anos, at� seu desaparecimento, em junho de 1973. Para os procuradores, trata-se de um caso de sequestro, crime continuado, cujos respons�veis n�o teriam sido atingidos pela Lei da Anistia de 1979. O seu objetivo � encontrar esses respons�veis e lev�-los � Justi�a.
Hist�rias cruzadas
Ao procurar documentos sobre a pris�o de Duarte, os procuradores encontraram evid�ncias de que ela ocorreu por causa de um outro marinheiro: Jos� Anselmo dos Santos, o Cabo Anselmo, que militou na Vanguarda Popular Revolucion�ria (VPR) e entrou para a hist�ria como delator de militantes da esquerda armada.
Duarte e Anselmo eram amigos e militavam na esquerda desde antes do golpe militar de 1964. Expulsos da Marinha pelo Ato Institucional n.º 1 e perseguidos pelas autoridades, fugiram para o exterior. No retorno, seguiram caminhos diferentes: Duarte trocou de nome e passou a trabalhar como corretor na Bolsa de Valores. Sua ficha no Ex�rcito reconhece que n�o mantinha v�nculos com nenhuma organiza��o. Anselmo, no entanto, teria optado pela luta armada.
Os dois encontraram-se no centro de S�o Paulo, em 1971. Anselmo disse que estava sem lugar para morar e Duarte ofereceu seu apartamento, na Rua Martins Fontes. Esse teria sido o seu maior erro. Logo em seguida Anselmo caiu. Preso pelo delegado S�rgio Paranhos Fleury, que chefiava o Dops, foi convencido a mudar de lado e saiu da pris�o com a miss�o de se infiltrar entre organiza��es de esquerda.
Nesse contexto, Duarte tornou-se um problema. Como sabia da pris�o de Anselmo, havia o temor de que o reencontrasse e descobrisse a opera��o arquitetada por Fleury.
Entre os documentos do Dops, os procuradores encontraram pap�is indicando que os policiais estiveram mais de uma vez no apartamento da Martins Fontes, onde Duarte residia com o falso nome de Ivan Marques Lemos.
Habeas corpus
As autoridades sempre negaram sua presen�a na pris�o. Diante de um pedido de informa��es emitido pelo Superior Tribunal Militar (STM), para instruir um pedido de habeas corpus impetrado pelo advogado da fam�lia de Duarte, o Dops admitiu que tinha sido preso para averigua��es, mas fora libertado.
Anselmo nunca negou sua proximidade com Duarte em entrevistas e depoimentos. Jamais mencionou, por�m, que sua pris�o estivesse relacionada �s suas atividades como delator. Essa � a primeira vez que a hist�ria de Duarte � inteiramente reconstitu�da. Al�m de reunir documentos, o MPF ouviu ex-presos pol�ticos que viram o ex-marinheiro no c�rcere.
Pedro Rocha, que dividiu cela com Duarte no DOI-Codi, contou que o prisioneiro n�o conseguiu entender as raz�es de sua longo perman�ncia no c�rcere. V�rias vezes ele teria perguntando ao major Ustra quando haveria uma solu��o para seu caso. Maria Am�lia Telles, que tamb�m esteve no DOI-Codi, afirma que ouviu Duarte dizer, em mais de uma ocasi�o, que estava condenado. “Outras pessoas tamb�m ouviram ele dizer que sabia que ia morrer”, disse.
O Minist�rio P�blico tamb�m ouviu agentes policiais que atuavam no Dops na �poca do desaparecimento de Duarte. Nenhum confirmou sua presen�a naquela institui��o. Procurado pelo jornal O Estado de S. Paulo, por meio de seu advogado, Paulo Alves Esteves, o coronel Ustra disse n�o se lembrar de nenhum detido com o nome Edgard Aquino Duarte.
Nos depoimentos que j� deu sobre sua atua��o no DOI-Codi, o coronel j� afirmou que nunca efetuou pris�es ilegais. Ele tamb�m disse que “jamais permitiu torturas”.
A descoberta do documento nos pap�is do Dops mantidos no Arquivo do Estado animou o Minist�rio P�blico. “Isso significa que, apesar de j� ter sido vasculhado em mais de uma ocasi�o por jornalistas e pesquisadores, o arquivo ainda pode ocultar informa��es importantes”, disse o procurador S�rgio Gardenghi Suiama. “� um fato alentador.”