A abertura na semana passada de um processo administrativo disciplinar para apurar ass�dio moral no consulado de Sydney exp�s um problema interno que preocupa o Itamaraty: o aumento das queixas de funcion�rios pelo tratamento recebido por diplomatas. Ao contr�rio do que aconteceu com o caso australiano por�m, a maior parte das reclama��es acaba engavetada.
O SindItamaraty, o sindicato da categoria, encaminhou, no ano passado, 12 den�ncias consideradas consistentes � Corregedoria do Minist�rio das Rela��es Exteriores. Nenhuma levou a investiga��es internas. O caso em Sydney foi, at� agora, o �nico levado adiante e pode causar a expuls�o do c�nsul-geral Am�rico Fontenelle e de seu adjunto, C�sar Cidade. Al�m do ass�dio moral Fontenelle � suspeito de fazer investidas de cunho sexual contra funcion�rias. Cl�udia Pereira, que pediu demiss�o, escreveu uma carta ao minist�rio afirmando que o c�nsul dizia frases do tipo “adoro quando voc� fica vermelha” ou “voc� est� me deixando louco”.
Os dois diplomatas pediram afastamento dos cargos. Ambos dizem ser inocentes.
Entre os casos que acabaram engavetados, um envolve uma embaixada brasileira no sudeste da �frica. Quatro funcion�rios acusaram diplomatas de gritar, dizer palavr�es e fazer amea�as de demiss�o a quem pedisse, por exemplo, uma licen�a m�dica. Em menos de um ano, 16 pessoas foram demitidas sumariamente.
Em outro caso que tamb�m n�o foi levado adiante, Ant�nio Carlos, ex-motorista de um posto nos EUA, conta que passou poucas e boas na m�o de um embaixador, que j� trocou de pa�s, e especialmente de sua esposa. “Fui expulso aos gritos de dentro da resid�ncia oficial porque entrei de sapatos. Tinha que sair e limpar o sapato com �lcool.”
Em contato com a Associa��o dos Funcion�rios Locais do Servi�o Exterior (Aflex), o Estado recebeu queixas de outros 13 locais al�m das encaminhadas pelo SindItamaraty. H� casos, por exemplo, de motoristas obrigados a pagar multas causadas por serem for�ados a esperar diplomatas em locais de estacionamento proibido.
Uma servidora de um posto dos EUA diz que “funcion�rios de apoio s�o diariamente humilhados e proibidos de circular pelas depend�ncias da reparti��o”. Em outros dois postos nesse pa�s, os funcion�rios foram chamados para uma reuni�o e amea�ados de demiss�o se aderissem ao movimento Despertar, que resultou na funda��o da Aflex. Em uma foto (veja ao lado), um grupo deles aparece vestido de preto e com tarjas nas bocas.
A Aflex foi criada em 2012, depois de um movimento para organizar os funcion�rios. “At� hoje n�o fomos recebidos no Itamaraty”, diz Cl�udia Rajecki, presidente da associa��o. Sem di�logo no governo, o grupo enviou as queixas ao Minist�rio P�blico do Trabalho, que se julgou incompetente para analis�-las. O conte�do foi ent�o repassado para a Procuradoria-Geral da Rep�blica, que ainda n�o deu resposta.
Ranking. Postos e diplomatas famosos por destratar subalternos t�m dificuldade para completar seus quadros. Oficiais e assistentes de chancelaria chegaram a criar um ranking na internet em que classificam os diplomatas desde aqueles considerados maravilhosos at� os que devem ser evitados a qualquer custo.
“H� postos que raramente conseguem completar seus quadros at� que mude o diplomata”, diz Alexey van der Broocke, presidente do SindItamaraty. “O que alguns diplomatas tratam como a ‘cultura da casa’ cria ambientes insuport�veis de trabalho.” Para o SindItamaraty, o principal problema � a inoper�ncia da Corregedoria, que raramente abre uma investiga��o. Marcos Torres vice-presidente do sindicato, acredita que com a abertura do processo contra Fontenelle as coisas agora podem mudar.
Respons�vel pela �rea administrativa do Minist�rio das Rela��es Exteriores, o secret�rio-geral, Eduardo Santos, diz que a pasta tem procurado investigar as queixas que chegam � Corregedoria do Servi�o Exterior, mas nega que tenham sido encaminhadas 12 reclama��es no ano passado. “No exerc�cio de 2012, nenhuma den�ncia submetida ao crivo da Corregedoria do Servi�o Exterior versou sobre o tema ‘ass�dio moral’”, diz texto enviado para a reportagem. Segundo Santos, havia de fato reclama��es, mas elas se referiam a outros tipos de delitos nos postos.
“Toda e qualquer den�ncia ser� apurada com rigor, conforme reiterou o ministro Ant�nio Patriota, sempre observando estritamente os textos legais e procedimentos pertinentes”, afirma o texto do minist�rio. Sobre Sydney, Santos afirma: “At� a conclus�o final (do processo interno), ser�o estritamente observados, etapa por etapa, os princ�pios que regem o Estado de Direito, em especial os preceitos constitucionais da legalidade, imparcialidade, impessoalidade, do contradit�rio e da ampla defesa”.