Grasielle Castro
Bras�lia – A Comiss�o de Direitos Humanos da Organiza��o das Na��es Unidas (ONU) entregou aos senadores brasileiros, na sexta-feira, uma carta em que condena a demora do pa�s em refor�ar as medidas de combate ao trabalho escravo, principalmente a morosidade para levar ao plen�rio a Proposta de Emenda � Constitui��o (PEC) 57, conhecida como PEC do Trabalho Escravo. A mat�ria, que tramita desde 1995, quando foi apresentada pela primeira vez, estabelece o confisco da terra em que forem encontradas situa��es de trabalho an�logas � escravid�o. O texto final est� pronto e aguarda inclus�o na pauta desde 2 de julho.
Assinada pela advogada arm�nia e relatora sobre escravid�o da comiss�o da ONU, Gulnara Shahinian, a carta destaca que, em 2010, quando ela esteve pela primeira vez no Brasil, o pa�s exibia um cen�rio positivo para a vota��o da PEC, que, se aprovada, traria prote��o e restauraria a dignidade e a justi�a para as v�timas. “Eu estava orgulhosa por ter sido convidada para acompanhar um grupo de senadores que coletava assinaturas de apoio em todo o pa�s”, relata. Segundo ela, entretanto, quase tr�s anos depois, as discuss�es sobre o tema n�o avan�aram. Gulnara tamb�m chama a aten��o para o debate em torno da defini��o do trabalho escravo, que tem sido contestada pela bancada ruralista no Congresso.
Na carta, a relatora ressalta que apoia o entendimento atual, que privilegia a prote��o aos direitos b�sicos dos trabalhadores, como liberdade e condi��es dignas para exercer a fun��o. Na opini�o dela, o problema com a lei n�o � a defini��o do conceito, mas a implementa��o da norma. “Essa discuss�o sobre a redefini��o do conceito de escravid�o diminuiu o ritmo da ado��o da PEC 57, que � muito esperada por muitos homens, mulheres e crian�as que trabalham em regime de escravid�o na agricultura.”
Outra preocupa��o da representante da ONU � em rela��o ao ritmo das opera��es policiais. “Nas minhas reuni�es, tenho enfatizado a necessidade da aplica��o mais rigorosa da lei e de intensificar as a��es da Pol�cia Federal para investigar e registrar casos contra os autores do trabalho escravo”, diz trecho da carta.
Potencial Apesar de mencionar que houve progresso nos �ltimos anos, no fim do documento a advogada destaca que o Brasil tem grande potencial para erradicar a escravid�o e oferecer a prote��o necess�ria aos trabalhadores que hoje s�o submetidos a essas condi��es. “Essas pessoas n�o podem esperar. Escravid�o n�o pode estar presente nem pode continuar existindo para o povo do Brasil. Todo esfor�o deve ser feito para erradic�-la.” Dados do Minist�rio do Trabalho mostram que, de 1995 at� o ano passado, 44,4 mil trabalhadores em condi��es an�logas � escravid�o foram resgatados no pa�s.
O senador Paulo Paim (PT-RS) reconhece que a discuss�o em torno do conceito de escravid�o pode atrasar ainda mais a vota��o da proposta. Segundo ele, foi feito um acordo para a PEC ser votada com a regulamenta��o de um novo conceito do que efetivamente � considerado trabalho escravo. “Ser� formada uma comiss�o que escrever� um anteprojeto com o conceito e tudo ser� votado no mesmo dia. Por isso, acho que pode ter uma certa morosidade. Acredito que, se houver vontade pol�tica, pode ser votado ainda este ano. Mas, hoje, eu diria que est� mais f�cil votar outros projetos, como o fim do voto secreto, que tamb�m � um tema pol�mico, do que a PEC do Trabalho Escravo”, avalia o parlamentar.
Tr�s perguntas para...
Gulnara Shahinian
Relatora sobre escravid�o da comiss�o de Direitos Humanos da ONU
O Brasil aboliu a escravid�o h� 125 anos, mas ainda h� muitas marcas desse tipo de trabalho na hist�ria recente do pa�s. Como est� a situa��o hoje?
Existem muitos progressos e, na maioria, est�o relacionados ao aumento da conscientiza��o entre os empregados e patr�es, ao fortalecimento da efetividade dos programas de combate ao trabalho escravo, al�m da diminui��o do abismo entre os programas e a implementa��o. As condi��es de trabalho t�m melhorado, mas podem ser melhoradas ainda mais, principalmente, nas acomoda��es para os trabalhadores e no acesso � sa�de. Apesar do progresso, muitos trabalhadores ainda t�m sido resgatados e libertados.
O que torna as pessoas vulner�veis a esse tipo de explora��o?
Pobreza, falta de alternativas, analfabetismo e desemprego fazem com que as pessoas se tornem presas f�ceis para os recrutadores. De acordo com o Minist�rio do Trabalho, esses trabalhadores est�o principalmente na pecu�ria e na agricultura de larga escala. Esse fen�meno afeta principalmente homens de baixa renda, com idade entre 15 e 40 anos. A grande maioria est� em condi��o de servid�o, trabalhando para pagar a d�vida (com os patr�es). Eles n�o t�m condi��es de deixar o trabalho nem tem essa permiss�o. H� casos em que chegam a ser vigiados por c�es de guarda e homens armados, e sofrem constantes amea�as de viol�ncia contra a fam�lia, o que faz com que seja imposs�vel escapar. Depois de libertados, muitos t�m dificuldade de se reintegrar � comunidade. Para quem est� nessas condi��es em que a lei vai dar mais prote��o e justi�a, cada dia conta.
H� tr�s anos, a senhora disse que o fato de o Brasil discutir sobre essas condi��es significava que o pa�s estava consciente do problema, mas n�o vemos grandes avan�os. O Brasil est� sendo omisso?
Existe um importante progresso, como a Lei Bezerra, em S�o Paulo, que determina a cassa��o da inscri��o no ICMS de empresas flagradas com trabalho escravo. O mais importante � que essa norma est� sendo copiada. � fundamental a toler�ncia zero � escravid�o em todo o pa�s. Eu valorizo a for�a de vontade do governo para erradicar a pr�tica, mas acho que ainda h� muito a ser feito para punir os criminosos.