Projeto da C�mara dos Deputados quer fim da express�o 'auto de resist�ncia' em boletins de ocorr�ncia
Texto em tramita��o na Casa prop�e combater a impunidade em casos de morte em opera��es militares. A express�o � comum nos boletins de ocorr�ncia para explicar mortes e les�es ocorridas durante a a��o policial
AMAlessandra Mello
postado em 29/12/2013 06:00 / atualizado em 29/12/2013 07:24
(foto: Paulinho Miranda)
W.J., um adolescente negro de 15 anos, foi baleado atr�s da orelha por um policial militar em Betim, Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte, em 5 de dezembro. A Pol�cia Militar (PM) diz que o tiro foi dado porque ele resistiu � pris�o ap�s uma persegui��o de carro no Bairro Capelinha, periferia do munic�pio. Segundo a fam�lia do garoto, testemunhas que presenciaram a a��o policial negam que W.J. tenha resistido � pris�o e afirmam que ele foi alvejado j� rendido, assim que saiu do ve�culo. Tr�s homens que estavam com o garoto fugiram. Nenhuma arma foi apreendida.
O caso re�ne ingredientes que costumam compor os chamados “autos de resist�ncia”, express�o comum nos boletins de ocorr�ncia para explicar mortes e les�es ocorridas durante a a��o policial, com a qual projeto de lei em tramita��o na C�mara dos Deputados pretende acabar. Mais do que uma simples troca de nomes nos registros, o projeto busca combater as possibilidades de a��es criminosas de policiais permanecerem impunes, determinando uma s�rie de atitudes a serem tomadas pelas autoridades para garantir que esses casos sejam investigados e, quando confirmado que houve crime, punidos, pondo fim � “fraude da resist�ncia”.
Dona Leir Viana da Silva, de 47, m�e do adolescente baleado em Betim, n�o sabe se foi aberta alguma investiga��o para apurar as circunst�ncias que envolveram o disparo nem qual foi o destino do PM que atirou em seu filho. O comandante da companhia respons�vel pelo policiamento no Bairro Capelinha, major Marcelo de Melo, disse que o policial foi levado a um juiz e liberado em seguida e que inqu�rito foi instaurado para apurar o caso. Ele garante que os policiais que atuaram na persegui��o s�o exemplares e que os envolvidos na ocorr�ncia s�o bandidos. O major admite que W.J. n�o tem passagem pela pol�cia, mas comenta: “Quem anda com porco, farelo come”.
As perspectivas do adolescente, que no dia 5 completar� 16 anos, s�o sombrias. Se escapar de engrossar as estat�sticas de mortes ocorridas durante a��es policiais no Brasil – que lidera o ranking internacional nesse item, segundo estudo divulgado pelo F�rum Brasileiro de Seguran�a P�blica –, o rapaz, internado em estado grave desde que foi baleado, tende a ficar com sequelas do ferimento provocado pelo tiro. Segundo dona Leir, o disparo foi feito de perto. Ela n�o tem muita esperan�a de esclarecer o que ocorreu, j� que at� hoje n�o foi procurada por nenhuma autoridade policial. “Se � dif�cil apurar crime comum, imagine quando o envolvido � policial”, lamenta a dona de casa, que j� perdeu um filho, assassinado durante uma festa.
� que mortes provocadas por policiais no exerc�cio da profiss�o s�o tratados de maneira diferente sob alega��o de que foram decorrentes de leg�tima defesa, com o objetivo de “vencer a resist�ncia” de suspeitos ou proteger civis. Nos boletins de ocorr�ncia, elas costumam ser classificadas como “auto de resist�ncia” ou “resist�ncia seguida de morte”, express�es criadas durante o regime militar e amplamente combatida pelos movimentos sociais e entidades de defesa dos direitos humanos.
O Projeto de Lei 4.471/2012, pronto para ser votado na C�mara dos Deputados, altera o C�digo de Processo Penal e estabelece normas para a investiga��o das mortes e les�es corporais cometidas por policiais durante o trabalho. O texto acaba com as classifica��es gen�ricas das mortes e les�es ocorridas durante a��es policiais e imp�e regras claras sobre como deve ser a apura��o dos fatos, inclusive com recomenda��es sobre coleta de depoimento de testemunhas, preserva��o da cena do poss�vel crime e regras para a realiza��o dos exames de corpo de delito.
O projeto estabelece que os termos “autos de resist�ncia” e “resist�ncia seguida de morte” sejam trocados por “les�o corporal decorrente de interven��o policial” e “morte decorrente de interven��o policial”. O PL determina que o Minist�rio P�blico, a Defensoria P�blica e �rg�o de controle da atividade policial sejam comunicados imediatamente das mortes ou les�es. Um dos autores do projeto, o deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP) afirma que seu principal objetivo � evitar que as terminologias atuais escondam viola��es de direitos humanos ou a��es de grupos de exterm�nio.
'Se � dif�cil apurar crime comum, imagine quando o envolvido � policial', Leir Viana da Silva, m�e de adolescente baleado por PMs em Betim (foto: Edesio Ferreira/EM/D.A Press)
Realidade camuflada nas ruas As estat�sticas das mortes em decorr�ncia da atividade policial s�o subestimadas. Quem garante � a secret�ria-executiva do F�rum Brasileiro de Seguran�a P�blica, Samira Bueno, que este ano fez um levantamento dos casos de homic�dio no Brasil com foco na letalidade policial e defende o fim do registro de “autos de resist�ncia”. Segundo ela, muitos estados n�o mant�m dados atualizados e as 1.890 mortes comunicadas n�o representam a realidade. “E olha que mesmo subestimados esses n�meros j� s�o altos”, comenta Samira, que espera controle maior com a entrada em vigor do Sistema Nacional de Estat�sticas em Seguran�a P�blica e Justi�a Criminal (SINESPJC).
A partir do ano que vem, os estados ser�o obrigados a manter dados atualizados de homic�dios, incluindo os causados por policiais em servi�o. “O repasse de verbas da seguran�a para os governos est� condicionado � alimenta��o desse sistema”, explica Samira. Para ela, esse controle n�o tem por objetivo desmerecer a atua��o e sim discutir padr�es de opera��o das pol�cias, “que t�m um papel relevante no desenvolvimento social, econ�mico e cultural baseado no respeito e na cultura da paz”.
Para o historiador e soci�logo Douglas Belchior, integrante do Movimento Uneafro Brasil e do Comit� contra o Genoc�dio da Popula��o Negra, os autos de resist�ncia camuflam os crimes cometidos pelo aparato do Estado contra “pobres, pretos e moradores de periferia”. Segundo ele, o fim dos autos com a aprova��o do PL 4.471/2012 seria apenas o come�o de um movimento crescente contra a viol�ncia policial. “Na maioria dos casos as v�timas acabam sendo culpadas e os policiais ficam livres de investiga��o”, afirma.
Para ele, esse tipo de anota��o nas ocorr�ncias policiais � um “fantasma dentro de casa”. “Os autos de resist�ncia s�o amplamente conhecidos e utilizados para maquiar crimes, mas ningu�m faz nada para mudar.” O projeto esteve prestes a ser aprovado, por causa das press�es das manifesta��es de junho, mas assim que elas arrefeceram ele empacou de novo. Em S�o Paulo, registros com essa terminologia foram proibidos este ano por determina��o do governo, depois de uma enorme press�o provocada pelo grande n�mero de mortes ocorridas em a��es policias: 563 somente no ano passado. De acordo com Belchior, j� houve queda nos crimes decorrentes de confronto com a pol�cia. Para ele, o PL 4.711 n�o vai acabar de uma hora para a outra com a letalidade das a��es da pol�cia, mas vai favorecer o controle da atividade das for�as de seguran�a.
N�O PEGOU Resolu��o editada em 21 de dezembro de 2012 pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos j� recomenda que policiais deixem de usar em seus registros, boletins de ocorr�ncia, inqu�ritos e not�cias de crimes designa��es gen�ricas para as mortes e les�es ocorridas durante sua a��o. A resolu��o tamb�m recomenda que nesses casos, entre outras provid�ncias, devem ser instaurados inqu�ritos policiais para investiga��o de homic�dio ou de les�o corporal, mas nem todos os estados aderiram.