Guaruj�, 15 - Na areia, o ex-zelador do Condom�nio Solaris, Jos� Afonso Pinheiro, 47 anos, � abordado por um banhista. Do cal�ad�o, n�o se ouve a conversa dos dois. Mas, pelos gestos, percebe-se claramente o tom amistoso, o apoio e a aprova��o. Desde que foi demitido, ele tem sido parado por desconhecidos � beira-mar, gente querendo abra��-lo, tirar uma selfie e guardar um souvenir qualquer da crise. Ao ver a empatia provocada por seu cliente, o advogado que est� cuidando do caso confessa que gostaria de ajud�-lo "a transformar esse lim�o em uma limonada".
Mas vamos aos fatos, lim�es e limonadas: o zelador Jos� Afonso Pinheiro foi demitido; Pinheiro trabalhava no Condom�nio Solaris, no Guaruj�, no litoral paulista; o Condom�nio Solaris � aquele do famoso tr�plex que dizem ser do ex-presidente Luiz In�cio Lula da Silva - que � acusado de lavagem de dinheiro e falsidade ideol�gica ao supostamente ocultar a propriedade do im�vel; Pinheiro dep�s no Minist�rio P�blico dizendo ter visto o petista e a mulher dele, Marisa, no edif�cio - e afirmou que os dois teriam se comportado como se fossem os verdadeiros donos do tr�plex; o depoimento teria complicado a defesa do ex-presidente que nega veementemente que o im�vel perten�a ao pol�tico; o zelador Jos� Afonso Pinheiro foi demitido. Logo...
Nas retic�ncias � que mora o perigo. T�o logo a demiss�o do zelador foi divulgada pela imprensa, a hip�tese de Pinheiro ter sofrido repres�lia por ter "falado demais" ganhou for�a e m�dia. Ent�o, a reportagem do Estado quis conhec�-lo de perto. O primeiro encontro foi frustrado. "Melhor ligar para o doutor Marcelo. S� posso falar com a autoriza��o dele", disse Pinheiro ao telefone.
Com o intermedia��o do advogado criminalista Marcelo Cruz, que at� dezembro de 2015 foi membro da executiva do PTB santista (mas diz ter se desfiliado), o encontro aconteceu na quarta-feira passada, quase em frente ao pr�prio Condom�nio Solaris. No local, Pinheiro aguardava dentro do ve�culo do advogado, um Porsche branco. Antes da entrevista, tirou fotos na praia e foi abordado pelo tal banhista. "Quando falo em transformar o lim�o em limonada, digo que ele poderia se filiar a um partido, candidatar-se... Ou, quem sabe, pelo menos montar uma barraquinha aqui na praia, na frente do pr�dio, vendendo suco de laranja ou outra coisa, uma barraquinha que fizesse refer�ncia ao tr�plex... Mas ele n�o � disso, � um sujeito muito puro", diz Cruz.
Segundo o pr�prio advogado, Pinheiro teria chegado at� ele porque sua esposa trabalharia na casa de "pessoas ligadas ao universo jur�dico" - e que vendo o desespero da funcion�ria com a situa��o do marido solicitaram a ajuda dele.
Para evitar o ass�dio nas proximidades do pr�dio, Cruz sugeriu que a entrevista fosse feita em outro local. A reportagem aceitou a proposta e seguiu o Porsche branco at� o Casa Grande Hotel. L�, Pinheiro contou a sua hist�ria. A hist�ria de um pugilista que teve a carreira encurtada por um "acidente de trabalho".
Boxe
Pinheiro nasceu em Medianeiras, no Paran� - sendo pen�ltimo filho de uma fam�lia de oito irm�os. A m�e, dona Maria Julia, morreu de febre amarela quando ele ainda tinha 2 anos. Dela, diz guardar duas lembran�as: uma brincadeira de esconde-esconde pela casa e o dia em que ela transpirava muito, ardendo de febre na cama, �s v�speras da pr�pria morte.
Aos 3 anos de idade, j� no Rio Grande do Sul (na cidade de Sapucaia do Sul), foi adotado pela fam�lia que era dona da f�brica de tijolos em que seu pai trabalhava. "Tive uma queimadura grave na perna quando eu era crian�a. A�, essa fam�lia achou melhor cuidar de mim. Meu pai sozinho n�o podia dar conta", fala. O pai, seu Luciano, morreria de c�ncer alguns anos depois.
Aos 13 anos, come�ou o seu interesse pelo boxe. F� de Muhammad Ali, dividia seu tempo entre uma f�brica de sapatos e o treino puxado da academia. A partir de 1987, iniciou uma carreira promissora no boxe, na categoria de peso leve. Nos ringues, ficou conhecido como Sapuca. Entre seus feitos mais marcantes est�o, o t�tulo dos Jogos Abertos do Interior, do campeonato da Gazeta Esportiva e chegou na final do Torneio dos Campe�es.
Na fim do Torneio dos Campe�es, foi acertado por um direto no rosto, na altura do olho esquerdo. O golpe fez com que ele abandonasse a luta e perdesse a vis�o do olho atingido. "Foi o fim de um sonho. Minha vida desmoronou".
Ainda no esporte, foi auxiliar t�cnico de outros aspirantes ao boxe e tamb�m trabalhou em programas sociais treinando crian�as carentes. No per�odo, entra na universidade, no curso de Educa��o F�sica. Em 1993, casa-se com Cleide, e deixa o boxe pra tr�s - come�ando a trabalhar como zelador. O curso universit�rio n�o durou muito, ele diz ter abandonado o curso para poder pagar cursos de ingl�s e espanhol para filha - que hoje cursa rela��es internacionais.
Antes de chegar no Solaris, Pinheiro teve dois empregos na mesma �rea. Segundo ele, as demiss�es dos outros edif�cios aconteceu, justamente, na mudan�a de s�ndico. "Eu sempre era muito pr�ximo dos s�ndicos, fazia amizade mesmo. Quando trocava a administra��o, eu ficava marcado como sendo �o homem do s�ndico antigo�. Assim, acabava saindo."
Solaris
Pinheiro estava no Solaris desde 2013. Diz nunca ter sido repreendido por nenhum morador, tamb�m diz nunca ter cometido nenhum tipo de falta que pudesse custar o seu trabalho. No m�s passado, surpreendeu-se ao ser demitido no escrit�rio da administradora do pr�dio. "O s�ndico n�o falou comigo. Nunca disse nada. Me disseram, simplesmente, para pegar uns documentos no escrit�rio e l� fui demitido", conta.
Embora n�o tenha dado explica��es para Pinheiro, o s�ndico manifestou-se em entrevista para um canal de tev�. "Ele disse que eu havia sido demitido por n�o ser um bom profissional. Disse que n�o teve nada a ver com pol�tica. Isso foi o que mais me magoou. O que mais me d�i � ser punido por falar a verdade. Pode perguntar ao moradores".
De fato, o Estado conversou com alguns moradores que confirmaram que o ex-zelador era uma figura querida no condom�nio. Pinheiro tem at� o in�cio do m�s de maio para deixar o apartamento que ocupa no Condom�nio Solaris.
De acordo com Pinheiro, Mauro j� teria feito uma advert�ncia sutil, "coisa de elevador", dizendo que ele n�o deveria se manifestar sobre as supostas visitas de Lula e Marisa ao Solaris. O s�ndico foi procurado pela reportagem, mas n�o atendeu o celular e n�o respondeu os recados deixados na portaria do pr�dio.
Sobre Lula, Pinheiro confirma que o presidente j� esteve algumas vezes no pr�dio. "Ele n�o interagia muito. Quem falava mais e, ali�s, sempre foi muito simp�tica, foi a dona Marisa. Pinheiro tamb�m declarou-se eleitor do ex-presidente e de Dilma. "Hoje, n�o sei em quem votaria. Prefiro n�o opinar."
Processo
Cruz, o advogado, diz que o cerne do seu processo � a justificativa da demiss�o. "Eu quero as atas das �ltimas reuni�es de condom�nio. Quero saber se existe algo desabonador contra o meu cliente. Estou [ ]estudando uma eventual indeniza��o e repara��o aos danos causados por essa declara��o", adianta. O advogado diz tamb�m existir uma suspeita de "atentado" contra o seu cliente.
"No final do ano passado, ele saiu do pr�dio de bicicleta e foi atingido por um carro, que n�o prestou socorro. Como foi logo ap�s as declara��es sobre o tr�plex, solicitei as imagens da c�mera de seguran�a do edif�cio. Ainda n�o consegui, tamb�m me custa acreditar em algo orquestrado, mas preciso me certificar."
No momento, Pinheiro diz n�o conseguir pensar no futuro. Ele conta que j� apareceu gente oferecendo emprego, mas nada muito concreto. Sem revelar o nome do partido, a pedido do seu advogado, Pinheiro tamb�m contou que j� foi procurado por pessoas que teriam oferecido filia��o partid�ria. "N�o � por a�. N�o quero. Agora n�o. N�o sei. L� na frente, se for de fato ajudar a sociedade de algum jeito... Pode at� ser", afirma Pinheiro - que ainda n�o sabe se vai transformar esse lim�o em uma limonada. As informa��es s�o do jornal
O Estado de S. Paulo.