Bras�lia, 17 - Por capricho da hist�ria, as pedaladas matinais da presidente Dilma Rousseff nos arredores do Pal�cio da Alvorada, como parte de uma rigorosa dieta alimentar, foram confundidas no imagin�rio popular com a manobra cont�bil que acabaria servindo de justificativa para o seu impeachment.
Com o passar do tempo, por�m, o que era uma discuss�o estritamente t�cnica e complexa, travada no Tribunal de Contas da Uni�o (TCU) com o Tesouro Nacional e o Banco Central, ganhou o campo jur�dico-pol�tico e as ruas. E o apelido �pedaladas fiscais�, dado � pr�tica da governo de atrasar o repasse de dinheiro aos bancos p�blicos e o FGTS para esconder a falimentar situa��o das contas p�blicas, passou a ser conhecido e debatido em todo o Pa�s.
Centro do furac�o da crise pol�tica que paralisa a economia brasileira desde o ano passado, as pedaladas come�aram a ser descobertas no in�cio de 2014, quando a redu��o dos gastos de benef�cios sociais chamou a aten��o dos especialistas em Previd�ncia. Eles n�o entendiam como as despesas com o abono salarial e seguro-desemprego ca�am, mesmo num cen�rio em que a tend�ncia natural das condi��es econ�micas apontava para a dire��o contr�ria.
A desculpa oficial era sempre vaga. Arno Augustin, ent�o secret�rio do Tesouro e principal mentor das pedaladas, insistia na tese de que a queda era um movimento natural. O problema s� ganhou outra dimens�o depois que reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, publicada em julho daquele ano, revelou a exist�ncia de uma estranha conta paralela de um banco privado com R$ 4 bilh�es em cr�ditos da Uni�o, que estavam relacionados a atrasos nos repasses aos bancos para o pagamento de benef�cios sociais.
Foi a primeira vez que o termo pedaladas veio a p�blico associado aos atrasos dos repasses que ajudavam a maquiar as contas a poucos meses das elei��es presidenciais. At� ent�o, a express�o era pouco conhecida e usada quando t�cnicos queriam explicar que despesas do minist�rios, que deveriam ser pagas at� o �ltimo dia do m�s, tinham o desembolso transferido de fato para o primeiro dia do m�s seguinte. Uma pr�tica or�ament�ria antiga na Esplanada dos Minist�rios, principalmente na virada de ano.
A descoberta da conta paralela desencadeou uma onda de reportagens que foram revelando o tamanho dos tent�culos das pedaladas. N�o s� na Caixa, mas tamb�m no Banco do Brasil, BNDES e FGTS. Como pela legisla��o brasileira, um banco publico n�o pode financiar o Tesouro, a base de sustenta��o para as investiga��es do TCU se consolidou a pedido do Minist�rio P�blico junto ao tribunal.
Coniv�ncia
�Que fique bem claro que, inicialmente, se omitiram n�o s� o mercado financeiro, como tamb�m os �rg�os de controle, p�blico e de atividades profissionais. Mas isso nunca autorizaria o governo a prosseguir e se aprofundar nas pr�ticas irregulares e depois ilegais�, afirma Jos� Roberto Afonso, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Funda��o Get�lio Vargas.
Respons�vel por apontar muitas das manobras feitas pela equipe de Arno, Afonso diz que n�o se surpreendeu com o tamanho do alcance das pedaladas. Ele lembra que desde 2009 os especialistas em pol�tica fiscal e a m�dia j� vinham denunciando as pr�ticas fiscais indevidas, como o uso de receitas extraordin�rias, empr�stimos fora do Or�amento e despesas postergadas. Os pr�prios t�cnicos do Tesouro alertaram em um movimento de rebeli�o interna, sufocado por Augustin.
Antes de o TCU abrir as dilig�ncias para investiga��o, os fiscais do BC detectaram o problema na Caixa, no final de 2013. Mantida em sigilo, a fiscaliza��o cobrou provid�ncias da dire��o do banco estatal, que por temor de puni��es da autoridade reguladora, pediu uma c�mara de arbitragem � Advocacia-Geral da Uni�o (AGU) com o Tesouro. Por press�o do BC, que tamb�m ficou em situa��o desconfort�vel por n�o ter feito os registros corretos, as pedaladas come�aram a ser corrigidas a partir de agosto de 2014.
A partir da�, e at� a condena��o das pedaladas pelo plen�rio do TCU, em abril do ano passado, todos os esfor�os da defesa da Uni�o, para sustentar a tese de que a pr�tica era normal e j� havia sido feita pelo governo FHC, n�o prosperaram. Com o julgamento, a oposi��o imediatamente come�ou a pedir o impeachment da presidente pelo crime de responsabilidade fiscal.
Quita��o
�Jamais imaginei que uma lei t�o estuprada fosse gerar o processo de derrubada de um presidente�, diz Fernando Montero, economista-chefe da corretora Tullett Prebon, argentino naturalizado brasileiro que acompanha h� mais de 15 anos as contas p�blicas. �Uma brecha no atraso dos repasses foi transformada em verdadeira escala industrial em 2014 para a presidente ganhar a elei��o�, avalia. A prova disso � que, ao fim de 2015, por determina��o do TCU, o Tesouro finalmente quitou R$ 72,4 bilh�es das pedaladas que ainda estavam atrasadas. A principal consequ�ncia: rombo hist�rico de R$ 115 bilh�es nas contas do governo.
Na etapa de comprova��o das pedaladas, coube ao auditor do TCU Antonio Carlos D��vila, que conduziu a inspe��o, o papel de protagonista ao conseguir elaborar um relat�rio t�cnico de grande consist�ncia que serviu de base no julgamento. Ex-funcion�rio do BC e, portanto, com grande conhecimento sobre o tema, foi apontado com o �ca�ador� das pedaladas.
Os investigados, entre eles servidores de carreira do Tesouro que podem ser responsabilizados em julgamento que ainda n�o terminou, v�m a a��o da corte de outra forma: a equipe do TCU quando foi colher provas, na verdade, j� teria chegado pronta para a condena��o por raz�es pol�ticas. A principal queixa � de que a corte passou a dar uma interpreta��o nova, criminalizado a pr�tica de imediato, sem esperar o prazo de ajustes.
Autor do pedido de impeachment, o jurista Miguel Reale concentrou sua argumenta��o na defesa da tese do governo de que as pedaladas fiscais eram praticadas e aceitas em gest�es anteriores: �Dizer que ocorria antes � mentira�. Na linha de frente da defesa, o advogado-geral da Uni�o, Jos� Eduardo Cardozo, sustentou at� o fim que n�o houve opera��o de cr�dito nas pedaladas. Ele centrou a argumenta��o na tese de �golpe� e de que n�o havia ato de Dilma com as pedaladas. O processo teria come�ado viciado com uma �chantagem� do presidente da C�mara, Eduardo Cunha.
Li��o
Consultor legislativo do Senado, Marcos Mendes diz que as pedaladas est�o no centro da depress�o econ�mica atual. �Pedaladas � um apelido engra�ado, mas n�o � o correto. O nome certo � fraude fiscal�, diz. Jos� Roberto Afonso enfatiza que Congresso precisa aprovar novas leis para �tirar li��es�. Ele recomenda a complementa��o da regulamenta��o da Lei de Responsabilidade Fiscal e o endurecimento das regras de controle interno e externo.
As informa��es s�o do jornal
O Estado de S. Paulo.